'Minha vacina é Jesus': uso de máscara divide opiniões em Duque de Caxias
Na manhã desta quinta-feira (7), o calçadão de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, já estava cheio. Nem parecia dia de semana. Enormes filas de banco e ambulantes ocupavam as calçadas onde os pedestres se apertavam para passar. O número de pessoas com máscara era quase o mesmo de caxienses que estavam desprotegidos — e a decisão da prefeitura divide opiniões.
Na última terça-feira (5), o prefeito Washington Reis (MDB) desobrigou o uso de máscara em locais abertos e fechados em todo o município, ainda que menos da metade da população esteja vacinada contra a covid-19 com as duas doses. A cidade da Baixada Fluminense alcançou 46,8% do público-alvo com a imunização completa. Duque de Caxias é a primeira cidade do Brasil a desobrigar o uso das máscaras.
Na quarta-feira (6), o MPRJ (Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro) e a Defensoria Pública ingressaram com pedido para suspender o decreto, mas a prefeitura informa que, até agora, não recebeu nenhuma notificação, dando continuidade à decisão.
Na praça da Emancipação, uma das principais do centro de Caxias, um casal de idosos atendia uma pequena fila que se formava para receber orações. Enquanto tocava louvores em uma caixinha de som, as pessoas deixavam anotados em um caderno os nomes de parentes para quem desejam que orações sejam dedicadas. Ao lado, Marilza Rodrigues de Azevedo, 69, orava pelas pessoas com óleo ungido e sem máscara.
Pastor da Assembleia de Deus em Belford Roxo, município vizinho a Caxias, Ananias Martins da Silva, 70, auxiliava a noiva nas orações sem nenhuma proteção. Os dois estão com casamento marcado para a próxima quinta-feira, com uma cerimônia simples na igreja Assembleia de Deus Restaurando Vidas, em Belford Roxo.
Muita oração, pouca precaução
Antes mesmo do novo decreto, o casal já não usava a máscara e decidiu não tomar a vacina contra a covid-19. "Minha vacina é Jesus, ou eu confio, ou não confio. Não peguei covid e nem vou pegar porque confio em um Deus vivo. Eu concordo com essa decisão porque, com máscara ou sem, se tiver que pegar, pega", disse Ananias ao TAB, ignorando todas as orientações sobre a importância da continuidade de medidas sanitárias contra a pandemia.
Depois de orar por uma moça, Marilza, que também se recusa a tomar o imunizante, se mostrou favorável ao novo decreto. "Minha filha, eu já tive 15 cânceres e um derrame, até que um dia Jesus me disse: 'Do seu corpo, eu que cuido'. Eu não tomo vacina nenhuma, de jeito nenhum. Jesus não permite essa doença em mim não, ele quer que eu ore pelo povo dele. Sobre essa nova decisão, o prefeito está com Jesus, ouvindo a voz de Deus. É Jesus purinho na vida desse homem." Mesmo sem vacina e máscara no rosto, Ananias carrega sempre uma no bolso, caso tenha que entrar em um lugar que proíba a entrada sem a proteção — para ele e para os demais.
Ao longo do calçadão, é possível ver diversos estabelecimentos com funcionários sem máscara, ou pessoas usando a máscara de forma incorreta. Em uma loja de sapatos femininos, uma vendedora circulava sem proteção, enquanto as outras funcionárias e clientes estavam com os rostos cobertos.
Gerente há três anos, Beatriz Emídio, 35, explica que a loja vai continuar com a obrigatoriedade de máscara e com álcool em gel na entrada e no caixa. "Não é o momento de desobrigar o uso de máscara, tá tudo muito perigoso ainda, nem todo mundo está vacinado", disse à reportagem.
Sobre a funcionária que estava com a máscara pendurada, a gerente explicou que ela tinha acabado de vir do estoque e se esqueceu de colocar de volta.
Consciência
Sergio Marotta, 77, havia acabado de sair de um restaurante que exige o uso de máscara, por isso acabou esquecendo de tirar a proteção para andar na rua. Sem tomar o imunizante, ele tirou a máscara para falar com a reportagem. "Sou a favor da decisão do prefeito, tem que liberar o uso de máscara, mesmo. Cada um tem que ter consciência. Se estiver doente ou com sintomas, aí sim tem que usar. Minha mulher tomou, ficou com medo. Meu filho só tomou porque quer ir para a Espanha. Eu não tomei a vacina e nem vou tomar, a não ser que me obriguem a tomar essa porcaria. Mas a gente não vive em uma democracia?", disse. Com a máscara na mão, seguiu seu caminho.
A poucos metros de Sergio, Francimar da Silva, 44, usava uma máscara do tipo PFF2, uma das raras pessoas que circulavam pela cidade com proteção mais reforçada. Vacinada com as duas doses, a comerciante diz que ela e toda a família tiveram covid-19, mas ninguém faleceu da doença.
Mesmo com todos imunizados por completo, ela conta que o clã continua tomando todos os cuidados: "Não é a hora pra desobrigar o uso de máscara. Tem vários imunizantes com proteções diferentes, muita gente ainda não foi vacinada, então não estamos completamente seguros. Pra fazer essa liberação tinha que ter mais pessoas vacinadas e os lugares precisariam exigir o comprovante. Na minha loja de música, eu e meus funcionários vamos continuar com o uso das máscaras mesmo se o decreto continuar", contou.
Andando pelo calçadão, Giovana Nascimento, 19, continua usando sua máscara e não pretende tirar tão cedo. "Não acho certo a liberação por agora, até porque a gente não tem como saber se essas pessoas que estão sem máscara já estão imunizadas. Na minha rua mesmo, muita gente que não quer se vacinar. Eu já me vacinei com as duas doses da Coronavac e graças a Deus nem eu e nem minha família pegamos essa doença", disse a jovem.
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