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'Seu Marido Soviético': lituano e cubano criam serviço de faz-tudo no Rio

Rene Castillo e Tito Braga em ação - Helena Aragão/UOL
Rene Castillo e Tito Braga em ação
Imagem: Helena Aragão/UOL

Helena Aragão

Colaboração para o TAB, do Rio

18/03/2021 04h00

Quando chegou ao Brasil, há 13 anos, o lituano Titas Adomaitis, 37, passou a usar o nome Tito Braga para facilitar. Foi só a primeira das muitas mudanças que iria encarar por aqui.

Após morar em vários países da Europa e passar uma temporada em Moçambique, foi parar em Xerém, na Baixada Fluminense, onde prestou serviço numa instituição para crianças em perigo. Depois foi viver no Vidigal, conheceu a mulher brasileira com quem é casado, passou a trabalhar como guia de turismo e abriu, com um amigo australiano, uma das primeiras pousadas da comunidade que fica entre o Leblon e São Conrado. Aí veio a pandemia.

Ataque soviético

Tito teve que mudar mais uma vez. Lembrou de como teve dificuldade em achar profissionais para fazer os acabamentos da pousada e resolveu passar a oferecer, ele mesmo, pequenos serviços de conserto doméstico. Chamou então um amigo cubano para a empreitada.

Cantor, compositor e percussionista, Rene Castillo Ferrer, 46, também estava em compasso de espera por conta do coronavírus. Morou no Marrocos, na Espanha e está há 16 anos no Brasil -- onde lançou discos com produção de nomes como Plinio Profeta e Alê Siqueira, sempre transitando entre a música caribenha e o hip-hop. Tinha acabado de fazer a trilha sonora de um filme quando tudo parou. "Achei legal quando o Tito fez a proposta. Curto experimentar coisas novas, estou aprendendo um monte", diz.

O lituano e o cubano deram risada quando os primeiros clientes, além de elogiar o apuro, a pontualidade e o preço honesto do serviço, fizeram piada sobre o ponto comum, digamos, de suas origens. "Passamos a brincar que era um ataque soviético. Pensamos em usar o nome, mas lembramos que no Brasil se usa muito a expressão 'marido de aluguel' para este tipo de trabalho. Aí misturamos os dois, e adotamos 'Seu Marido Soviético'", conta Tito, mostrando a camisa que traz a marca, os contatos nas redes sociais e o telefone, além do logotipo que reproduz um desenho do satélite russo Sputnik.

O logotipo de "Seu Marido Soviético" - Helena Aragão/UOL - Helena Aragão/UOL
O logotipo de "Seu Marido Soviético"
Imagem: Helena Aragão/UOL

"Não é só dinheiro"

A cientista política Enrica Duncan foi uma das clientes que ajudaram no boca a boca. Chegou a orçar por R$ 900 o serviço urgente de que necessitava: prender um painel de madeira na parede de casa. Acabou encontrando Tito num site que reúne profissionais de várias áreas, e ficou espantada com o valor cobrado por ele: R$ 100.

"Resolvi pagar um pouco mais. Eles foram organizados, cuidadosos e muito bem-humorados. Quando falei que minha irmã, Catarina, o receberia em casa, o Tito respondeu: 'Catarina e equipe soviética, parece bem'", conta, divertindo-se com a referência do lituano à imperatriz russa Catarina, a Grande.

O "faz-tudo" Tito Braga - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O "faz-tudo" Tito Braga
Imagem: Arquivo pessoal

Mas os valores "justos", diz Tito, não têm nada a ver com papo comunista. "Cobramos pela energia que a gente gastou. Simples assim", explica ele. "A vida não é só dinheiro. Teve caso de eu ir na casa da pessoa instalar uma tomada e ver que havia vários serviços por fazer. Aí dizia: 'Já estou aqui, vamos fazer logo, mesmo sem cobrar a mais, vamos facilitar a vida dos outros'."

Ele e Rene preferem não falar de política, mas deixam nas entrelinhas que suas visões passam longe de um certo fetiche brasileiro sobre a vida num país comunista ou socialista. "Gostamos da ideia do nome porque o homem soviético faz de tudo. A referência soviética em Cuba é, entre outras coisas, desse olhar mais objetivo: chegar e fazer, enquanto os latinos têm às vezes uma pegada mais solta", diz Rene, que tem dois filhos e chegou a trabalhar em seu país como marceneiro e bombeiro hidráulico. "Dizem que o brasileiro tem que ser estudado pela Nasa, mas não só ele. Qualquer um que tenha enfrentado a escassez aprende a se virar", completa Tito.

Na prática e no frio

Para dar essa guinada, o lituano se preparou. Passou alguns meses de 2020 na Suécia, trabalhando numa empresa que presta todo tipo de serviço doméstico. "Eu já tinha feito muito trabalho de manutenção na Europa, mas achei que precisava ganhar mais experiência para empreender nessa área. Aprendi na prática e no frio", conta ao TAB, rindo.

Apesar de se aproveitar das diferenças culturais na marca, Tito e Rene evitam criticar os concorrentes brasileiros. Acham sim que alguns apelam para atitudes questionáveis -- como a cobrança mais cara dependendo do bairro do cliente --, ou não escondem a falta de compromisso. Mas dizem que, muitas vezes, o que falta é atenção ao detalhe.

"Conheço muitos caras aqui que tão acostumados com trabalho de força, e fazem bem. Mas aquela finalização, o acabamento, não sabem fazer. Aí vimos uma janela de oportunidade", diz o lituano, lembrando que alguns clientes causam estranhamento também: "A gente não atrasa. Volta e meia chegamos pontualmente e a pessoa avisa que ainda não está em casa."

Rene Castillo a caminho de mais um serviço - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Rene Castillo a caminho de mais um serviço
Imagem: Arquivo pessoal

A ideia é manter "Seu Marido Soviético" após "o novo normal" se instalar, mesmo que Tito possa retomar o trabalho no turismo e René, na música. "Dá para expandir o negócio, há mais homens soviéticos por aqui", diverte-se Tito. "Inclusive porque ele pode ser até brasileiro, o que importa é ser firme, pontual, e fazer tudo para aprender."

Sem tirar a máscara um só minuto, o lituano conta que pegou covid-19 em abril passado. "Já tive malária três vezes, mas esse coronavírus é pesado demais", conta ele. Ainda que esteja preocupado com a grave situação do país que escolheu para viver neste momento de pandemia, diz que não vai embora. "Ganhava mais lá fora, mas estou melhor aqui. Quando você fica longe um tempo percebe como era feliz e não sabia", afirma Tito.