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'Brigar com quem?' Paulistano encara novo preço da gasolina com resignação

Pietrangelo Franzese peregrinou até encontrar um preço um pouco mais em conta para abastecer, na sexta-feira (11) - Sibele Oliveira/UOL
Pietrangelo Franzese peregrinou até encontrar um preço um pouco mais em conta para abastecer, na sexta-feira (11) Imagem: Sibele Oliveira/UOL

Sibele Oliveira

Colaboração pata o TAB, de São Paulo

12/03/2022 04h01

Não foi a garoa fina que afugentou os clientes no Posto Trevo de Tiquatira, no bairro da Penha, zona leste. Foi preço da gasolina, que chegou à casa dos R$ 7.

O movimento não é nem sombra do de ontem, quando a fila de motoristas ansiosos para aproveitar os últimos momentos do preço antigo invadia a faixa da direita da Avenida Governador Carvalho Pinto. Nesta sexta-feira (11), ao contrário, os frentistas ficavam parados junto às bombas, esperando carros que custavam a aparecer, embora a via estivesse lotada devido ao horário de pico.

Às 8h30, o aposentado Pietrangelo Franzese encostou seu Sandero 2012 no local. Era o terceiro posto de combustíveis em que entrava. Dos três, aqui encontrou o melhor preço. Ainda assim, alto demais para o seu orçamento.

"Parece que não faz diferença, mas a aposentadoria aumenta 6% ao ano. E aqui? Se continuar assim, vou diminuir as minhas saídas até parar de sair de casa. Só em caso muito urgente." Ele acusava o presidente Bolsonaro de não ter coração e questionou: "por que só o que ele fala é certo?".

Pietrangelo deixou o desabafo pela metade, porque sabe que sua indignação não vai dar em nada. Desanimado, entra no carro e vai embora. Minutos depois, um motociclista do iFood chegou à toda e gritou para os frentistas. "Tem lugar que já está 7 e pouco!". É o assunto do dia entre os frentistas, que tinham tempo de sobra para papear por causa da paradeira, ou entre os clientes que ainda estavam inconformados e queriam pôr a revolta para fora. Um deles era o motoboy Pedro Magnoli Filho, 55.

Ele conversou rapidamente com a reportagem do TAB, com poucas pausas entre as palavras, pois tinha pressa. Precisava trabalhar mais para compensar o dinheiro extra que a partir de agora terá de deixar em postos como esse, pois, como é prestador de serviço, o dinheiro vai sair de seu próprio bolso.

Pedro tem a vida regida pela organização. Coloca cada centavo que gasta numa planilha. Não tem como o reajuste de quase 19% no preço da gasolina, anunciado pela Petrobras na quinta-feira (10), passar despercebido no controle de suas despesas.

O motoboy tinha clareza do quanto o percentual pesaria no fim do mês. Calculou que sua renda sofreria um baque de cerca de R$ 100, apesar de a moto ser mais econômica do que carro. Em vez dos costumeiros R$ 300, iria desembolsar R$ 400. Sendo assim, será obrigado a trabalhar horas a mais para fugir do prejuízo e manter o padrão de vida da família. Ao contrário de Pietrangelo, Pedro eximiu o presidente da responsabilidade desse novo aumento. Para ele, os culpados são outros.

Não esconde a irritação ao apontá-los. "Como os governos anteriores já estiveram por 16 anos à frente do governo, eles conseguem mexer nas engrenagens para dificultar, aumentar preço de carro, aumentar preço de combustível, preço de alimento. Eles têm os contatos deles e conseguem aumentar esses preços para cair tudo nas costas do Bolsonaro. O governo atual está aí há três anos e pouco e tudo cai nas costas dele?", expôs.

Como tempo é dinheiro e a conversa já durava cinco minutos, ligou o motor barulhento e arrancou com a moto. Daquele momento em diante, seus dias serão mais longos.

Osmar Benedito Monte, dono de uma empresa de elétrica, foi abastecer e assustou com o preço que pagou por 5 litros de gasolina - Sibele Oliveira/UOL - Sibele Oliveira/UOL
Osmar Benedito Monte, dono de uma empresa de elétrica, foi abastecer e assustou com o preço que pagou por 5 litros de gasolina
Imagem: Sibele Oliveira/UOL

Só resta a resignação

A manhã avançou num ritmo bem ligeiro que o movimento do posto. Pareciam dois mundos em descompasso. Quando Osmar Benedito Monte, 59, chegou com seu Palio 1997, não havia ninguém por aqui.

Ele é o tipo de pessoa que não deixa o sorriso desgrudar do rosto. Dono de uma empresa de elétrica e sistemas de segurança, usa o carro para trabalhar. Tem outros três na garagem, à disposição da família de quatro pessoas. Somados, os gastos com todos giram em torno de R$ 2.000 mensais.

Olhou para a bomba espantado: R$ 40 de gasolina rendeu apenas 5 litros. Respirou fundo e disse que o reajuste dos combustíveis era mais uma surpresa indigesta em um país à deriva. "Não tem como contestar, falar nada. A gente brinca, né? Fazer o quê? Vai brigar com quem? É um governo que não tem direção de nada, comando de nada. Então a gente fica aí ao deus-dará. Faz o que eles mandam, né? Paciência."

Com seu raciocínio de empresário, analisava que o aumento vinha para pagar os muitos acionistas da Petrobras.

O técnico de refrigeração Gustavo Henrique, abastecendo o carro - Sibele Oliveira/UOL - Sibele Oliveira/UOL
O técnico de refrigeração Gustavo Henrique, abastecendo o carro
Imagem: Sibele Oliveira/UOL
O frentista Cássio Santos, que trabalha num posto na Penha - Sibele Oliveira/UOL - Sibele Oliveira/UOL
O frentista Cássio Santos, que trabalha num posto na Penha
Imagem: Sibele Oliveira/UOL

A vida que cabe no novo preço

"Nossa! Aumentou?", Lilian Delgatto se assustou. "Então pode parar no valor que está", pediu ao frentista. A conta ficou em R$ 127 — isso porque ela não queria que passasse de 100. Os que sabiam do reajuste, encheram o Fama Auto Posto, também na Penha, na quinta-feira. Bastou o pronunciamento na televisão para os carros brotarem, por volta das 14h. Às 20h, o estoque havia zerado. "Hoje o movimento caiu pela metade", contou o frentista Cássio Santos, 33.

Cliente de longa data do posto, o técnico de refrigeração Gustavo Henrique, 27, abasteceu seu Nissan Livina com R$ 200 de gasolina para os 300 quilômetros que tinha pela frente, uma rota que inclui o ABC paulista e Jacareí. Na quinta, gastou R$ 100 para percorrer uma distância parecida. No fim do mês, o rombo será de cerca de R$ 500. Doeu nele o preço a pagar por esse aumento inesperado e indesejado. Terá que reduzir as visitas à avó que mora na Praia Grande, cujo coração não anda funcionando tão bem. Mas é o jeito.

Gustavo se queixava que carros estão virando artigos de luxo, não de necessidade, como antigamente. E não encontra uma solução à vista. "Protesto a gente já sabe que não resolve. A greve dos caminhoneiros uma vez resolveu. Mas depois começou a subir de novo. Teria que ter alguém no governo, no poder, que conseguisse baixar as taxas, para a Petrobras baixar junto", afirmou. Mas teme que sua solução seja utópica.

Ao meio-dia, um casal de moto chegou ao posto. Gabriel Chacon, 24, que anda de 80 a 100 quilômetros por dia, não está assustado com o reajuste, pois já se acostumou com a sanfona de preços dos combustíveis, como define. No mais, as despesas com a moto não são assim tão exorbitantes. "A gente tem carro, mas não consegue usar e deixa em casa. É muita discrepância. A moto faz quase 40 quilômetros por litro. O carro faz 7. Não compensa hoje sair com o carro e deixar a moto na garagem. Pode estar caindo o mundo na chuva e a gente sai de moto."

"A gente põe a capa de chuva e vai", completou a arquiteta Letícia Fiorentino, 27, namorada de Gabriel. O casal, que também não é adepto do etanol, também culpou o governo pelo aumento. "Fora, Bolsonaro", externava a moça.

A saída? Segundo eles, resolver a demanda para, no futuro, ser possível baixar os tributos. Como não acreditam que isso aconteça tão cedo, foram embora conformados. E os frentistas seguiam ansiosos pela volta dos clientes que, pelo menos na sexta-feira, não quiseram aparecer.