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Sem água há 2 meses, moradores de Maceió protestam: 'Crime contra a vida'

A dona de casa Edjane dos Santos, 31, mãe de três filhos, exibe a conta de água que registou consumo mesmo com o serviço suspenso na região - Jean Albuquerque/UOL
A dona de casa Edjane dos Santos, 31, mãe de três filhos, exibe a conta de água que registou consumo mesmo com o serviço suspenso na região Imagem: Jean Albuquerque/UOL

Jean Albuquerque

Colaboração para o TAB, de Maceió

08/12/2021 04h00

A passagem de caminhões-pipa a cada 30 minutos não soluciona os problemas dos moradores em um dos bairros com maior extensão territorial de Maceió (AL), o Cidade Universitária, com população estimada em 52.269 habitantes. Há dois meses, os moradores estão sem acesso a água encanada — e sem previsão de restabelecimento do serviço.

Nas ruas estreitas com o calçamento irregular, a paisagem inclui praças arborizadas em chão de terra, muitos idosos, caixas d'água gigantes e chefes de família carregando baldes em carrinhos de mão. Nada parece aliviar os anseios dos moradores por água na torneira.

Na tarde quente do último sábado (4), a reportagem do TAB visitou famílias e acompanhou, a pé pelas ruas, a peregrinação dos moradores com problemas de saúde para ter acesso a água na região. Eles relatam que não têm água na torneira desde outubro, mas oficialmente a paralisação do serviço ocorreu no início de novembro — e afeta também os bairros Santos Dumont, Clima Bom, Tabuleiro dos Martins, Rio Novo e os conjuntos Eustáquio Gomes, Medeiros Neto, Colina dos Eucaliptos, Inocoop, Santa Maria, São Caetano, os loteamentos Esplanada e Palmar além do Residencial Do Vale.

Tudo começou com o desligamento da adutora do Sistema Aviação para a realização de reparos coordenados pela BRK, que opera em Alagoas desde o início de julho de 2021, quando venceu leilão da antiga estatal Casal com lance de R$ 2 bilhões após a privatização promovida pelo governo de Renan Filho (MDB). O sistema produtor é operado pela Casal, enquanto a BRK é responsável pela distribuição da água em Maceió.

Neste domingo (5), a Justiça divulgou uma decisão que obriga a BRK a regularizar o fornecimento de água sem interrupções em até 10 dias na parte alta de Maceió. Antes disso, a empresa fica obrigada a fornecer água por meio de caminhões-pipa para toda a população da região, além de suspender a tarifa de água e esgoto dos meses em que a água não foi fornecida e dos meses subsequentes, até o restabelecimento integral do serviço em todas as unidades consumidoras.

Cícero Ventura de Albuquerque, 44, enche baldes para levar água para o pai doente - Jean Albuquerque/UOL - Jean Albuquerque/UOL
Cícero Ventura de Albuquerque, 44, enche baldes para levar água para o pai doente
Imagem: Jean Albuquerque/UOL

Operação de guerra

Cícero Ventura de Albuquerque, 44, trabalha numa loja de móveis do bairro. Durante a visita do TAB, contou que tem acordado às 04h para carregar água em uma peregrinação que é feita em dias alternados: além de abastecer sua casa, ajuda o pai aposentado a armazenar baldes para o dia.

Enquanto conversava com Cícero, a dona de casa Maria de Fátima da Silva, 47, convidou a reportagem para acompanhá-la até a Quadra 21. Por lá, várias senhoras aguardavam a passagem do caminhão-pipa com baldes em mãos. Maria de Fátima, que tem problemas recorrentes de tendinite, cuida do marido, Jácio Ferreira, 80, motorista aposentado da Receita Federal.

Ela precisa ir até a caixa d'água mais próxima da sua casa cinco vezes ao dia para garantir as necessidades básicas do casal. Indignada, mostra uma conta registrando consumo — mesmo não tendo uma gota de água em suas torneiras. "Essa água não dá nem para fazer alimento, não dá para fazer nada. A gente não vai ficar podre, não, fedendo. Não dá para fazer nada", lamenta.

A dona de casa Maria de Fátima, 47, e seu marido - Jean Albuquerque/UOL - Jean Albuquerque/UOL
A dona de casa Maria de Fátima, 47, e seu marido
Imagem: Jean Albuquerque/UOL

Em relação às faturas, o colegiado da Arsal (Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de Alagoas) decidiu em 24 de novembro que as faturas das unidades consumidoras afetadas pelo desabastecimento ficam dispensadas de pagamento a partir do ciclo de outubro de 2021, até o serviço ser normalizado.

A dona de casa Dilma de Almeida, 79, machucou o punho enquanto carregava baldes para os compartimentos da sua casa. Ela diz usar a água que chega no caminhão-pipa para lavar roupa, mas compra água mineral para cozinhar por não confiar na procedência da água disponibilizada pela BRK. "Teve dia da gente chorar. Quando eu vejo que não tem água, eu fico doida aqui. Já sangrei até pelo nariz pegando baldinho e seja o que Deus quiser."

A dona de casa Dilma de Almeida, 79, mostra o punho machucado por conta do esforço para carregar água - Jean Albuquerque/UOL - Jean Albuquerque/UOL
A dona de casa Dilma de Almeida, 79, mostra o punho machucado por conta do esforço para carregar água
Imagem: Jean Albuquerque/UOL

Qualidade da água

Começou a circular entre os moradores na quinta-feira (2) uma informação de que a BRK estaria abastecendo os caminhões-pipa com água poluída, retirada de um açude que fica no Eustáquio Gomes. Um vídeo divulgado por Raimundo Medeiros, 65, mostra o momento em que um dos caminhões colhia água no local.

 Raimundo Medeiros, 65, presidente da associação dos moradores do Conjunto Novo Jardim, Cidade Universitária - Jean Albuquerque/UOL - Jean Albuquerque/UOL
Raimundo Medeiros, 65, presidente da associação dos moradores do Conjunto Novo Jardim, Cidade Universitária
Imagem: Jean Albuquerque/UOL

Nas redes sociais, os moradores postaram fotos de baldes cheios de água suja. Medeiros, que é presidente da associação dos moradores do Conjunto Novo Jardim, também se manifestou. "Além de uma falta de respeito, isso é crime, é crime ambiental, crime contra a vida. Se existe aquela palavra de genocida, ela tá sendo genocida para o povo".

Procurada pelo TAB, a BRK informou que toda água entregue pela empresa segue padrões rigorosos de qualidade, em conformidade com as portarias e legislações vigentes. A assessoria classificou o episódio como "uma situação pontual" e atribuiu a falha à empresa terceirizada M&P Transportes, que realizou o abastecimento em um ponto de reservatório da Casal (antiga estatal) que não estava mais sendo utilizado. À reportagem, a BRK disse que, ao tomar conhecimento do fato, suspendeu o abastecimento e realizou inspeção nos veículos..

Quanto ao prazo de conclusão dos reparos, a BRK declara que assumiu os serviços de água e esgoto em Maceió há pouco mais de cinco meses, está construindo um novo segmento da adutora para contornar o trecho danificado e deve investir R$ 1,8 milhão para normalizar os serviços. "O Sistema Aviação, responsável por conduzir a água tratada ao reservatório para a distribuição passa por uma obra de alta complexidade, que deverá ser concluída até a segunda quinzena deste mês".

A saga continua

Saindo da casa de Dilma, a reportagem foi até o Conjunto Santa Maria, destinado à realocação dos moradores da Favela Sururu de Capote, no Vergel do Lago, parte baixa de Maceió.

Por lá, a dona de casa Edjane dos Santos, 31, e o marido Rick Wesley Souza, 30, com seus três filhos relatam as dificuldades causadas pelas torneiras secas. As crianças estão indo à escola sem tomar banho e o marido — que trabalha numa distribuidora e é segurança nas horas vagas — passa dias de uniforme sujo. "Tem dia aqui que a gente procura um gole d'água pra tomar e não tem", diz Rick.

Quando a reportagem saiu da casa de Edjane e Rick, presenciou o momento em que idosos, mulheres e crianças disputavam água no Poço Eustáquio Gomes de Melo, da antiga estatal Casal.

Moradores pegam água no Poço Eustáquio Gomes de Melo, da antiga estatal Casal - Jean Albuquerque/UOL - Jean Albuquerque/UOL
Moradores pegam água no Poço Eustáquio Gomes de Melo, da antiga estatal Casal
Imagem: Jean Albuquerque/UOL