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Como fica o 'lugar de fala' quando todo mundo tem voz?

Unsplash/Juliana Romão
Imagem: Unsplash/Juliana Romão

Do TAB

09/05/2021 04h00

Você pode ser do time dos que defendem ferrenhamente a existência do chamado "lugar de fala", ou ter arrepios só de ouvir o termo. A verdade é que a briga sobre quem tem direito de opinar sobre o quê toma a internet a cada vez que uma discussão mais acalorada divide dois times de comentaristas de plantão. Ou seja, todos os dias.

Fiuk chegou a virar piada por sair deturpando a expressão em situações aleatórias no início do BBB 21, aparentemente na tentativa de evitar cancelamento.

"No tempo em que a redação [de jornal] era a única passível de gerar uma visão sobre a realidade, ou no tempo em que só a academia podia dizer o que era o passado, a gente pressupunha que o método ou o currículo ou o diploma diziam quem podia dizer o quê", observa o antropólogo Michel Alcoforado no CAOScast. "E agora a gente acha que todo mundo que viveu uma história pode dizer alguma coisa sobre a realidade. (...) Isso é muito legal, mas ao mesmo tempo é muito problemático, porque a gente começa a achar que só quem tem lugar de fala pode falar sobre a realidade", opina ele (ouça a partir de 11:40 clicando no vídeo abaixo).

Você já deve ter percebido que Alcoforado não é lá muito afeito ao conceito de lugar de fala. Para ele, o próprio pressuposto da antropologia é que uma pessoa de determinado universo (o antropólogo) possa conviver, compreender e gerar um discurso sobre a realidade do outro.

No episódio de CAOScast veiculado esta semana aqui em TAB, os caóticos debatem os problemas e os benefícios de se ter uma polifonia de vozes debatendo todo e qualquer assunto na internet. "Polifonia digital tem tudo a ver com disputa de narrativa, tem tudo a ver com você mostrar várias versões de um mesmo acontecimento e várias leituras dele", observa a líder de pesquisa da Consumoteca, Marina Roale. "E acho que, mais do que pensar nessa internet dividida entre direita ou esquerda, é a gente ver a legitimação do lugar de fala. A palavra mais poderosa hoje num debate na internet é quando alguém vem e diz, 'peraí, é o seu lugar de fala?', e aí ponto, né?" (a partir de 10:48).

Alcoforado e Roale reforçam que a ideia é exatamente acabar com esse "ponto final" e abrir espaço para mais vozes no debate. A polifonia digital poderia servir, portanto, para que mais experiências sejam compartilhadas e contribuam com o entendimento sobre o assunto — e não que uma ou outra parte seja silenciada.

O problema seria a deturpação do conceito do lugar de fala. No livro "O que é lugar de fala?", a filósofa Djamila Ribeiro explica que se trata de um debate estrutural, sobre como os lugares que determinado grupo ocupa acabam restringindo oportunidades ou abrindo portas. Se todo mundo tiver espaço — físico e simbólico — para expor sua opinião, a mensagem fica mais completa.

Para ouvir a conversa dos caóticos sobre o espaço aberto da informação na internet com o historiador Matias Pinto, do podcast Xadrez Verbal, e a jornalista Caroline Tamassia, chefe de reportagem da rádio CBN, é só dar play acima!