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Herdeiro da TAM abre mostra com obras raras de Tarsila do Amaral em Itu

Marcos Amaro no museu FAMA, em Itu (SP) - Bruno Santos / Divulgação
Marcos Amaro no museu FAMA, em Itu (SP)
Imagem: Bruno Santos / Divulgação

Edison Veiga

Colaboração para o TAB, de Bled (Eslovênia)

17/12/2020 04h01

Marcos Amaro era apenas um emocionado observador na manhã de 14 de novembro, em Itu, interior paulista. O artista plástico, empresário e colecionador de arte deixou a honra do descerramento da faixa vermelha para sua mulher, a pianista russa Ksenia Kogan Amaro, a curadora Regina Teixeira de Barros e Tarsilinha do Amaral, sobrinha-neta da pintora Tarsila do Amaral (1886-1973).

Adiada oito meses devido à pandemia de Covid-19, enfim era decretada aberta — com todos os protocolos e restrições inerentes ao estado de emergência sanitária — a mostra "Tarsila: Estudos e Anotações". Estão expostos 203 desenhos feitos pela artista-símbolo do Modernismo brasileiro, adquiridos por Amaro depois de uma penosa negociação de dois anos, devidamente restaurados e incorporados ao acervo de seu museu, o FAMA.

Exibidas pela última vez em 1969, no MAM-RJ (Museu de Arte Moderna do Rio), o material havia permanecido intacto no armário de um colecionador ciumento que, segundo contam, não deixava nem a própria mulher manuseá-las. Prova disso é que as obras nem constam do catálogo raisonné de Tarsila; ele sequer permitiu o acesso para o registro.

A manhã de 14 de novembro foi, portanto, de festa. Nem a máscara era capaz de disfarçar o sorriso de Amaro. "Modéstia à parte, o público saiu muito satisfeito, muito entusiasmado por ver esse conjunto de desenhos", diz ele, de sua casa em Lugano, na Suíça, em conversa com o TAB. "Depois de tanto tempo em que as pessoas não estavam saindo de suas casas, estar lá também passava um clima positivo. Uma pena que não pude cumprimentar os outros dando um abraço, mas só com um soquinho no cotovelo, que é como infelizmente aprendemos a fazer."

Os desenhos de Tarsila integram o acervo de quase 2 mil itens do jovem de 36 anos. Uma coleção iniciada há 12 anos, com a aquisição de "O menino com carneiro", tela de Candido Portinari (1903-1962). O apreço pela arte, o gosto por desenhar e a necessidade de se expressar vem do DNA da mãe, a estilista Sandra Senamo. Mas a precocidade de sua carreira é herança do lado paterno.

Tarsilinha, Regina Teixeira de Barros e Ksenia Kogan Amaro inauguram a mostra de Tarsila do Amaral no FAMA, em Itu (SP) - Andreia Naomi / FAMA - Andreia Naomi / FAMA
Tarsilinha, Regina Teixeira de Barros e Ksenia Kogan Amaro inauguram a mostra de Tarsila do Amaral no FAMA, em Itu (SP)
Imagem: Andreia Naomi / FAMA

O acidente

Marcos Amaro virou adulto antes de completar 17 anos.

Era um domingo, 8 de julho de 2001. Amaro estava em um restaurante em São Paulo com sua mãe quando uma prima lhe telefonou. Ela tinha uma informação que logo tomaria conta do noticiário brasileiro. Seu pai sofrera um grave acidente de helicóptero.

"Ainda não havia confirmação do que tinha acontecido, só sabíamos que tinha caído o helicóptero. Mas naquele momento eu pressenti que ele não estava mais por aqui. Mais tarde, num hangar, um funcionário da TAM me confirmou a notícia", recorda. "Precisei dos amigos e da família. Eles me ajudaram muito, me deram a segurança de que eu precisava."

Marcos Amaro é o filho caçula do famoso comandante Rolim — Rolim Adolfo Amaro (1942-2001), piloto e empresário, o homem conhecido por transformar a TAM na então maior companhia aérea brasileira.

A proximidade com o pai era grande. Em seu Facebook, Amaro resgata essas lembranças de forma recorrente, por meio de pequenas crônicas. Em 20 de novembro, recordou que costumava ir ao Centro de Treinamento do São Paulo Futebol Clube, porque o então técnico Telê Santana era muito amigo de seu pai. Um dia antes, contou sobre o dia em que foi com o comandante Rolim de monomotor à Brasília. "No percurso, o motor do avião parou. Quando perguntei se estava tudo bem, ele me disse que avião velho é coisa de piloto antigo. Que não adiantava chorar, ficar nervoso ou entrar em desespero. Que nada disso resolveria o problema. Disse também pra não me preocupar, pois se fosse preciso pousaríamos o avião de toda forma", escreveu.

Diante da inesperada e prematura morte do pai, Amaro não cedeu aos impulsos de garoto herdeiro. Resolveu começar a trabalhar como trainee na companhia da família. Costuma dizer que foi a maneira que encontrou para lidar com o luto. "Isso me fez amadurecer muito cedo. Me voltei muito ao trabalho", relembra.

Aos 18, fundou uma empresa de participações e investimentos. Logo estava à frente da importação brasileira dos óculos da marca suíça TAG Heuer.

Marcos Amaro, criando esboços - Ricardo Rinaldi / Acervo Pessoal de Marcos Amaro - Ricardo Rinaldi / Acervo Pessoal de Marcos Amaro
Imagem: Ricardo Rinaldi / Acervo Pessoal de Marcos Amaro

Seguiu na área e, em paralelo, passou a investir tempo na sua paixão: a arte. Autodidata no assunto — chegou a cursar Economia na FAAP, mas não concluiu —, separava pelo menos duas horas por dia para leitura de clássicos de filosofia e sobre história da arte. Outra considerável parcela passou a ser reservada para desenhar, esculpir, produzir. Os aviões tornaram-se ser presença inevitável — nos traços de seus desenhos a carvão ou até mesmo mexendo com matéria-prima. Em 2016, por exemplo, Amaro comprou um antigo avião Bandeirante no Mercado Livre, desmontou e fez das peças uma escultura, que chegou a ser instalada por um período no canteiro central da Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo. Calcula ter gasto R$ 70 mil entre a aquisição e o transporte da aeronave.

No ano seguinte, se tornou proprietário da galeria de arte Emma Thomas, nos Jardins. Rebatizado como Galeria Kogan Amaro, o espaço se divide atualmente entre duas unidades — a original e outra em Zurique, na Suíça.

De Itu para Lugano

Amaro vive metade do ano em Lugano, outra metade em São Paulo. Nessas temporadas brasileiras, tornou-se rotina as idas a Itu, onde ele mantinha um ateliê para trabalhar com tranquilidade. No município interiorano, acabou se interessando por um galpão de 25 mil m², onde antes funcionava uma empresa têxtil, a Fábrica São Pedro.

Comprou e transformou o local no museu FAMA -- a sigla significa Fábrica de Arte Marcos Amaro. Aberto em 2018, é o seu xodó. Em comodato, transferiu praticamente todo o seu acervo para a instituição e não nega a ambição de tornar o espaço reconhecido como importante polo cultural brasileiro. "Queremos oferecer arte de qualidade e influenciar o imaginário das pessoas. É minha maior realização, seja pelo esforço, seja pelos recursos empregados, seja pelas iniciativas culturais que estamos promovendo", diz.

Se por enquanto o foco é nas artes visuais, os planos futuros devem agradar também aos fãs de música clássica. A ideia é inaugurar, no complexo, uma sala de concertos dentro de dois anos. E sediar ali um festival internacional.

Marcos Amaro e a mãe, a estilista Sandra Senamo, na inauguração da mostra de Tarsila do Amaral no FAMA, em Itu (SP)  - Andreia Naomi / Divulgação - Andreia Naomi / Divulgação
Marcos Amaro e a mãe, a estilista Sandra Senamo, na inauguração da mostra de Tarsila do Amaral no FAMA, em Itu (SP)
Imagem: Andreia Naomi / Divulgação

Um dia depois de tornar públicos os desenhos de Tarsila, Marcos Amaro estava novamente a bordo de um avião. Cruzava o Atlântico de volta para sua casa suíça. Estava feliz, realizado. Mesmo neste ano difícil, enfim foi possível abrir a grande exposição. Seu pai ficaria orgulhoso.

Lembrou-se como era sempre uma aventura viajar com o pai. Pensou naquela vez em que o motor parou, a caminho de Brasília. "Ele calmamente apertou o botão da ignição e felizmente o motor voltou a funcionar", conta. "Quando se tratava de situações extremas, meu pai era frio e calculista."

No íntimo de seu pensamento, está um desejo partilhado por muitos: que tudo volte a funcionar.