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Por que os orgânicos ainda têm fama de serem caros e inacessíveis

Keiny Andrade/FolhaPress
Imagem: Keiny Andrade/FolhaPress

Tainá Andrade

Colaboração para o TAB, de Brasília

23/10/2020 04h02

Osmany Segal é dono de uma horta orgânica de três hectares em Brazlândia, a 50 km de Brasília. O rapaz trabalha diariamente para produzir 15 itens, entre folhagens, legumes, raízes, temperos, ervas medicinais e frutas, em sistema de agrofloresta.

Atrás de uma mesa coberta de bandejas e com uma garrafa térmica vermelha a tiracolo — café é seu vício —, Osmany vende sua produção nas manhãs de terça-feira em um restaurante no Plano Piloto. Com o dinheiro, sustenta sua esposa, os dois filhos e reinveste no local que chama de paraíso ecológico.

Quando era feirante, com uma horta menor e um único canal de escoamento, ele tinha de se calar diante do argumento do preço. "O pequeno produtor que produz orgânico tem dificuldade de escoar o alimento dele. Não é fácil, ele perde muito mais do que vende, se der mole."

Uma pesquisa do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 2019 indica que orgânicos são tendência no país, impulsionados pela classe média. Em 2018, o Organis (Conselho Nacional da Produção Orgânica e Sustentável) registrou um faturamento de R$ 4 bilhões, seguindo a tendência de crescimento de 25% ao ano, observada desde 2015. É um percentual baixo se comparado ao resto do mundo, mas suficiente para chamar atenção de multinacionais.

Ao observar a realidade brasileira, a pergunta que fica é: onde o orgânico já pegou?

Hortaliças da propriedade de Osmany Segal em Brazlândia (GO) - Tainá Andrade/UOL - Tainá Andrade/UOL
Hortaliças da propriedade de Osmany Segal em Brazlândia (GO)
Imagem: Tainá Andrade/UOL

Gourmet x saúde

De acordo com o agrônomo Laércio Meirelles, autor de "Vozes da agricultura ecológica I e II", orgânicos são mais nutritivos. Nessa lógica, a comparação entre o valor orgânico e do convencional torna-se razoável. "Ao cobrar 30% a mais pela cenoura orgânica, estou de fato cobrando a mais? Ou quem sabe estou cobrando 10% a menos em relação ao caroteno comprado, que é uma das coisas que me interessa na cenoura?", questiona o agrônomo.

A questão é que esse tipo de informação técnica deveria ser, segundo ele, um dos tópicos para a precificação desses produtos. O que acontece hoje, principalmente em grandes redes de supermercado, é focar no lucro. Os mercados que vendem orgânicos trabalham em cima da "margem cheia": como têm baixa oferta em relação a ultraprocessados ou industrializados, esses produtos são vendidos com margem de lucro alta, porque os vendedores sabem que certo tipo de público vai pagar.

O relatório "Produtos sem veneno são sempre mais caros?", do Instituto Kairós, confirma a tese. Nele foram analisados os preços de 17 alimentos orgânicos, em cinco estados brasileiros, em quatro canais de comercialização (supermercados, feiras orgânicas e convencionais e grupos de consumo responsável). Conclusão: os preços praticados nos supermercados são muito mais altos que os do GCR ou das feiras. Encurtar a jornada de compra do consumidor é a grande virada de chave na dinâmica de preços e incentivo ao mercado de orgânicos, principalmente os da agricultura familiar.

Morangos orgânicos colhidos na propriedade de Osmany Segal, em Brazlândia (GO) - Tainá Andrade/UOL - Tainá Andrade/UOL
Morangos orgânicos colhidos na propriedade de Osmany Segal, em Brazlândia (GO)
Imagem: Tainá Andrade/UOL

"A percepção da população de que orgânicos custam mais caro é fundada única e exclusivamente nos supermercados", explica ao TAB Rafael Rioja, nutricionista e porta-voz do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). O órgão desenvolveu uma ferramenta para incentivar os consumidores a buscarem pontos alternativos aos supermercados. Assim, em 2015, surgiu o mapa de feiras orgânicas.

"Não estou aqui dizendo que os orgânicos são mais baratos sempre, mas eles hoje em dia já podem ser mais baratos até alguns alimentos com agrotóxicos, dependendo de onde se compra", diz Rioja.

A periferia pode entrar?

A alimentação do brasileiro opera num sistema nutricional perverso: de um lado, a fome assombra uma parcela considerável da população; de outro há obesidade e sobrepeso em todas as classes sociais, sobretudo nas mais baixas.

O crescimento das vendas dos orgânicos atrai grandes multinacionais que se segmentam ou se aproximam de startups para suprir a demanda do público. Mas que público? Ainda de acordo com o estudo do Ipea, "a circulação de alimentos orgânicos tende a atender ao consumo mais elitizado e/ou de nichos específicos do mercado".

Eduardo e Leonardo dos Santos viveram em bairros periféricos de Campinas (SP) e não se preocupavam com alimentação, até que Leo se interessou pelo veganismo. "O que me chamou atenção foi uma massa de gente propagando o movimento [sustentável e vegano] em inglês. Eu queria entender aquilo", relembra.

Ao frequentar feiras orgânicas na cidade, seguia se sentindo excluído. Com o tempo, ele e seu irmão esqueceram dos produtos industrializados e concentraram a alimentação em frutas, verduras, legumes, cogumelos, polpas, grãos e cereais.

Nessa mudança alimentar, descobriram uma horta orgânica no bairro do Itajaí, onde Edu mora. "A gente fala do produto orgânico e já vem uma imagem congelada na nossa cabeça. O produtor orgânico é uma pessoa branca fazendo yoga, essa coisa meio estereotipada. Quando, na verdade, é uma comida normal, natural", reflete Leo.

Feira livre em Pinheiros, zona oeste de SP - Andre Porto/UOL - Andre Porto/UOL
Feira livre em Pinheiros, zona oeste de SP
Imagem: Andre Porto/UOL

Os irmãos, que tocam o canal Veganismo Periférico, dizem que a propaganda do orgânico cria e contribui para esse distanciamento. "Capitalismo coopta tudo, cria o fetichismo, bota uma aparência e fazem uma ideia para lucrar. As pessoas olham para o preço, uma batata é R$ 10 reais mais cara que a convencional. Pronto! Mais uma vez o povo se sente humilhado e não consegue comprar aquilo. O inconsciente coletivo impera dessa forma." Para tentar desconstruir essa ideia, os dois conversam com interessados sobre orgânicos, agricultura familiar, saúde pública voltada para alimentar a periferia, entre outros.

Dados desatualizados e pesquisas tentam entender o verdadeiro cenário orgânico brasileiro para projetar iniciativas que tragam o pequeno produtor para dentro dessa equação. Rafael Rioja ressalta que o Brasil tem potencial para assumir um papel muito importante, o de abastecer a própria população e sair na frente como um grande produtor mundial de alimentos orgânicos. "Existe essa grande mudança de chave que deve ser dada e as pessoas devem saber disso."