Topo

Cozinhar com chef e pintar com artistas online são tendências de quarentena

 O chef Giovanni Renê, do Gènese Restaurante, virou a estrela da experiência de almoço do Mind the Sec - Wilson Filho/ Divulgação
O chef Giovanni Renê, do Gènese Restaurante, virou a estrela da experiência de almoço do Mind the Sec Imagem: Wilson Filho/ Divulgação

Jacqueline Lafloufa

Colaboração para o TAB

21/07/2020 04h00

Se você acompanhou algum evento que foi transmitido online nessa quarentena, já viveu algo assim: quando chega a pauta do almoço, você corre para esquentar algo rapidinho ou buscar o delivery na porta. Para inovar e surpreender, algumas produtoras têm feito algo diferente: uma live de almoço em que você cozinha junto com um chef.

No dia do evento, os participantes recebem um kit culinário e usam a parada do almoço para finalizar a própria refeição na companhia de um chef de cozinha. Foi assim que o chef Giovanni Renê, do Gènese Restaurante, virou a estrela da experiência de almoço do Mind the Sec, evento brasileiro de tecnologia. Os ingredientes selecionados pelo chef foram despachados com antecedência, e os participantes eram convidados a finalizar um risoto com chips de presunto — que eram feitos no microondas — na companhia do chef, enquanto ele tirava dúvidas, por chamada de vídeo, dentro da plataforma do evento.

"O mais curioso é que a live de almoço não foi tão diferente da minha forma de trabalhar normalmente", revela Renê em entrevista ao TAB. De acordo com o chef, os participantes recebem um kit que equivale ao mise-en-place, pré-preparo feito pelos restaurantes para agilizar a montagem das refeições. "O meu cuidado foi enviar tudo o mais pronto possível e ficar disponível para tirar dúvidas ao vivo, enquanto as pessoas finalizavam o prato nas suas casas", relembra.

Essa experiência gastronômica remota, que é finalizada por quem vai saborear o prato, ainda é novidade para o chef. Ele conta ter feito o possível para se adaptar às novas demandas que surgiram enquanto seus restaurantes seguiam fechados, se dedicando a oferecer uma vivência imersiva para os participantes dos eventos. "Só é um pouco assustador. Imagina se alguém deixar o risoto passar e achar que a minha comida é horrorosa?", diz o chef, em meio a risos um tanto nervosos. "Mas faz parte das adaptações que temos que fazer, e acho que focar em mexer o risoto pode ser uma forma de relaxar, mesmo sem sair de casa", completa.

Experiências físicas distanciadas em eventos transmitidos remotamente são uma novidade que surge em meio ao caos da primeira fase de adaptações do setor de eventos. Depois do baque inicial com os cancelamentos, aos poucos, os profissionais têm buscado alternativas para atuar mesmo à distância. "Momentos de crise afloram ainda mais a visão de inovação nos empreendedores", argumenta Anderson Ramos, idealizador do Mind the Sec. Em entrevista ao TAB, Ramos conta ter feito um esforço para inspirar e provocar sua equipe na busca de soluções que fossem viáveis, mesmo diante de tantas dificuldades. "Meu principal papel foi não deixar a equipe entrar em pânico", reflete, ao rememorar momentos em que precisou sacudir a própria equipe. "Não olhe para baixo agora, mas precisamos de 300 porções de arroz arbóreo, seguindo as recomendações da vigilância sanitária, sendo entregues na cidade tal'", recorda ele, entre risos, sobre as instruções que passou aos profissionais de alimentos e bebidas.

Dado o pontapé inicial na ideia das lives de almoço com um chef, Ramos diz que a equipe reagiu bem e se adaptou às novas realidades e até a novas funções. "Foi preciso fazer uma transição, ainda mais em um momento histórico tão tenso. É muito legal ler sobre esses momentos nos livros, mas vivê-los é bem mais complicado", confessa.

Não é só comida, é diversão e arte

A vibe de evitar o pânico e inventar novas soluções também foi o motor de Dennis Vianêz, diretor de marketing do Jazz Mansion, evento que leva arte e música para dentro de casarões e mansões. Depois de cancelar algumas edições por conta da pandemia, o Jazz Mansion passou a fazer transmissões ao vivo, mas rapidamente perceberam que só as lives não iam dar conta da experiência que gostariam de proporcionar. "Decidimos adaptar as interações que as pessoas poderiam ter dentro de casa e levamos isso até elas", explica Vianêz. A cada edição, além da transmissão de música ao vivo, o Jazz Mansion convida um artista, chef ou bartender para guiar os participantes em uma atividade lúdica, artística e remota, desenvolvida a partir de um kit que transforma a casa em um local de entretenimento.

Na edição em que a artista plástica Milenna Saraiva foi a convidada, os participantes receberam cavalete, tinta, pincel, tela e um desenho base, que cada um personalizava para criar uma obra autoral. Apesar do receio inicial, os profissionais têm aprovado a nova forma de trabalhar nesse momento de distanciamento social. "Deu medo, porque nunca tinha coordenado uma oficina com 100 pessoas, ainda mais pelo Zoom", descreve Saraiva em entrevista ao TAB. A despeito da inexperiência dos convidados com o formato virtual, a receptividade do público tem sido positiva, com um alcance que ultrapassa as fronteiras geográficas. "Além de pessoas de São Paulo, tive participantes do Rio de Janeiro, do sul do país e até do Pará", relembra a artista, que passou cerca de 4 horas em uma live de pintura enquanto ouvia um jazz transmitido também ao vivo, diretamente de Los Angeles.

Sobrevivência dos mais adaptados

Em meio à uma situação inédita, quem conseguiu flexibilizar seus modelos de atuação e adaptou seus focos profissionais conseguiu encontrar espaços também inéditos para atuar. Foi o que aconteceu com o chef Giovanni, com a artista plástica Milenna e também com quem produz eventos físicos. "Éramos muito voltados para o presencial e para as ativações, e, aos poucos, estamos adequando as funções de toda a equipe, inclusive as minhas", revela Vianêz, que agora também cuida da mediação entre audiência e artistas convidados nas conferências via Zoom da Jazz Mansion.

Com a falta de uma previsão do fim da quarentena e a tendência de que o público mantenha o distanciamento social por mais tempo, até o tom das negociações tem ganhado novos ares, tratando essas inovações como parte do famigerado 'novo normal'. "Minha conversa com o Giovanni já está evoluindo para orçamentos que incluem o pagamento de direitos autorais por vídeos já gravados, complementando a proposta com algumas horas de dedicação ao vivo", explica Ramos, da Mind the Sec.

Passado o susto inicial, o setor de eventos também tem, gradualmente, se reinventado. Para Felipe Lefevre, diretor da F/Malta, as produtoras estão repensando os objetivos de cada evento e a estrutura efetivamente necessária para realizá-los. "Antes, partíamos do princípio de que os eventos seriam sempre físicos, não havia um questionamento sobre a necessidade de um encontro presencial", reflete o profissional, que atua há 15 anos no setor. De acordo com os entrevistados, as lives são suficientes para eventos que tenham foco intenso no conteúdo, além de permitirem um maior alcance do material — que não precisa se limitar à disponibilidade dos espaços do evento, podendo ultrapassar as fronteiras geográficas.

Foi assim com o Collision, evento de tecnologia que se adaptou para ser transmitido online, de forma que pode receber 32 mil participantes de 140 países, que acompanharam as palestras ao vivo. A mesma dinâmica foi utilizada no Cannes Lions, um dos principais eventos da publicidade mundial, que também aconteceu de forma remota. "Existem algumas experiências que são insubstituíveis, quando a riqueza de coisas, pessoas e informações é única. Mas para alguns eventos, a transmissão online é super eficiente, porque evita deslocamentos e custos desnecessários, democratizando o acesso ao conteúdo", contextualiza José Saad, fundador da GoAd, empresa especializada na curadoria de festivais.

Além de alcançar uma nova audiência, as transmissões online permitem que os eventos possam escalar seus negócios com menor custo, ampliando seu público alvo. "Já estou me preparando para contar com tradução para outros idiomas nos próximos eventos, porque não estou mais concorrendo dentro de uma cidade, mas em um fuso horário", promete Ramos.

Como nos games, só que para executivos

Enquanto não for possível realizar eventos presenciais, há quem comece a considerar experiências digitais mais imersivas com o apoio de plataformas de virtualização, que recriam digital e tridimensionalmente um ambiente apropriado para a realização de eventos. Para Lefevre, esse tipo de interação ajuda a manter a audiência engajada por mais tempo, evitando o cansaço das lives. "As aglomerações e apertos de mão passam a acontecer virtualmente, resolvendo o networking, que é a atividade mais importante dos eventos corporativos", atesta o executivo.

Se você já teve qualquer experiência com games como o Animal Crossing, Minecraft ou virtualizações como o Second Life, não se surpreenda: a dinâmica dessas plataformas é a mesma que já existe há anos no universo dos jogos digitais. Com a pandemia, o que antes era apenas entretenimento passou a ser tratado como uma opção interessante também para os negócios — o que pode fazer com que muitos executivos precisam de uma 'mãozinha' dos filhos para aprender a navegar com mais tranquilidade pelo cenário. "Temos plataformas muito boas, que estamos adaptando para atender às necessidades dos nossos clientes", explica Lefevre, enquanto passeia por uma versão digitalizada do escritório da F/Malta na plataforma Virbella.

Pode parecer futurista demais, mas quem produz eventos está gradualmente aceitando a ideia de que o futuro vai chegar mais rápido por conta das pressões de mercado impostas pela pandemia. "Certas coisas vão mudar para sempre, como a noção de espaço pessoal. Reunir as pessoas para ficarem sentadas em um auditório vai parecer incômodo para muita gente a partir de agora", reflete Andrea Leal, sócia da produtora de eventos Living Brands.

Mesmo acostumada a realizar eventos corporativos presenciais em vários momentos do ano, Leal demonstra uma visão já calibrada para atuar em uma realidade completamente diferente. "Não acredito que vamos voltar ao patamar de antes quando chegar fevereiro de 2021. Vamos retomar [os negócios de eventos], mas imagino que vamos 'desembarcar' em um outro lugar", teoriza.