Topo

O movimento é sexy: homens héteros abraçam o pole dance em SP

Aluno de pole dance, Rafael Melo treina em um estúdio de Pinheiros, em São Paulo - Duda Gulman/UOL
Aluno de pole dance, Rafael Melo treina em um estúdio de Pinheiros, em São Paulo
Imagem: Duda Gulman/UOL

Claudia Castelo Branco

Colaboração para o TAB, de São Paulo

30/11/2021 04h01

Cercado de espelhos e mulheres coloridas pintadas nas paredes, o personal trainer Rafael Melo, 37, encara uma barra vertical reluzente às 9h30 de um sábado. No estúdio Maravilhosas, em Pinheiros, zona oeste de São Paulo, Rafael usa uma regata branca e calça preta apertada e agarrada aos quadris.

Após cinco minutos de aquecimento focado sobretudo nas pernas, faz uma abertura e uma sequência de chutes elegantes que lembram passos de balé.

O exercício começa com um giro simples de uma perna só, enquanto a outra permanece plantada no chão. Depois, com outra atitude, ele escala a barra do chão ao teto. Com os cotovelos esticados, os punhos agarrados à barra, corpo no ar e pernas abertas, conta à reportagem que está fazendo inversão e escalada.

Aluno de pole dance, Rafael Melo treina em um estúdio de Pinheiros, em São Paulo - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Rafael Melo treina em um estúdio de Pinheiros, em São Paulo
Imagem: Duda Gulman/UOL

O personal trainer aproximou-se do pole dance porque, em 2010, foi treinar acrobacias em um circo. Um dia, encontrou vídeos de atletas russos praticando pole dance e pensou "cara, preciso fazer isso".

Quatro anos depois, descobriu um estúdio de pole dance perto de casa, no bairro de Santa Cecília, no centro da cidade. "Lá eu era o único homem, até porque só aceitavam homens por indicação. Uma conhecida minha fazia aulas ali, me indicou e então eu pude fazer", explica.

Suado, pede permissão para tirar a regata. Suas tatuagens trazem significados. Uma delas faz referência a "Primavera, verão, outono, inverno... e primavera", filme sul-coreano sobre dois monges que compartilham a solidão em um lago rodeado por montanhas.

No estúdio, ele manda de uma vez o combo handspring, ayesha e bandeira, movimento que mais curte fazer. As mãos de Rafael seguram a barra vertical com braços e pernas estendidos na horizontal, formando uma bandeira com a força do abdômen e o peso direcionado para os punhos. Manter o corpo alinhado nessa posição cansa só de olhar.

Aluno de pole dance, Rafael Melo treina em um estúdio de Pinheiros, em São Paulo - Duda Gulman/UOL - Duda Gulman/UOL
Imagem: Duda Gulman/UOL

Tabu do hétero sensual

Rafael gosta de misturar movimentos de força com dança. "A partir do momento que você faz o pole, não tem como fugir do sensual, por mais técnico e esportivo que seja."

Há algumas explicações, ambas relacionadas à confiança, para o homem heterossexual evitar o pole dance. A primeira é a vergonha de se expor, de parecer ridículo — algo que acontece também em relação a outras atividades físicas, como a dança ou a ginástica. A segunda é pura opinião alheia: muitas pessoas acham que "girar" num poste não é atividade masculina.

E pior, claro: não querem ser vistos como efeminados. "Se um homem tem essa visão aí, não sei nem se é uma opção [praticar pole dance]. É melhor trabalhar essa masculinidade primeiro", recomenda Rafael.

Enquanto treina na barra, fica visível a influência do street dance e da capoeira nos seus movimentos. Já participou de alguns campeonatos, mas não curte muito. Gosta mesmo é de se apresentar, montar coreografias.

Rodrigo Farah, praticante de pole dance, em estúdio de Santos (SP) - Divulgação - Divulgação
Rodrigo Farah, praticante de pole dance, em estúdio de Santos (SP)
Imagem: Divulgação

Tem um minuto...?

A curiosidade que moveu Rafael Melo foi bater no litoral paulista via transmissão de TV. A advogada Danielle Barbosa, 35, de Santos (SP), assistia ao programa "Encontro com Fátima Bernardes" quando se animou com a apresentação de um homem que combinava exercícios de força e movimentos aéreos numa barra de pole. Era Rafael Melo.

Praticante de pole dance, Danielle chamou o marido, o também advogado Rodrigo Farah, 35, para acompanhar o programa. E já começou a pilhá-lo para fazer também. Na época, ele enxergava o exercício como algo específico para mulheres. A companheira questionava: por que homens têm medo da sensualidade? "Vivia tanto o pole que ou ele entrava ou a gente se separava", brinca ela.

Rodrigo, que praticava circo acrobático, ficou curioso e inspirado. Foi uma desconstrução para ele, que viu ali que o pole não era só algo feito por mulheres para despertar o interesse sexual dos homens — havia uma mensagem artística forte.

Fez algumas aulas com a mulher e depois veio atrás de Rafael Melo, em São Paulo, para uma aula experimental de calistenia e pole dance. Treinou com ele do início de 2019 até março de 2020, quando a pandemia o obrigou a parar.

Desde 2019, Danielle é proprietária de um estúdio em Santos, o Sou do Pole, onde o marido é instrutor. Sobre ter alunos homens, admite que a procura oscila. "Pouco antes da pandemia, tínhamos apenas 1 aluno do sexo masculino. Hoje, com a reabertura, são 3."

Além do condicionamento físico proporcionado pelos exercícios de calistenia (qualquer movimento que trabalha com o próprio peso corporal, sem equipamento específico), Rodrigo sentiu impacto no equilíbrio mental.

A companheira diz que ficou até meio chata sobre o assunto. "Pareço um Testemunha de Jeová batendo na porta e perguntando: 'você conhece o pole'?", diz ela, rindo. O casal está junto há 16 anos e levanta a bandeira de que todo mundo pode praticar o exercício.

Um homem flexível

É bonito. É sexy. Das caixas de som saía hip-hop. Rafael conta que quer montar alguma apresentação em cima de Baco Exu do Blues e Liniker. Suas referências no pole são os atletas Julio Peixoto e o russo Dimitry Politov.

Sobre assédio, Rafael já sofreu de homem e mulher. Mulheres que praticam pole dance são assediadas de forma muito mais violenta e desrespeitosa. "No meu caso, sou mais assediado pela minha flexibilidade do que pelo pole."

Quando entrou no pole dance, Rafael Melo demorou muito pra conhecer outro homem hétero. O primeiro foi em 2014, o Issao. Hospitalizado, não pôde comparecer ao nosso encontro. Rafa lamentou. "Faz tempo que não o vejo. Saudade do cara."

O ilustrador André Issao Bazolli, 35, pratica pole desde setembro de 2014. Entrou no pole por causa da ex-namorada. "Todo mundo achava que eu era gay", conta André. Era comum ouvir também "nossa, que coisa aleatória". Uma amiga no Instagram chegou ao cúmulo de perguntar a ele se havia "muitas prostitutas" no estúdio.

Gabriel Barbeiro, 23, trabalha com transporte de cargas e pratica pole dance em Santos (SP) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriel Barbeiro, 23, trabalha com transporte de cargas e pratica pole dance em Santos (SP)
Imagem: Arquivo pessoal

Gabriel Barbeiro, 23, é mais um homem hétero que pratica o exercício na barra. Acompanhava a mãe, praticante de pole dance, quando decidiu tentar uns pulos. É aluno de Rodrigo, trabalha com transporte de cargas e treina há dois meses.

"É divertido", descreve o jovem. Nascido em São Vicente, mora na Praia Grande e treina em Santos. "Saio do escritório e vou direto pra lá." Sobre os comentários alheios, conta que é zoado pelos amigos, mas leva na esportiva. "Dou risada da cara deles. São uns bestas."