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'Quero ser famoso': um punk brasileiro no jubileu da rainha Elizabeth 2ª

O brasileiro Anderson Garcia Rodrigues, conhecido como Zombiepunk, de Camden Town, em Londres - Patrícia Dantas/UOL
O brasileiro Anderson Garcia Rodrigues, conhecido como Zombiepunk, de Camden Town, em Londres Imagem: Patrícia Dantas/UOL

Patrícia Dantas

Colaboração para o TAB, de Londres

05/06/2022 04h01

É uma tarde ensolarada em Londres. E não é um dia qualquer, já que se trata do feriado prolongado no Reino Unido para celebrar o Jubileu de Platina da rainha Elizabeth 2ª. Os ânimos estão em alta por conta da série de comemorações dos 70 anos de reinado acontecendo pela cidade. No famoso bairro de Camden Town, lá está ele, o Zombiepunk, erguendo bandeiras com a frase "Punk is not dead" na ponte.

Ele foi um dos 11 escolhidos para representar o movimento punk no desfile do jubileu deste domingo (5), na ala que simboliza a década de 70. "A rainha estava precisando de pessoas, punks, góticos e outras culturas inglesas, todo mundo me marcou nos posts: 'você tem que estar lá, você representa Camden Town", relata.

Zombiepunk é Anderson Garcia Rodrigues, 33, um paulista de São José do Rio Preto que vive em Londres há três anos e se tornou figura pública ao tirar fotos com residentes e turistas em troca de doações. Ingleses, brasileiros, italianos, nigerianos, canadenses e sul-africanos passam sem parar por ali. "Help punk to get drunk" diz a plaquinha dele, na qual pede por clique 1 libra (cerca de R$ 6).

"Não sou rei do punk, mas sou a cara de Camden. O que todo mundo espera ver quando vem aqui. Punk, tatuagens, moicano", diz Anderson.

Com 23 piercings e 75% do corpo tatuado, incluindo uma tattoo feita em 2014 no olho esquerdo, ele chama a atenção de todo mundo que passa. Crianças se impressionam com seu estilo único, elogiando seu cabelo e até dando "high five". "Elas não têm medo de mim, no Brasil tinha mais problema com isso", relata.

O brasileiro Anderson Garcia Rodrigues, conhecido como Zombiepunk, em Londres - Patrícia Dantas/UOL - Patrícia Dantas/UOL
'Será o maior orgulho eu estar lá [no Jubileu de Platina] como um punk, gay, negro e imigrante', diz Anderson
Imagem: Patrícia Dantas/UOL

'Punk lá do cafundó do Judas'

Do outro lado da ponte, punks jovens ingleses dançam e tocam música em uma caixa de som, quando, de repente, "Tempo Perdido", do Legião Urbana, é a próxima da playlist.

"Passo as letras e músicas para eles. As canções que eu gosto mais, eles decoram as letras e cantam. Não é porque estou na Inglaterra que vou ficar só ouvindo música inglesa. Mostro punk brasileiro também, eles têm que escutar música punk lá do cafundó do Judas, que foi de onde eu saí", brinca.

Enquanto bebe cerveja e tira fotos ocasionais, outros transeuntes interagem com ele. "Você é um punk de verdade?", pergunta um. "Tenho que te pagar pela foto para ficar bêbado?", acrescenta outro. "Amo seu trabalho" também está entre as coisas que Anderson ouve na rua. Muita gente ainda o reconhece da internet.

"Tenho 550 mil de seguidores no TikTok, meu vídeo com mais visualizações chegou a 43 milhões, onde picho a jaqueta de uma pessoa com o sinal de anarquista. Sou famoso", gaba-se o artista, que possui quase 44 mil de seguidores no Instagram.

O brasileiro Anderson Garcia Rodrigues, conhecido como Zombiepunk, em Londres, junto a amigos punks - Patrícia Dantas/UOL - Patrícia Dantas/UOL
Zombiepunk e jovens ingleses com 'Tempo Perdido', do Legião Urbana, como trilha sonora
Imagem: Patrícia Dantas/UOL

Do rock ao anarcopunk

Antes de se tornar punk, Anderson diz que já passou por várias fases. "Era roqueiro, escutava Charlie Brown Jr., Pitty, CPM 22, essas coisas de roqueirinho", lembra.

Depois, passou a ouvir mais bandas internacionais. "Já ouvia Nirvana antes. De roqueiro eu virei grunge, curtia Pearl Jam. Aí comecei a andar com os punks e eles falaram que não tinha nada a ver esse lance de grunge. Eles me disseram: 'Parte logo pro movimento punk, vamos logo protestar, entregar panfleto. Nós fazemos hino, vamos fazer um arregaço nessa cidade'", conta.

Foi aí que, aos 17 anos, ele mudou de estilo e cortou o cabelo longo, chocando sua mãe e informando seu patrão — na época, Anderson era jardineiro. Já fez malabarismo no farol, reciclou, vendeu bala na rua. Desde então, adotou o mocaino, pois "isso faz parte da minha ideologia, da minha identidade", define.

Ser punk, para Anderson, é sobreviver e viver segundo o estilo de vida que quiser. "Ter ideologia, ter caráter, respeito com o próximo, empatia, pensar no que o próximo pode sentir se fosse você. Isso é ser punk. Tentar mudar da melhor forma ou da pior forma, com o caos", reflete.

"Sou anarcopunk, a vertente do movimento punk que é anarquista", acrescenta. "Você é contra as porcarias que o governo faz com a população. Não há como você apoiar o governo, [que] só está roubando, sugando dinheiro, fazendo a galera trabalhar muito. Quantas pessoas não acordam de manhã cedo ou dormem tarde pra sustentar o governo?", questiona.

Eu sou o próprio protesto

Na ponte, Anderson encontra com outro participante do desfile, o gótico Manolito Fernandez, que lhe mostra uma tatuagem recém-feita no braço para marcar o Jubileu de Platina, destacando a data, uma coroa e as palavras "cast performer". É alta a expectativa em torno do evento.

O brasileiro Anderson Garcia Rodrigues, conhecido como Zombiepunk, em Londres, junto ao amigo gótico Manolito Fernandez - Patrícia Dantas/UOL - Patrícia Dantas/UOL
Manolito Fernandez, outro participante do desfile, fez uma tatuagem para marcar o jubileu
Imagem: Patrícia Dantas/UOL

"Será o maior orgulho eu estar lá como um punk, gay, negro e imigrante. Ouvi de várias pessoas que sou o que o movimento punk prega, o próprio protesto", diz Anderson, que se considera "asilado" na Inglaterra. "É um momento histórico. Estou indo em forma de protesto, mostrar que o punk não morreu."

"Ser punk no Brasil é muito difícil, a cultura não nasceu lá. No Brasil as pessoas não conhecem e acham que é satanismo, rebeldia, baderna, mas todo mundo gosta e apoia aqui. Vim morar aqui por conta disso", diz. Atualmente, Anderson divide a casa com o namorado inglês e duas outras pessoas que não são punks, em Londres.

No fim do "expediente" na ponte, onde fica todos os dias entre 10h e 18h, Anderson sugere o pub Hawley Arms — que era frequentado pela cantora Amy Winehouse, residente mais icônica do bairro — para terminar a conversa com o TAB. Lá, ele também é uma sensação e posa para fotos. Desta vez, ganhou uma cerveja de um dos clientes do bar. Outro pediu para tocar seu cabelo espetado, um look que necessita de duas latas de spray por semana para manter o penteado.

Questionado se está em busca de fama, não pestaneja na resposta. "Lógico que quero ser famoso. Minha meta é ser verificado no Instagram, ser verificado no TikTok e realmente ser reconhecido em todas as mídias como o Zombiepunk e como um artista ativista", destaca. "Estou indo no jubileu aproveitando o momento pra ser mais visto. Quanto mais visto eu for, mais vou poder protestar e mais gente vai poder ouvir minha voz."

O brasileiro Anderson Garcia Rodrigues, conhecido como Zombiepunk, tira foto com fãs, em Londres - Patrícia Dantas/UOL - Patrícia Dantas/UOL
'Lógico que quero ser famoso', diz Zombiepunk. 'Quanto mais visto eu for, mais vou poder protestar'
Imagem: Patrícia Dantas/UOL