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'Carnaval com Cristo': volta do padre exorcista reúne 2.000 pessoas no DF

Padre Vanilson Souza volta ao altar para o "Carnaval com Cristo" no domingo (27), no Distrito Federal - Leandro Aguiar/UOL
Padre Vanilson Souza volta ao altar para o 'Carnaval com Cristo' no domingo (27), no Distrito Federal
Imagem: Leandro Aguiar/UOL

Leandro Aguiar

Colaboração para o TAB, de Brasília

28/02/2022 09h24

A costureira Ana Antunes, 58, estava animadíssima em pleno domingo de Carnaval. Às 8 horas da manhã, acabava de descer do ônibus vindo de Uberlândia (MG) e viajara 400 km até a Associação Padre Júlio Negrizzolo, na zona rural de São Sebastião, periferia do Distrito Federal.

"Que glória esse sol!", comemorava com as amigas, tirando o casaco e expondo a tatuagem no ombro que diz "Divino Pai Misericordioso". "E aqui, quando chove, fica uma lama que só", avisa outra cristã da caravana de Planaltina (GO), apontando os montes de terra em torno de ferragens e materiais de construção postos entre os carros e ônibus no estacionamento.

Vindas de Minas, Goiás, Distrito Federal e até da Paraíba, cerca de 2.000 pessoas chegaram ao rincão cristão incrustado no cerrado. Aconteceria ali o Carnaval com Cristo, "chuva de bençãos" convocada pelo padre Vanilson Souza para domingo (27), evento que, além de contrariar os princípios licenciosos da festa pagã que a Igreja em tempos imemoriais agregou ao seu calendário, configurava-se como capítulo apoteótico de uma trama rodeada de mistério.

É que Vanilson não é um padre qualquer: é o único exorcista em atuação no DF. Sua pregação emocionada e os relatos de cura que os fiéis associam a ela fizeram sua fama - suas missas reúnem milhares de pessoas de várias partes do país, e até no "Fantástico" ele já apareceu.

Em 10 de fevereiro, contudo, a Arquidiocese de Brasília o proibiu de celebrar missas e de expulsar os demônios das pessoas, abrindo quase um cisma na comunidade católica local.

Chegada dos fiéis à zona rural de São Sebastião, na periferia do Distrito Federal, para o 'Carnaval com Cristo' do padre exorcista Vanilson Souza - Leandro Aguiar/UOL - Leandro Aguiar/UOL
Chegada dos fiéis à zona rural de São Sebastião para o 'Carnaval com Cristo' do padre Vanilson Souza
Imagem: Leandro Aguiar/UOL

Suspenso e reintegrado

A Arquidiocese de Brasília não apresentou suas motivações à imprensa nem aos fiéis, semeando terreno para especulações. Alguns atribuíram a decisão às tendências sobrenaturais do padre, enquanto outros sugeriram uma causa mundana para o afastamento.

Vigário em uma paróquia no Lago Sul, área mais rica do DF, Vanilson fundou em 2013 a Associação Padre Júlio Negrizzolo, cujo nome homenageia outro conhecido exorcista que atuava em Brasília, morto em 2009.

Vanilson pretende erguer ali uma casa para "deprimidos, oprimidos, doentes e escravizados pelas drogas". Já em andamento, a obra poderá sediar eventos para até 10 mil fiéis e está orçada em R$ 1 milhão, angariado com doações, conforme anuncia o padre em suas redes sociais. Teria a obra gerado o descontentamento dos bispos?

Seja como for, cinco dias após o afastamento a Arquidiocese informou que, "por motivos justos", havia iniciado tratativas "para discernir tanto o bem do referido sacerdote como do Povo de Deus assistido pelo mesmo". E acrescentava que um novo exorcista seria nomeado para o lugar de Vanilson - o que segue a recomendação do Vaticano, segundo a qual cada diocese deve contar com um especialista no enfrentamento ao Maligno.

Muitos fiéis cogitaram realizar uma manifestação em desagravo ao padre, que, por sua vez, deu a outra face. Em tom ameno, dirigiu-se aos seus mais de 34 mil seguidores no Instagram: "Povo de Deus, venho fazer um apelo. Você quer falar alguma coisa, fazer um desabafo, uma manifestação, expressar alguma coisa publicamente? Vamos fazer o seguinte: vá para diante de um sacrário e apresente tudo o que você deseja ao Senhor".

Ao que parece, as preces foram atendidas: em 18 de fevereiro, pouco mais de uma semana após ser afastado, Vanilson foi reintegrado às suas funções. E foi no "Carnaval com Cristo" que ele retornou ao altar.

Fiéis na chegada para a missa 'Carnaval com Cristo' de padre Vanilson Souza, no Distrito Federal - Leandro Aguiar/UOL - Leandro Aguiar/UOL
Fiéis na chegada para a missa 'Carnaval com Cristo'
Imagem: Leandro Aguiar/UOL

Ressuscita, Brasil!

O carnaval teve início com a acolhida aos fiéis. Um frade, um dos mais de 50 voluntários que trabalhavam no evento, discursava ao microfone, animando a parcela dos católicos que talvez ache 8 da manhã um pouco cedo demais: "Esse encontro vai pegar fogo na animação!".

Com calças e saias compridas e largas camisas com ícones cristãos, as fiéis (havia muito mais mulheres que homens) não cessavam de chegar.

Em frente ao imenso galpão que vem sendo construído, outros voluntários vendiam fichas para café, pão de queijo e para o almoço posterior à missa. À direita da igrejinha, freiras comercializavam sorvetes.

Começou então a veneração à Virgem, e a palavra logo estava com Vanilson. As conversas cessaram e um clima contrito se instalou. "Enamorem-se de Jesus, deixem os problemas de lado e olhem para o solucionador de todos os problemas", rezava o padre fervorosamente.

No intervalo, a promoter Carol, 25, comparou o evento aos vários carnavais tradicionais em que já esteve. "É a minha primeira vez aqui, e tô achando bem melhor, me sinto mais acolhida", diz ela, que não quis dar o nome completo à reportagem.

Judenir Ribeiro, motorista de 43 anos, frequentador assíduo das missas de Vanilson e em cuja camisa lia-se: "Ressuscita, Brasil!", também prefere o Carnaval com Cristo, embora, ao contrário de Carol, não tolere a festa de rua. "Por mim nem existia, é contra Deus, é muita prostituição, muita coisa errada acontecendo", resume.

Quanto ao entrevero de Vanilson com a Arquidiocese, os fiéis evitam críticas, atendendo aos apelos de seu sacerdote. Domingos Humberto, 53, que é amigo do padre e o define como um homem "dócil e pacato", vai nessa linha: "Não sei porque ele foi afastado, mas é maravilhoso tê-lo de volta".

O galpão em construção, orçado em R$ 1 milhão, na Associação Padre Júlio Negrizzolo - Leandro Aguiar/UOL - Leandro Aguiar/UOL
O galpão em obras na Associação Padre Júlio Negrizzolo, orçado em R$ 1 milhão
Imagem: Leandro Aguiar/UOL
Faixa em homenagem a padre Vanilson Souza durante o 'Carnaval com Cristo', na periferia do Distrito Federal - Leandro Aguiar/UOL - Leandro Aguiar/UOL
Faixa em homenagem ao padre Vanilson Souza
Imagem: Leandro Aguiar/UOL

Pentecostes, penetra nas psiquês

Teve início então o auge da festa, a "Oração de Libertação". Também aí há coincidência com o Carnaval: é a música, aliada à fala do padre, que expande os corpos e as mentes dos presentes. Os violões, a percussão e o canto começam suaves, intensificando-se aos poucos, tal e qual a pregação de Vanilson.

O clima muda de vez quando ele passa a enumerar os males a serem exorcizados: "inveja, bruxaria, maldições, saí!", grita. Várias vozes femininas em falsete, vindas das fileiras de fiéis, o acompanham, como violinos afinando-se. Pessoas começam a "orar em línguas" que, segundo a tradição cristã, é inspirada pelo Espírito Santo.

Fiéis em oração durante 'Carnaval com Cristo', de padre Vanilson Souza - Leandro Aguiar/UOL - Leandro Aguiar/UOL
Fiéis em oração durante 'Carnaval com Cristo'
Imagem: Leandro Aguiar/UOL

"Vem, Pentecostes, penetra na psiquê de cada um de nós! Sai, tudo que não é de Deus!", brada ele. Nesse ponto, outros gritos rivalizam com os de Vanilson: risadas afetadas, guturais, de cristãos em transe, como que tripudiando da fala do padre, que responde:

"Sai, falsa depressão, saí, suicídio, saí, morte!" E para calar as risadas, assopra com força o microfone, causando uma aguda microfonia. Incontinente, algumas senhoras caem ao chão. Na primeira fileira, uma mulher grita: "Não! Ela é minha! Ela vai morrer!" Há quem se debata sentado nas cadeiras de plástico; outros tossem muito. Alguns inclusive vomitam.

Tão logo atinge-se o ápice, a música torna a suavizar, e o padre Vanilson decreta a vitória de Cristo ante o demônio. "Ei, ei, ei, Jesus é nosso rei!", repete a multidão, extasiada.

Ao fim da longa oração, depois de atender a inúmeros fiéis, o padre Vanilson falou ao TAB. Definiu o seu afastamento como "uma confusão", elogiou as virtudes do "silêncio evangélico", do qual Maria e José dão testemunho, e que é bastante útil para "desfazer equívocos". Comemorou a sua volta ao altar: "A sensação de poder fazer o que a gente gosta é uma benção, né?".

Fiéis descansam após a missa de padre Vanilson Souza, no Distrito Federal - Leandro Aguiar/UOL - Leandro Aguiar/UOL
Fiéis descansam após a missa
Imagem: Leandro Aguiar/UOL