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Dá pra ser feliz na pandemia? O que aprendi no curso de felicidade de Yale

Tentando meditar com aplicativos para apuração de reportagem em maio de 2019 - Gabriela Burdmann/UOL
Tentando meditar com aplicativos para apuração de reportagem em maio de 2019 Imagem: Gabriela Burdmann/UOL

Letícia Naísa

Do TAB

22/04/2020 04h00

Como toda adolescente fã de "Gilmore Girls", sempre quis ser estudante de Yale. Eis que, em meio à pandemia do novo coronavírus, este sonho pôde se tornar realidade, pelo menos parcialmente: por uma semana, acompanhei o famoso "curso de felicidade" da renomada faculdade onde Rory se formou. Com lápis e papel na mão, estava determinada a aprender a ser menos infeliz na quarentena.

Entre uma rolada de feed no Twitter e uma mensagem no WhatsApp, acompanhei as quase dez horas do curso "The Science of Well-Being" (A Ciência do Bem-Estar, em tradução livre), conduzido pela Laurie Santos, professora de psicologia da Universidade de Yale. Com aulas gratuitas na plataforma Coursera, o objetivo do curso é fazer o espectador entender, com base em evidência científica, de onde vem sua infelicidade e lhe dar ferramentas para reverter o cenário. A proposta surgiu em 2017 e o curso migrou para a internet em 2018 devido ao sucesso das aulas presenciais da faculdade. Soa impressionante, mas a verdade é que os estudantes de Yale parecem não ser tão felizes assim. Aos norte-americanos são receitados 400 vezes mais antidepressivos hoje do que há 20 anos, diz Santos. E entre boa parte dos que tomam os medicamentos estão os estudantes universitários e os recém-formados.

De cara, na primeira videoaula, Santos avisa: apesar de ser a professora do curso de felicidade, nem ela é feliz o tempo todo, mas espera poder transmitir o que sabe e aprender com os estudantes como melhorar sua qualidade de vida. Como todo curso, há pequenas tarefas e testes para saber se o aluno está aprendendo e colocando em prática o que é ensinado. Já comecei o curso infeliz por ter lição de casa.

Mas a primeira delas foi simples: um teste científico para medir o quanto você é feliz. De zero a cinco, meu nível de felicidade no 27° dia de quarentena sozinha — em um apartamento de 35 m² no centro de São Paulo, epicentro da pandemia de Covid-19 — foi 2,5. Não estava nem soltando fogos de artifício nem no meio de uma crise de choro. Não que eu seja muito Poliana, mas para alguém que está saudável e tem a possibilidade de trabalhar de casa, achei minha nota baixa.

Santos segue em frente com algumas provocações: o que entendemos por felicidade? Uma casa enorme com piscina? Um carro novo? Um trabalho que pague bem? O corpo (ou a conta bancária) da Gisele Bündchen? Um príncipe encantado e o casamento do século? A resposta óbvia parece que sim, mas o leitor atento já deve imaginar que não. Com dados, tabelas, pesquisas dos últimos 50 anos, artigos científicos e uma extensa bibliografia sobre a ciência da felicidade, Santos nos mostra de forma empírica que ter coisas materiais não nos faz mais feliz.

Desconfiada, imaginei que essa desculpa servia bem para o contexto do "sonho americano" — uma falácia em seu próprio país de origem. Num país subdesenvolvido como o Brasil, onde, em 2018, 19,2 milhões de pessoas viviam na miséria (abaixo da linha de pobreza), ter uma casa legal, um carro na garagem e não precisar se preocupar com as contas no fim do mês seria como viver esse sonho. Por email, perguntei à professora como pode haver felicidade em países pobres e cheios de desigualdade social como o nosso. "Pesquisas mostram que ser extremamente rico não é um pré-requisito para a felicidade. Qualquer pessoa pode colocar em prática comportamentos positivos, não importa sua renda", afirma Santos.

Para a mestra, o grande problema é que concentramos esforços em coisas erradas para sermos realmente felizes. E boa parte da culpa é do capitalismo. "O sistema foca em coisas que não são importantes para sermos felizes. A felicidade não é sobre ser rico, é sobre ter conexões sociais e a mentalidade correta", diz a psicóloga ao TAB. "Precisamos ir além das coisas que o capitalismo prioriza se queremos ser felizes."

Então, qual a receita da felicidade? Em tempos normais, pode-se dizer que há mais ou menos um fórmula, ou pelo menos alguns hábitos que garantem felicidade: sentir-se presente, saborear experiências da vida, ser gentil, fazer atividades físicas, ter boas noites de sono, mentalidade positiva, manter conexões sociais, meditar e sentir gratidão. Pessoas que praticam as atividades listadas tendem a ser mais felizes que a média, segundo uma penca de cientistas citados por Santos durante o curso. Parece uma lista meio óbvia de coisas genéricas que qualquer coach poderia dizer, mas não se engane: são hábitos a serem criados, trabalho duro, e não apenas conselhos a serem seguidos. Outro detalhe que Santos faz questão de martelar é o que ela chama de "falácia de G.I. Joe". Inspirada no desenho animado, a lição é que não basta saber o que você tem que fazer, mas sim ir lá aprender e de fato fazer. "Saber não é meio caminho andado", ensina a professora.

Para criar um hábito, são necessários cerca de 21 dias de repetição de um ato, diz a ciência. Para ajudar, Yale desenvolveu um aplicativo em que você pode anotar as boas práticas a cada dia que consegue fazê-las até que elas virem, de fato, um hábito. As lições de casa consistem em tentar criar esses bons hábitos. Nas primeiras aulas, Santos pede para que anotemos um momento do dia que foi saboreado, façamos uma lista de cinco coisas pelas quais somos gratos e estabeleçamos um momento de contato profundo com alguém.

No 29° dia de confinamento, consegui me concentrar em um longo banho que foi saboreado com uma playlist de clássicos para cantar no chuveiro e conversei com minha mãe por videochamada por quase uma hora enquanto cozinhava. Fiz parte da lição de casa e me senti um pouco mais feliz. Mas, quando deitei na cama e tentei pensar em gratidão, bateu a bad da pandemia. Pensei nas pessoas morrendo, nos médicos cansados, no injusto modelo de trabalho dos entregadores de aplicativo, nas pessoas que não usam máscara no supermercado, na fome, no desemprego e em tantas outras situações horríveis que estamos vivendo.

Conclusão: não fui grata por nada nem tive uma boa noite de sono. Cansada de sonhar, acordei no 30° dia de quarentena exausta e achando ser impossível colocar qualquer lição em prática. Comentei com colegas que talvez o curso não estivesse me ajudando a ser mais feliz, em nada. Com mais algumas aulas, percebi que a fonte da minha infelicidade nos últimos dias era essa cobrança de estar satisfeita e manter uma rotina normal no meio de uma pandemia global que já matou mais de 170 mil pessoas, mais de 2.400 só no Brasil.

Nesse cenário, todos os seres humanos perderam boa parte dos momentos da rotina e da vida que traziam felicidade. Perdi os encontros frequentes com meu namorado, os almoços de domingo na casa da minha mãe, as visitas à minha avó, o café depois do almoço com os colegas de trabalho, a ida à feira com minha melhor amiga, as festas, os bares, os passeios e pautas pela rua. Com o isolamento, perdi o que me trazia felicidade fora de casa e no trabalho, mas também aquilo que dava alegria dentro de casa, como ler um livro estirada no sofá ou cozinhar pelo prazer de comer. Meu quarto, sagrado lugar de descanso e palco de meditação, virou meu escritório. Minha sala, conjugada com a cozinha, é minha versão particular do restaurante Dona Zefa onde almoçava quase todo dia, com louça acumulada na pia por até três dias. Como encontrar felicidade em casa com tudo junto e misturado? Como traçar um limite entre o pessoal e o profissional?

Preocupada com o quanto a Covid-19 pode afetar a saúde mental das pessoas mundo afora, Santos preparou uma live especial na página do Facebook do Coursera, que foi incluída no programa do curso, para dar conselhos a quem, como todo o mundo, está angustiado e triste, seja por estar confinado em casa ou por estar trabalhando em serviços essenciais (ou até por ter sido demitido).

Algumas das lições do curso podem ser aplicadas agora, com algum esforço hercúleo, como criar uma rotina para dormir, praticar atividade física em casa e manter contato com os amigos, mesmo que isso implique mais tempo na frente das telas e nas redes sociais, grandes vilãs da felicidade. "A chave é garantir que você está ciente de como essas práticas te afetam. Você se sente bem ou fica pior? Temos que gastar tempo com coisas que nos fazem sentir melhor", aconselha. Em um dos episódios de seu podcast, "The Happiness Lab", Santos afirma que o distanciamento é físico, mas não precisa ser social.

Outra dica boa é ajudar ao próximo, seja financeiramente ou agindo. Segundo Santos, não são poucas as pesquisas que apontam que praticar a solidariedade nos faz mais felizes. Em outro episódio do podcast, a psicóloga lembra também que ficar em casa em si já é um ato de resistência, que ajuda a conter o vírus.

Mas, entre todos os conselhos, o mais valioso é ter auto-compaixão. Tudo bem estar triste e não conseguir ser feliz na pandemia. Em nossa troca de emails, Santos explicou: "Mesmo em tempos horríveis, há sempre algo para agradecer. Podemos nos esforçar para focar nessas coisas positivas. Dito isso, acho importante ter auto-compaixão nesses tempos. Não precisamos nos forçar a sermos positivos, mas podemos mudar nossa mentalidade, mesmo no pior dos tempos." A psicóloga espera que, com a pandemia, o mundo aprenda a valorizar os cuidados com a saúde mental tanto quanto estamos aprendendo a importância de lavar as mãos.