Em meio a traições e puxadas de tapete, PSDB define um candidato e um rumo
Lá vem ele, lá vem ele! O pai da vacina, o governador de São Paulo, o próximo presidente do Brasil. Vem, João!"
João Doria aparece nos fundos de um clube de São José dos Campos (SP). Cerca de 500 apoiadores levantam-se da cadeira, balançando bandeirinhas do Brasil. O governador de São Paulo atravessa o salão. Enquanto o mestre de cerimônia grita ao microfone, a caixa de som toca "Love Generation", música de Bob Sinclar que abria o "Caldeirão do Huck".
Como o apresentador abriu mão de ser a terceira via para dominar as tardes de domingo da Globo, o governador paulista tenta ser o nome do PSDB para preencher esse posto. Mas, para virar candidato, Doria precisa vencer o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, nas prévias do partido. O governador gaúcho esteve em São Paulo neste domingo (16).
Assim que Leite entrou na sala de reuniões do hotel Holiday Inn, no Parque Anhembi, todos se levantaram. Quando passou pelas cerca de 300 pessoas, parecia que haveria um abraço coletivo. Chegou ao palco depois de muitos cumprimentos e falou o que os tucanos paulistas queriam ouvir. Elogiou Mário Covas, Geraldo Alckmin e alfinetou Doria. "O PSDB não é business, é sentimento." Discurso de candidato, comportamento de candidato.
Esta que é a primeira vez em que o PSDB escolhe candidato a presidente com prévias. Tudo indicava que o pleito seria um rito protocolar para a nomeação de Doria como presidenciável, mas a disputa se acirrou. Nas últimas semanas, Eduardo Leite tem colecionado apoios.
Oficialmente, o período de campanha começa nesta segunda-feira (18). Na terça (19), um debate entre os pré-candidatos do partido será realizado no Rio.
Ambos estão viajando o Brasil há semanas. Suas redes sociais têm vídeos típicos de campanha presidencial: imagens da bacia do rio Amazonas, máquinas industriais e campos verdejantes são exibidas enquanto um político fala com voz de estadista.
Desde o início do processo, Leite arrebanha mais diretórios estaduais, e nesta semana ampliou vantagem com a adesão do Rio, além de ter avançado em Goiás.
O ex-ministro e ex-senador Arthur Virgílio também disputa as prévias, mas suas chances são consideradas remotas.
Armas e fraquezas de Doria
O governador de São Paulo começou sua busca pela indicação em 10 de julho, já posicionado sobre algo relevante. Qualquer pretensão política nacional passa por como se encara o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Doria é crítico ferrenho do governo federal. O homem que se elegeu governador pregando "BolsoDoria" rompeu com o Planalto no primeiro semestre de 2020, no início da pandemia, e passou a desferir ataques frequentes e contundentes.
Também sobra munição para atacar Lula. Nos eventos de Doria nas prévias tucanas, cada assento abriga folhetos com fotos suas em poses amistosas. Estes santinhos vitaminados contêm três menções negativas ao PT. Em São José dos Campos, Doria ressaltou que venceu Fernando Haddad no primeiro turno na eleição para a prefeitura de São Paulo, em 2016.
Para apresentar sucesso na agenda econômica, usa a projeção de crescimento de 7,5% no PIB estadual — significativamente maior que a nacional.
Doria também aposta no peso do tucanato paulista. O estado conta 26% dos filiados ao partido, 41% dos prefeitos, 28% dos vice-prefeitos e 27% dos vereadores.
Os defensores de Leite fazem ressalvas ao seu estilo. Enumeram atritos com o deputado federal Aécio Neves (MG), com o presidente do partido, Bruno Araújo, e a briga com o ex-governador Geraldo Alckmin. Tentam colar nele a imagem de político que desagrega.
Armas e fraquezas de Leite
O governador do Rio Grande do Sul declarou voto em Bolsonaro, mas não subiu em palanque com ele. Por isso, pode se dar ao luxo de ser menos enfático nas críticas.
Ainda que tenha comparecido ao protesto em Porto Alegre contra Bolsonaro, em 12 de outubro, Leite preserva a imagem de conciliador.
Na cúpula do PSDB, fala-se que uma vitória de Leite atrairia o União Brasil (partido resultante da fusão de DEM e PSL). Caso Doria vença as prévias, o MDB é que estaria mais perto de fechar aliança.
Mas o entorno de Leite pondera que ele pode construir uma aliança maior. Seus apoiadores citam a sustentação de diferentes partidos na Assembleia Legislativa. Também são ressaltados os projetos do governo aprovados com votos da oposição.
Leite pegou o Rio Grande do Sul atolado em dívidas — servidores como policiais e professores ficaram 57 meses sem receber em dia. O governador usa o episódio da arrumação das contas para pregar o discurso de ter sanado as dívidas com reformas administrativas.
Tucanos que apoiam Doria apontam o dedo para o perfil conciliador de Leite. Na avaliação deles, é preciso marcar posição para romper com a polarização Bolsonaro x Lula. A postura menos combativa do gaúcho não serviria para o atual momento político.
Além disso, Leite declarou-se gay em 1º de julho. Apesar de acenar para pautas progressistas, o gesto também tem implicações negativas no universo político.
A deputada federal Geovania de Sá (PSDB-SC) manifestou apoio ao governador gaúcho. Um pastor da Assembleia de Deus, igreja que sempre esteve ao lado da deputada, reagiu na mesma hora, pedindo para os evangélicos não votarem nem nela, nem em Leite.
Em busca da identidade
As prévias do PSDB não pretendem resolver apenas essa questão. Coordenador do pleito, o ex-deputado federal Marcus Pestana não esconde as dificuldades enfrentadas, desde que Alckmin terminou o pleito de2018 com 4,76% dos votos. "Vivenciamos uma crise existencial, a dificuldade de posicionamento com o governo Bolsonaro."
Prova da falta de rumo é que o partido é oposição ao presidente, mas 14 deputados federais votaram a favor do voto impresso, uma das bandeiras de Bolsonaro. Bruno Araújo disse que, terminadas as prévias, vai negociar a saída dos filiados com cargo eletivo que não querem trabalhar pelo candidato escolhido.
O perfil do vencedor da prévia vai ter papel determinante no que o PSDB deseja se tornar. Durante participação no UOL Entrevista na quinta-feira (14), Araújo classificou Doria como "pai da vacina" e competente em organização e trabalho. Ele avaliou Leite como um político associado a novos ares de esperança, o que estimula parte relevante do partido.
O PSDB construiu uma reputação de tomar decisões reunindo caciques em restaurantes de São Paulo para jantares regados a vinho. Pestana afirma que essa fórmula não daria certo dessa vez por falta de um nome natural. Chamar vereadores e deputados estaduais a participar gera engajamento e evita traições, como os apoios a Fernando Collor, Jair Bolsonaro e até Lula.
Traições em curso
O que vai acontecer quando o PSDB enfrentar outros partidos será conhecido em 2022. Por enquanto, é troca-troca interno. Leite tem ganhado apoio entre grupos que haviam se comprometido com Doria. O governador de São Paulo tem recuperado espaço no Nordeste. Os dois casos apontam para um partido fragmentado.
Na semana passada, o PSDB do Paraná declarou apoio "total e irrestrito" a Leite. Próximo do ex-governador Beto Richa, Doria contava com o diretório paranaense, mesmo que alguns deputados se juntassem ao gaúcho.
Doria também sofreu invertidas em São Paulo. Alguns diretórios municipais, como o de Ribeirão Pires, têm liberado filiados para apoiar quem quiserem.
Há, ainda, a oposição interna de Alckmin, que não esconde o descontentamento por Doria ter lançado o vice-governador, Rodrigo Garcia (PSDB), como seu sucessor. A consequência é trabalhar por Leite nos bastidores. Ontem, no evento de Leite, aliados de Alckmin contavam que ficarão no partido até as prévias e depois seguirão com o ex-governador para o partido que ele escolher.
Por causa de situações como esta, Leite tem visitado São Paulo cada vez mais, puxado pelo prefeito Paulinho Serra, de Santo André. Em Minas, Aécio tem trabalhado contra Doria. Presidente do PSDB em São Paulo, Marco Vinholi disse que Aécio faz pressão para que tucanos mineiros não declarem apoio ao governador de São Paulo. "Essa pressão absurda é para inibir que as pessoas se manifestem."
Segundo interlocutores, o ex-governador mineiro é um dos que não vê com maus olhos que o PSDB retire uma candidatura a presidente para apoiar um candidato único da terceira via.
No contra-ataque, Doria conseguiu apoio da ex-governadora Yeda Crusius (RS). Em Minas, conquistou o deputado Domingos Savio (PSDB-MG).
Apesar da disputa apertada, Pestana refuta o discurso que o PSDB vai rachar, mas espera que a guerra fraterna não se torne fratricida. Por enquanto, Leite e Doria se elogiam.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.