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Festival Oi Futuro: tecnologia precisa abrir espaço para futuros diversos

Tonya Nelson, Nina Silva e Silvana Bahia na mesa ?Transformação digital ou reinvenção cultural?? - Oi Futuro/Reprodução
Tonya Nelson, Nina Silva e Silvana Bahia na mesa ?Transformação digital ou reinvenção cultural?? Imagem: Oi Futuro/Reprodução

Luiza Pollo

Colaboração para o TAB

24/07/2020 12h00

Nesta quinta e sexta-feira (23 e 24 de julho), a Oi e o Oi Futuro realizam seu primeiro festival para discutir inovação e novos caminhos no pós-pandemia, o Festival Oi Futuro.

No primeiro dia de debates, transmitidos pelo UOL, a mensagem central foi a de que o futuro não é um só: ele é plural, precisa ser inclusivo, e a inovação pode significar diferentes coisas para diferentes pessoas.

Portanto, buscar um futuro positivo para todos passa necessariamente por um esforço coletivo em democratizar as tecnologias, que precisam ser desenvolvidas pensando ativamente na redução de preconceitos, na preservação dos recursos naturais e nos seres humanos em primeiro lugar — não mais no lucro.

"A transformação digital requer centralidade nas pessoas. Quem tem uma maior flexibilidade, quem tem o entendimento de que capital e valor não estão só nos zeros do faturamento no fim do mês, e sim em gerar propósito, consegue se conectar e gerar um valor muito maior do que até mesmo o presencial conseguiria", resumiu Nina Silva, CEO do movimento Black Money, na mesa "Transformação digital ou reinvenção cultural?".

E o futuro não fica para depois da pandemia. É neste momento de aceleração da digitalização que os debates e as ações precisam começar, defenderam os participantes, e serem implementadas como política pelos governos e empresas. "Incorporar inovação precisa ser a longo prazo, não apenas em um ou outro projeto", disse Tonya Nelson, diretora de Tecnologia e Inovação Artística do Arts Council England, ógão público britânico de fomento às artes.

Martha Cotton, Silvio Meira e Gabriela Agustini na mesa “Novas formas de pensar para tempos incertos” - Oi Futuro/Reprodução - Oi Futuro/Reprodução
Martha Cotton, Silvio Meira e Gabriela Agustini na mesa “Novas formas de pensar para tempos incertos”
Imagem: Oi Futuro/Reprodução

Pensamento global, crescimento conjunto

"Será que a gente tem que viver de crescimento, de performance? Será que o mundo deve ser guiado por uma destruição contínua do ambiente ao nosso redor?", questionou durante o painel "Novas formas de pensar para tempos incertos" o educador Silvio Meira, professor extraordinário da cesar.school e cientista-chefe na The Digital Strategy Company.

Como lembra Meira, o sistema tem nos levado à destruição de recursos naturais e ao despreparo em momentos de crise. "Se tivéssemos nos articulado previamente, e sabemos há muito tempo que uma crise desse porte — independente de uma pandemia — iria acontecer, a gente poderia mitigar esse risco", afirma. "Sem um sistema operacional e um antivírus, é só esperar a ocorrência do próximo vírus. E a falha não é da ONU. A falha é das lideranças da humanidade."

Esse cenário de caos acabou acelerando muita coisa — "25 anos de futuro para o presente", disse ele — e exigiu que muita gente se adaptasse. Apesar de reconhecer que ninguém sabe como vamos sair dessa, o educador aposta em acreditar e investir na ciência, e em repensar nossas conexões humanas e valores, considerando novas medidas para avaliar o que é crescimento. Martha Cotton, diretora-geral da Accenture e co-líder global da Fjord, trouxe exemplos positivos. Ela lembra que, na Nova Zelândia, por exemplo, já se considera o crescimento do país com base mais no bem-estar dos cidadãos, e menos no PIB.

"Essa tendência está se tornando cada vez mais aguda no contexto da pandemia. Há uma tensão quase diária entre o valor da vida humana e as necessidades econômicas. Estamos vendo um chamado para reexaminar isso, encontrar outros caminhos de medir nosso crescimento e encontrar nosso propósito", avalia ela.

Meira e Cotton veem, neste momento de crise, a oportunidade para repensar o que eles chamam de "design das relações humanas". "É uma transformação do espaço imaterial, do espaço do pensamento, e como reordenamos e reavaliamos esse superorganismo chamado humanidade", diz o educador. Essas mudanças precisam ocorrer individualmente, mas também dentro das empresas e governos, complementa Cotton. "É o design pensado nas pessoas: quando elas se engajam com produtos, serviços e organizações, elas estão cada vez mais preocupadas em saber como isso beneficia o coletivo, e não apenas o individual."

Rodrigo Abreu, Tiago Mattos e Silvana Bahia na mesa “O futuro já está entre nós” - Oi Futuro/Reprodução - Oi Futuro/Reprodução
Rodrigo Abreu, Tiago Mattos e Silvana Bahia na mesa “O futuro já está entre nós”
Imagem: Oi Futuro/Reprodução

Um futuro com mais "Es" e menos "OUs"

O futurista Tiago Mattos e o CEO da Oi, Rodrigo Abreu, foram pelo mesmo caminho. Na mesa "O futuro já está entre nós", eles ressaltaram que é preciso democratizar as visões do que é um futuro ideal — ou melhor, do que são as diversas possibilidades de futuro ideal. "Acho que a gente construiu por muito tempo nossa ideia de futuro através da construção do 'ou', que acaba sendo excludente, que nos jogou para cá ou para lá. E tenho a impressão de que vamos usar cada vez mais o 'e'", diz Mattos. A ideia é aceitar e trabalhar para proporcionar diversas opções positivas que atendam a diferentes estilos de vida.

O que um camponês considera uma vida ideal pode ser completamente diferente daquilo que almeja um morador privilegiado de uma grande metrópole, por exemplo, e esses desejos podem até coincidir, em diferentes tempos. A vida simples e minimalista do camponês pode ser deixada no passado, mas essa vida também pode vir a ser o sonho de um futuro minimalista do jovem da grande cidade, observa Mattos.

O que é necessário, concordam os dois especialistas, é abrir espaço para a pluralidade de ideias na construção do que está por vir, por meio de políticas públicas nas mais diversas áreas, principalmente na educação com tecnologia de maneira democrática. "Se a tecnologia não proporcionar escolhas, ela aprisiona. E aí estamos numa distopia, e não em uma utopia", reflete Abreu.

Safiya Noble, Sergio Branco e Gabriela Agustini na mesa “Ética e humanidade na inteligência artificial” - Oi Futuro/Reprodução - Oi Futuro/Reprodução
Safiya Noble, Sergio Branco e Gabriela Agustini na mesa “Ética e humanidade na inteligência artificial”
Imagem: Oi Futuro/Reprodução

Tecnologia plural

Mas como democratizar o acesso e os resultados do uso das tecnologias — que em sua maioria foram criadas por pequenos grupos pouco diversos? Esse foi o tema da mesa "Ética e humanidade na inteligência artificial". Safiya Noble, professora na UCLA (Universidade da Califórnia, Los Angeles) estuda os diferentes vieses intrínsecos a tecnologias que são criadas sem uma reflexão ativa sobre a diversidade, e como isso ajuda a perpetuar preconceitos. "Estamos entrando numa nova fase da inteligência artificial com análises preditivas, mas os projetos automatizados ainda usam dados de um passado opressor", afirma.

Ela vê no presente uma oportunidade crucial de intervirmos para parar de usar o passado como medida para prever o futuro — e assim quebrar esse círculo vicioso. "Precisamos tomar agora algumas decisões sobre o futuro que queremos", concordou Sergio Branco, cofundador e diretor do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade).

Branco lembra que, principalmente agora durante a pandemia, já não há mais diferenciação entre a realidade física e a virtual, e que portanto nossa interação com as máquinas precisa levar em conta os mesmos padrões éticos e replicar as mesmas discussões de representatividade que estamos tendo na sociedade atualmente. Tudo isso, diz ele, passa pela educação. "É uma coisa que já se disse antes, eu sei. E todo caminho da educação é árduo, é longo, incerto. Demora muito para gerar frutos, mas eu não vejo um caminho mais seguro do que esse."

É por meio de políticas educacionais, complementa Noble, que quebramos ciclos que perpetuam privilégios e, consequentemente, poder econômico e decisório sobre a criação de novas tecnologias. "Essa mudança de paradigma vem de pessoas que estão pensando além do lucro. Precisamos pensar na relação dessas questões, como inteligência artificial e a distribuição de recursos econômicos", defende a professora.