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Fila, famosos e ostentação: Cidade Matarazzo é novo point de luxo em SP

O Hotel Rosewood São Paulo, inaugurado no início de 2022 na Bela Vista - Divulgação
O Hotel Rosewood São Paulo, inaugurado no início de 2022 na Bela Vista
Imagem: Divulgação

Do TAB, em São Paulo

28/03/2022 04h00

Com olhos fitos no interlocutor, sublinhados pela máscara que cobria metade do seu rosto, um jovem garçom apresenta o funcionamento do bar mostrando sua treinada gentileza. Sabe cada detalhe dos drinques e das cachaças oferecidos no cardápio. "Não chega ao mesmo nível de gaseificação, mas é o que mais se aproxima dele", dizia, num leve sotaque espanhol, para explicar que nenhuma das três opções de coquetel parecia com um simples gin tônica.

O rapaz é funcionário do Rabo di Galo, bar do recém-inaugurado hotel Rosewood, onde funcionava antes a Maternidade Matarazzo, na Bela Vista, São Paulo. O local conta ainda com mais quatro restaurantes de alta gastronomia — um deles, o Bela Vista Rooftop, exclusivo para hóspedes.

O som do jazz se espalhava pelo pequeno ambiente que comporta até 35 pessoas, em jus à temática da sala, inspirada em casas americanas dos anos 1930. O frisson em torno da novidade faz o público chegar antes mesmo das 18h, quando o bar começa a funcionar, para colocar o nome numa lista de vagas.

Bem ao lado de um piano, dois homens dividiam uma garrafa de vinho, enquanto conversavam amenidades. "Você sabe que fui para Dubai, né?", perguntava um deles. "Voltei com covid", emendava, frustrado. Outra conversa paralela desviava a atenção. Era inusitada: "Rabo de galo? Rabo é rabo, rabo. Galo (hesita)... Galo é o marido da galinha". Sentados em um sofá, uma mulher tentava traduzir para o amigo turista o nome estranho daquele lugar. "É uma bebida comum de boteco", acrescentava outra pessoa.

"Vou acompanhar vocês até metade do jantar. No que precisarem, estou aqui", continuava o garçom, retomando a atenção. "Às vezes a gente imagina que algo é uma coisa, mas no fundo ela é outra", reforçava. Estava disponível para tirar qualquer outra dúvida quanto ao cardápio.

Bar Rabo di Galo, no hotel Rosewood São Paulo - Divulgação - Divulgação
Bar Rabo di Galo, no hotel Rosewood São Paulo
Imagem: Divulgação

'É bonito?'

Apesar de se referir ao cardápio personalizado — e caro (o item mais barato, uma dose de cachaça, custa R$ 45) —, a frase do rapaz é perfeita para descrever a sensação de quem ronda desavisado o novo quarteirão chique da cidade, cercado pelas ruas Itapeva, Pamplona, São Carlos do Pinhal e a Alameda Rio Claro.

É compreensível alguém passar pelo local e nem se dar conta de que ali há um hotel luxuoso, com 160 apartamentos e suítes. Durante o dia, operários de capacete branco e uniforme azul carregam material de construção para todos os lados, sob olhares vigilantes de engenheiros. A quadra ainda é um canteiro de obras, com uma fachada de concreto vazada (que, por enquanto, parece uma muralha em construção), e um jardim inacabado.

"É bonito lá dentro?", perguntava a atendente de um café do outro lado da rua. Para chegar ao lobby do hotel, é preciso atravessar um pequeno caos. Um corredor com um painel de grafite leva até a recepção. A porta de entrada do "palácio", como o Rosewood é chamado, é um pátio repleto de espelhos, onde manobristas assumem o volante dos carros dos clientes. Estantes repletas de livros, cercadas de bancos e sofás, dão a impressão de se estar, a princípio, em uma livraria.

O "Leite Derramado", de Chico Buarque, escora-se num catálogo sobre o Parque do Ibirapuera. O "Romance de Dom Pantero no Palácio dos Pecadores", última obra de Ariano Suassuna, dorme ladeado da coleção de poesia de João Cabral de Melo Neto. E um livro do fotógrafo Mark Shaw, com ensaios de vestidos icônicos de Christian Dior, faz cenário com a reunião de volumes da escola alemã de arquitetura Bauhaus. "É decoração, mas quem quiser pode ler", falava um funcionário.

O longo tapete estampado que demarca o caminho da porta até os primeiros degraus do hall, além das paredes de quadros e esculturas contemporâneas distribuídas em totens, reforçam a proposta de galeria de arte luxuosa do hotel. Algo que faz lembrar o vizinho Maksoud — um cinco estrelas paulistano, aberto com pompa em 1980, mas que fechou as portas em dezembro de 2021, falido.

Lobby do hotel Rosewood São Paulo, na Bela Vista - Mateus Araújo/UOL - Mateus Araújo/UOL
Lobby do hotel Rosewood São Paulo, na Bela Vista
Imagem: Mateus Araújo/UOL

Grande sonho

O Rosewood São Paulo é apenas uma parte do megalomaníaco projeto Cidade Matarazzo, do empresário norte-americano Alexandre Allard, a ocupar um terreno de quase 30 mil metros quadrados — comprado em leilão, em 2007, por aproximadamente R$ 117 milhões.

Naquele espaço, funcionaram o Hospital Umberto Primo e a Maternidade Matarazzo, erguidos pelo conde italiano Francesco Matarazzo em 1904 e 1943, respectivamente, e fechados em 1993.

"Parece enferrujado", comentava o porteiro Rodrigo de Oliveira, 62, que trabalha na rua Itapeva. "Eu achei que iam pintar. Mas é esse negócio da arquitetura, né?", ponderava, se referindo à estrutura metálica de um anexo do hotel, a Torre Mata Atlântica, com 100 suítes privativas. O projeto é assinado pelo premiado arquiteto francês Jean Nouvel.

Apressadamente, a Bela Vista vai ganhando nova forma. "A mulher passou aqui perguntando onde ficava um escritório de previdência. Falou o nome, mas ninguém sabia. Procurei, procurei, nada. Aí ela me disse que fazia uns 10 anos que tinha vindo nesse escritório", lembrava Oliveira. "Quem já viu isso? 10 anos? Tudo aqui muda rápido, eu disse a ela. Muda em um mês."

Para o corretor de imóveis Mateus Camarinha, a novidade salta os olhos e aumenta o lucro. "Vai melhorar a região", elogiava. "O CEP agora vai ser Cidade Matarazzo." Bem em frente ao novo hotel, ele vende apartamentos na planta, de um prédio cujo metro quadrado custa, agora, R$ 26 mil.

O porteiro Rodrigo de Oliveira, 62, em frente à Torre Mata Atlântica - Mateus Araújo/UOL - Mateus Araújo/UOL
O porteiro Rodrigo de Oliveira, 62
Imagem: Mateus Araújo/UOL

Negócios

Perto das 20h, mais uma fila se formava na entrada dos restaurantes. "Vai ter um jantar fechado, só para convidados", informava a recepcionista, organizando a espera. Um homem de cabelos grisalhos quase passava pela porta sem autorização. Estava apressado para uma reunião, mas precisava informar, antes, o telefone de contato e o nome. "É um cadastro, senhor", argumentava a moça. Sem olhar para a ela, o cliente impaciente, ostentando sobrenome imponente, voltou para ditar número por número do celular.

Uma voz aguda atravessava o hall do hotel, interrompendo o silêncio e o buchicho de algumas pessoas que aguardavam a hora de entrar nos restaurantes. Uma mulher, com uma mochila nas costas e fone nos ouvidos, gritava em uma ligação telefônica. "Faz BTO, faz BTO", repetia pelo menos mais duas vezes, reforçando a sigla de três letras, em inglês, que significa terceirização de serviço.

Alguém do outro lado da linha estava em dúvida se tiraria férias ou pegaria dias de folga do trabalho. "Fale com o RH, para mim não tem problema. Mas faça BTO", reforçava a chefe. A sugestão dela era terceirizar o serviço por um tempo. A mulher interrompeu rapidamente o ruidoso diálogo quando tentou entrar no elevador sem se identificar. "Meu marido está hospedado aqui, vou encontrá-lo", gritava, explicando à recepcionista.

Oásis de hospitalidade, Rosewood pode ser também, facilmente, chamado de lugar de negócios. Ou uma nova grife da alta classe do país. "Luciano Huck e Wesley Safadão compraram apartamento aqui. Dizem que Madonna também", confessava, sorrindo, uma segurança do hotel. "Haddad tá sempre aqui", acrescentava, efusiva, se referindo ao pré-candidato ao governo de São Paulo, o petista Fernando Haddad. "É fofoca", tergiversou, por telefone, uma pessoa da equipe de assessoria hotel, preferindo a discrição.