'Só chega vento': no Piauí, 300 famílias estão sem água há sete meses
"A gente vai ocupar lá e fechar tudo. Ninguém entra nem ninguém sai até resolverem essa situação", diz a dona de casa Maira Alves, 39, referindo-se ao prédio da Agespisa (Águas e Esgotos do Piauí) em São Raimundo Nonato. A paciência dela e a dos vizinhos está acabando. Desde março, a comunidade onde vive — o assentamento Novo Zabelê, na zona rural do município — enfrenta um desabastecimento de água que afeta 300 famílias. "Prometeram resolver até dia 30 de setembro." Nada até agora.
Embora o fantasma da crise hídrica assombre o Brasil — com ameaça inclusive de falta de energia —, no caso do assentamento a 520 quilômetros de Teresina a escassez é causada por um problema técnico: a bomba de um dos poços que abastece o local quebrou, e ainda não há previsão de conserto.
"Quem vive na parte mais baixa do assentamento consegue receber um pouco d'água, geralmente à noite. Mas quem vive na parte mais alta, que é o meu caso, não recebe", conta Alves. "Iniciamos mais uma semana sem água na comunidade Novo Zabelê. Divulguem aí, por favor", escrevia a moradora em legenda de um vídeo no WhatsApp, às 7h da segunda-feira (27). Na imagem, ela mostrava um cano no chão e nada saindo dele. "Só chega vento", explica.
Maira Alves mora na região há duas décadas, e durante 9 anos trabalhou no Parque Nacional da Serra da Capivara, área de maior concentração de sítios arqueológicos das Américas. Em 2020, com a mudança de coordenação do espaço, foi demitida da função de recepcionista do Museu do Homem Americano.
Desempregada, ela vive em Novo Zabelê com o marido, a filha e a sogra. Há quase sete meses, tornou-se uma das representantes do povoado para tentar resolver a falta de água. Ela e os vizinhos organizaram um protesto na porta da Agespisa, que resultou em um acordo: a empresa envia diariamente caminhão-pipa para dividir entre as casas do povoado e promete fazer o reparo até 30 de setembro. "Mas já acionamos também o Ministério Público."
O desabastecimento afeta até o posto de saúde da comunidade, em plena pandemia. Com uma única caixa d'água para ser usada durante cinco dias, o atendimento aos pacientes é "racionado", como explica uma agente de saúde.
'Só piorou'
Novo Zabelê foi criado em 1997 pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para receber moradores realocados de um antigo povoado que ficava nas terras do Parque Nacional da Serra da Capivara. Na comunidade vivem atualmente cerca de 300 famílias — a maioria delas, diz Maira Alves, com idosos. Em todas as casas construídas há uma cisterna de 8 mil litros, mas quase sempre vazia.
A água que abastece a comunidade pertence ao sistema da Serra Branca, composto por três poços. Em março, a bomba de captação de um deles despencou a uma profundidade de 800 metros, arrastando tubos de ferro e canos de energia elétrica, de acordo com a Agespisa. "Não foi possível pescar o material", informa a assessoria de imprensa, em nota oficial enviada ao TAB.
Sem a bomba, a água não tem força para chegar em todas as casas. Quem mora na região mais baixa do assentamento ainda é abastecido — mesmo pouco —, ao contrário de quem vive na região mais alta.
Segundo a Agespisa, o reparo do poço vai custar mais de R$ 600 mil. "A licitação foi feita, e quatro fornecedores diferentes foram habilitados. Eles estão entregando o material na medida do que dispõem em estoque. Trata-se de um material específico, já que os poços da Serra Branca, além de profundos, possuem alto teor de ferro", explica, sem definir prazos para conclusão. "Essa é a razão da demora na entrega."
Em 2018, o governo federal inaugurou na Serra Branca um sistema de engate rápido, com o qual prometia beneficiar cerca de 40 mil pessoas, em nove municípios. Foram pagos mais de R$ 14 milhões na instalação de 26 quilômetros de tubulação externa que, como o nome sugere, é montada de forma mais ágil e tem manutenção mais simples.
"Só piorou", afirma. "Antigamente, mesmo com algumas dificuldades para chegar água, ainda assim a gente tinha. O mais correto teria sido criar sistemas divididos para cada lugar. Juntaram tudo e agora não chega água pra ninguém."
Novo projeto
Silva é um dos poucos moradores que conseguem pagar pelo caminhão-pipa para abastecer sua casa. Oito mil litros custam R$ 300, suficientes para um mês num lar de três pessoas. Há opções mais baratas, mas a água não serve para cozinhar ou ser bebida.
"No meu caso, eu e minha esposa temos renda fixa. Mas nem por isso deixo de brigar pelo direito dos outros. A gente fala em nome dos demais", explica o vendedor. São pessoas como seu João Paulo de Andrade, 82, que mora na área alta do povoado e acorda às 5h para buscar água. "Ele desce uns 250 metros, carregando dois baldes, todo dia. É um idoso, não devia passar por isso."
Apesar da pressão dos moradores, o desabastecimento deve durar mais tempo. Agora, além do reparo no poço, a empresa de saneamento diz que vai fazer um reforço na tubulação e elaborar o projeto de um sistema próprio no povoado Zabelê. Para isso, a Agespisa quer recuperar um outro poço, desativado, e instalar uma estação de tratamento. "Essa deve ser a solução definitiva", diz a assessoria de imprensa.
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