'Sargento não assumiu disparos', diz vizinho em velório de Durval Teófilo
Ao som do saxofone, família e amigos caminhavam em direção ao sepultamento de Durval Teófilo, 38, morto com três tiros pelo vizinho Aurélio Alves Bezerra, 41, sargento da Marinha. Aos prantos, viúva e irmãs da vítima pediam justiça e lamentavam a perda. Cerca de 100 pessoas se reuniram na tarde de hoje (4), no cemitério São Miguel, em São Gonçalo, para dar o último adeus a Durval.
O crime aconteceu na noite da última quarta-feira (2), por volta das 23h, quando o repositor chegava em casa no Condomínio Recanto dos Ipês, no bairro Colubandê, em São Gonçalo, região metropolitana do Rio. As imagens das câmeras de segurança mostram Durval caminhando em direção ao portão do condomínio enquanto mexia na mochila para pegar a chave. A poucos metros de distância, o sargento, que estava com o carro parado em frente ao condomínio, dispara contra Durval de dentro do veículo. No mesmo instante, ele cai no chão, levanta as mãos desesperado e grita "sou morador". Aurélio atira mais duas vezes. Quando sai do carro e chega mais perto, percebe que se tratava de seu vizinho.
Sargendo teria omitido disparos
Ao lado da viúva Luziane Teófilo, um vizinho que dava apoio estava indignado com o crime. "Em nenhum momento ele (o sargento) confessou que tinha atirado. Nós, os vizinhos, achamos que teria sido um assalto. O Aurélio correu, pediu ajuda de todo mundo, mas só soubemos que era ele que tinha feito aquilo depois que vimos as imagens das câmeras de segurança. Ele é um covarde e racista", disse ao TAB Cláudio Muniz, 47, morador do condomínio há 15 anos.
Durval Teófilo trabalhava há três anos em um supermercado como repositor, era casado há 13 com Luziane e morava no Recanto dos Ipês há 12. Segundo a família, ele saiu da Comunidade do Capote, em São Gonçalo, justamente para fugir da violência e dar uma vida melhor para a filha de seis anos. Segundo pessoas próximas, Durval levava uma vida tranquila, com uma rotina que se dividia entre trabalho, casa, igreja e academia. Cristão evangélico, era membro da Igreja Batista há mais de 20 anos.
"Ele sempre foi um menino muito bom, teve uma criação diferenciada. Toda vez que me via, pedia benção, mesmo com 38 anos. Estamos arrasados, foi uma morte estúpida. É uma mistura de falta de amor e de humanidade muito grande. Sobre a falta de preparo técnico desse sargento eu prefiro nem comentar. Se fosse um homem branco, com a pele mais clara, ele teria atirado?", disse Daniel Abner, de 70 anos, tio de Durval por parte de mãe, já falecida.
'Foi tudo, menos engano'
Durante o sepultamento, a viúva e as irmãs de Durval ficaram muito emocionadas e mostraram revolta com toda a situação: "A gente morava nesse condomínio há 12 anos, todo mundo conhecia Durval. Só hoje que fui me dar conta o tão querido meu marido era pela vizinhança. Esse homem [Aurélio] chegou há dois anos e eu nunca nem tinha visto a cara dele. Durval também nunca nem tinha visto esse homem. Nunca tinha discutido com ninguém durante todos esses anos. Não adianta vir na minha porta pedir desculpas, porque eu não vou aceitar. Isso não tem perdão", disse a viúva durante o sepultamento.
Na tarde de ontem, a esposa do sargento pediu que a síndica do condomínio fosse até a casa da viúva: "Ela solicitou que a síndica pedisse desculpas por ela e disse que caso Luziane precisasse de alguma coisa, era só falar, que ela ajudaria", contou ao TAB a sogra de Durval, Luzia Ferreira, 60.
Em meio ao choro e ao luto, os presentes batiam palmas e gritavam por justiça. " Aurélio, tá feliz com o que você fez com ele? O pai da minha filha tá aqui, o meu melhor amigo está aqui. Agora eu vou pra casa e quando eu chegar lá, estarei com a casa vazia, sem ele. Agora, minha vida vai ser tentar contar a história que só ele contava pra minha filha", disse a viúva.
Muito abalada, Fabiana Teófilo, 35, uma das irmãs de Durval, questionou a motivação do crime. "Isso foi covardia, racismo, tudo, menos engano. Se fosse um branco ele jamais teria atirado". No dia da morte, ela mandou mensagem para o irmão perguntando se ele iria para o almoço de domingo, para ficar com ela e as sobrinhas. Como ele trabalhava em supermercado, só mexia no celular à noite, quando chegava em casa. Naquela noite, Fabiana ficou sem resposta.
"Isso tem que acabar. Até quando vão continuar matando pretos? Ninguém aguenta mais. Meu irmão era trabalhador, gente de bem, pai de família, tinha 20 anos de igreja e acabou assim. Queremos justiça, não queremos que mais ninguém morra. O caso do meu irmão não pode ser só mais um", disse ao TAB Tatiana Teófilo, 33, irmã caçula de Durval.
'Nosso Latrel'
Mais de 50 colegas de trabalho foram até o velório de Durval prestar solidariedade à família. No início da tarde, eles protestaram em frente ao cemitério, com cartazes que levavam os dizeres "Queremos justiça por Durval" e "Vidas negras importam". Eles tiveram a notícia do assassinato na quinta-feira pela manhã. "Recebemos uma mensagem de um colega por volta das 06h30. Pensamos que seria até uma brincadeira de mau gosto, mas quando ligamos pra família, atenderam o telefone e falaram que era verdade. Ficamos sem acreditar. É tudo muito revoltante", disse o colega Antônio Nunes, 49, que trabalha no setor de perecíveis e hortifruti, ao lado de Durval.
"Não tinha ninguém que não gostasse dele. O cara era muito querido, divertido, se dava bem com todos. O apelido dele era "Latrel", referência ao personagem negro do filme "As Branquelas". Ele perguntava quem era Latrel e ficava rindo. Era o nosso Latrel", disse ao TAB Ednaldo Sutero, 49, funcionário do setor de açougue.
Para não chegar muito tarde e se despedir do amigo, Ednaldo compareceu ao velório vestindo a calça e com as botas brancas do uniforme. Já o coordenador de Durval estava de folga quando soube da morte do funcionário. "Fiquei arrasado, foi uma covardia muito grande. Durval era um funcionário exemplar, hoje fui olhar a folha de ponto dele e não tinha nenhum erro, nenhuma falha. Ele era muito querido, vai fazer muita falta", disse Nelson Arlindo, 46, à reportagem.
Sentada em um banco com a família, a filha de seis anos, que não parecia entender muito bem o que estava acontecendo, recebia abraços dos adultos. A viúva e as irmãs eram consoladas e amparadas enquanto caminhavam em direção ao túmulo para se despedir de Durval.
Na tarde de hoje, enquanto acontecia o velório, o sargento Aurélio Alves Bezerra teve a prisão em flagrante convertida para prisão preventiva pela Justiça do Rio. Na audiência de custódia também ficou decidido que o militar vai responder pelo crime de homicídio doloso, quando se tem intenção de matar — e não culposo, como havia sido indiciado pela polícia.
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