Raio-x dos Correios identificou placenta a ser enviada à indústria da moda
A investigação que culminou numa operação da PF (Polícia Federal) contra o suposto envio de partes do corpo humano à Ásia teve início numa agência dos Correios de Manaus. Em 21 de outubro de 2021 uma triagem padrão feita por raio-x indicou traços de material orgânico. O conteúdo era muito diferente do descrito na encomenda, que informava haver silicone dentro do pacote.
A PF foi chamada e seus peritos se puseram a trabalhar. O laudo apontou que a correspondência que seria despachada para a Singapura continha uma mão e três placentas. O destinatário era Arnold Putra, um designer da Indonésia que faz roupas e acessórios com partes de corpos humanos, escreveu o MPF (Ministério Público Federal) em seu parecer durante as investigações.
"Os materiais apresentados como placentas são compatíveis com placentas humanas, devido à anatomia, formato e tamanho das placentas e dos cordões umbilicais", escreveu o procurador da República Thiago Pinheiro Corrêa no parecer encaminhada à Justiça.
Cabia aos investigadores descobrir quem mandou partes de corpo humano para Singapura. Pela avaliação das imagens do circuito interno de TV da agência dos Correios, foi possível ver o rosto do remetente e o carro em que ele chegou. O veículo está em nome de um professor da faculdade de medicina da UEA (Universidade do Estado do Amazonas).
"Há elementos suficientes, portanto, que confirmam a identidade da pessoa que postou a encomenda como sendo de Helder Bindá Pimenta", aponta trecho do parecer do MPF.
TAB tentou contato com o professor por redes sociais e e-mail, mas não houve manifestação. Caso ela ocorra, o texto será atualizado.
Outro indício usado pelo MPF para suspeitar do professor é uma chamada telefônica. Às 13h30 de 25 de outubro, os investigadores ligaram para o número indicado pelo remetente da encomenda. A pessoa que atendeu confirmou ser Helder. Durante a conversa, ele negou ser responsável por qualquer envio.
De acordo com os investigadores, Helder é professor auxiliar de anatomia humana na UEA e coordena o Laboratório de Anatomia Humana e Plastinação da universidade. Plastinação é um procedimento técnico que retira líquidos por métodos químicos e injeta resinas, preservando materiais biológicos de maneira bastante próxima ao estado real.
A Universidade do Estado do Amazonas informou, no mesmo dia da operação, que abriria uma sindicância para apurar o caso. A primeira reunião foi realizada em 23 de fevereiro.
Suspeita de outros envolvidos
A investigação estava no começo quando o professor universitário recebeu a ligação dos agentes da PF. Naquele dia, ele foi convidado a prestar depoimento na Polícia Federal. Conforme o parecer do procurador da República, ele afirmou que iria, mas não apareceu.
Enquanto os agentes esperavam, Helder deletava de sua conta no Instagram a informação de que trabalhava com plastinação. O mesmo conteúdo seria removido de outras contas em redes sociais.
As investigações continuaram e, na terça-feira da semana passada (22 de fevereiro), foi deflagrada a Operação Plastina. Helder foi afastado da função pública na universidade e houve o cumprimento de mandado de busca e apreensão na casa dele e na sua sala na universidade. A Polícia Federal queria a prisão de Helder, mas o MPF entendeu que é preciso esperar o aprofundamento da apuração.
O procurador Thiago Pinheiro Corrêa escreveu, em seu despacho, que trabalha com a possibilidade de mais envolvidos no esquema de remessa de partes de corpos humanos para Singapura. O raciocínio se baseia no envio de placentas, material que não existe no laboratório da universidade em que o professor trabalha.
"O simples fato de que, na remessa internacional pretendida, havia placentas humanas, indica que há, possivelmente, outras pessoas envolvidas no cometimento dos crimes. Isso porque, na grande maioria das vezes, as placentas são descartadas após os partos — o que ocorre, invariavelmente, em maternidades (que não é a lotação habitual do servidor Helder)", escreveu Corrêa.
TAB questionou a Polícia Federal e o Ministério Público Federal sobre o resultado de laudos do material apreendido na sala e na casa do professor, possíveis comparsas e se houve pagamento a Helder. A PF não respondeu e o MPF informou que essas informações estão sob sigilo.
Cabe ressaltar que a investigação policial está em andamento e até agora o professor permanece na condição de investigado por tráfico internacional de órgãos humanos. Ao final do inquérito, o delegado decidirá se Helder será ou não indiciado.
Destinatário polêmico
De acordo com a PF, a encomenda chegaria a Singapura e seria remetida a Arnold Putra, 37, um conhecido e polêmico designer que utiliza partes de pessoas mortas na confecção de roupas e acessórios que custam milhares de dólares. O caso mais conhecido foi a criação de uma bolsa feita com língua de jacaré, em que alça era a coluna vertebral de uma criança que sofreu de osteoporose.
Muito criticado pelo produto, Putra afirmou que o material foi adquirido de forma legal e era excedente médico no Canadá. Ele também já fabricou uma jaqueta com costelas humanas. O designer fechou suas redes sociais recentemente e há poucas informações a respeito dele.
Sabe-se que Putra nasceu em Jacarta, capital da Indonésia, e antes de fechar suas redes sociais gostava de exibir sua coleção de carros de luxo. Ele concluiu o equivalente ao ensino médio no país natal e depois se mudou para os Estados Unidos, frequentando a Loyola Marymount University, em Los Angeles, instituição católica que segue tradições jesuítas e está na elite do ensino superior norte-americano.
Quando tinha conta de Instagram aberta, o designer mostrou que esteve no Brasil. Publicou fotos numa aldeia da etnia Yagua, próximo ao Vale do Javari, região do extremo oeste do interior do Amazonas. Em tom jocoso, contou que deu presentes falsificados aos índios.
"Presenteando o chefe da tribo indígena yagua da floresta amazônica, colocando US$ 3,5 milhões em seu pulso, exceto que é uma daquelas imitações", debochou.
Em janeiro de 2022, Putra foi criticado por comparecer ao Paris Fashion Week usando uma roupa semelhante a de uma organização paramilitar responsável por mortes na Indonésia, o Pemuda Pancasila. O movimento surgiu na esteira das mudanças pelas quais o país passou em 1965 e culminaria na tomada do poder pelo ditador Suharto. O Pemuda Pancasila perseguiu adversários do regime que emergia e assassinava comunistas — na prática, o grupo matava qualquer opositor ao ditador.
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