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Cão farejador de covid e app que 'prevê' crime são novidades de feira em SP

Cães farejadores são exibidos durante feira de segurança na cidade de Sâo Paulo - Rodrigo Bertolotto/UOL
Cães farejadores são exibidos durante feira de segurança na cidade de Sâo Paulo Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Rodrigo Bertolotto

Do TAB, em Sâo Paulo

11/06/2022 04h01

Um em cada três brasileiros mora atrás de um portão automático e um interfone. Outros tantos fazem procissão diariamente por catracas e cancelas para trabalhar. Daí se percebe a importância econômica do setor de segurança no país, que tem como principal feira a Exposec, que aconteceu nesta semana em São Paulo após dois anos de suspensão pela pandemia.

Os estandes iam desde empresas que vendiam cães farejadores de explosivos até fábricas de tornozeleiras eletrônicas. E a programação dos auditórios dava conta dos temas palpitantes da área, com as palestras "Mitos e verdades sobre portarias remotas", "Segurança e tecnologia: uma utopia no seu condomínio" ou "Como utilizar alarmes sem fio em shopping centers".

Mesmo com as maiores marcas oferecendo comes e bebes e recepcionistas marombadas em uniformes apertados, o local que mais concentrou os visitantes estava no fundo do centro de convenções: a exposição do poder de fogo das polícias paulistas, com direito a fila para tirar foto no helicóptero Águia 16 da PM e visitar o interior do caminhão blindado que a Tropa de Choque usa para dispersar manifestações.

Atrás de uma muvuca de curiosos estava um balcão cheio de metralhadoras, rifles, carabinas e cassetetes, e os agentes públicos fardados explicavam pacientemente o uso do armamento e posavam para selfies.

Terror social

"Percebemos que existia esse mercado com o aumento do terrorismo na Europa. Mas no Brasil o potencial de crescimento está na grande diferença daqui entre ricos e pobres e na necessidade de proteção para condomínios residenciais e logísticos", conta o italiano Andrea Menuzzo, CEO da Came, empresa que é líder mundial no nicho de "alta segurança".

Até dez anos atrás, a fábrica de Treviso, no norte da Itália, focava sua produção em prosaicos sistemas automáticos de estacionamento. Mas deu uma guinada após a onda de ações terroristas no início do século. Hoje, fornece equipamentos que estão nos acessos ao Pentágono (sede do exército norte-americano em Washington) e aos estádios da Copa do Mundo do Qatar.

Com um comando à distância, pilares de aço sobem do chão e formam uma barreira que impede veículos de circular. Outro dispositivo é uma discreta lombada metálica que se ergue e vira um bloco maciço capaz de parar até caminhão a 80 km/h só com um aperto de um botão.

E a empresa, com filial em Indaiatuba (SP), vende ainda um dilacerador de pneus, com lâminas afiadas chamadas de "garras de tigre". O modelo antigo, com pontas em V, já não funcionava mais porque os criminosos aprenderam que era só passar com pneus um pouco murchos para invadir e fugir sem problema. Com o crescimento do "novo cangaço", não vão faltar clientes para esses produtos.

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Sósia do ator Vin Diesel participa de estande de cancelas em feira de segurança em São Paulo
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Faro fino

No meio dos 800 expositores espalhados pelos pavilhões da São Paulo Expo, quatro deles tinham permissão de cheirar e até lamber alguns dos mais de 48 mil visitantes. Em especial, um beagle de nome Morgan, que foi treinado para detectar quem está com covid.

Em uma iniciativa que incluiu universidades da França e do Brasil, o cãozinho foi treinado para, fungando em máscaras usadas, apontar qual foi portada por pessoa infectada pelo vírus. "O índice de acerto de 94%", afirma Jorge Pereira, diretor técnico da empresa K9, que seleciona, treina e vende os bichinhos delatores.

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Visitantes entram em blindado da PM na Exposec, maior feira de segurança da América Latina
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Esses pets farejam focos de dengue, infestação de percevejos e até 20 tipos diferentes de drogas ou explosivos. Mas cada um é especializado em um tipo de busca. As fêmeas são melhores para buscas mais minuciosas, enquanto os machos, mais agitados, são indicados para cobrir grandes áreas. Para narcóticos, os recomendados são os labradores ou pastores.

Até para achar produtos eletrônicos escondidos, os cães são eficientes. Como aparelhos de armazenamento, como HDs e pen drives, têm uma cobertura de óxido de trifenilfosfina em seus circuitos e chips, os lulus desvendam crimes cibernéticos atrás dessa substância (ou melhor, dos biscoitinhos que ganham após encontrarem os objetos).

No estande da Guarda Civil Municipal, outro cão fazia festinha para quem se aproximava. Sua função diária, porém, não é nada alegre: ele já ajudou a encontrar vários cemitérios clandestinos em São Paulo após ser treinado com odores da decomposição de cadáveres.

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Estande de software para portarias de condomínios na Exposec
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Preliminares do crime

"Próximo passo é detectar, a partir de imagens de vídeo, comportamentos alterados, como mãos agitadas, feições nervosas e postura agressiva. Aí vamos estar bem perto da predição do crime. Talvez seja antes de 2054", se entusiasma Nicolau Ramalho, diretor comercial da startup No Leak.

O ano citado é a data em que está ambientado "Minority Report", filme dirigido por Steven Spielberg e estrelado por Tom Cruise em 2002. A adaptação de conto do mestre da ficção científica Philip K. Dick (1928-1982) conta a atuação de videntes que anteveem crimes e trabalham para a polícia. Uma dessas personagens no longa-metragem é Agatha, nome que batiza a inteligência artificial desenvolvida pelos startupeiros.

Agatha é treinada pelas imagens de vídeo e aprende a distinguir o que é corriqueiro e o que é "anormal" na cena. Se pessoas circulam pela entrada exclusiva de veículos ou se grupos param na calçada durante a madrugada, o sistema estranha e manda alerta para as centrais de portaria remota.

Segundo Ramalho, esse dispositivo já é usado para prevenir suicídios em ferrovias e pontes do Canadá e pode também ser adotado por órgãos governamentais para se antecipar em caso de tumultos, brigas e roubos nas ditas "smart cities". Se essas previsões funcionarem, será que finalmente vamos nos livrar de programas televisivos como Cidade Alerta e Brasil Urgente?

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Dispositivo chamado 'bueiro eletrônico' controla por infravermelho o acúmulo de lixo em áreas de esgoto
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Consumidores do medo

As opções de mercado tendem ao infinito. No estande dali que vendia armas brancas, havia estrelas de arremesso (conhecidas pelo termo japonês "shuriken") e uma faca ciclone, com lâminas em espiral e furos que aumentam a possibilidade de morte da vítima. Mas os clientes pediam mais utensílios defensivos, como spray de pimenta e pistola teaser de choque, que não estavam disponíveis, afinal, são produtos com venda proibida ao público geral.

Outro empresário oferecia tornozeleiras eletrônicas com cinta reforçada de chapa de aço e fibra ótica para que os condenados não tirem o artefato com tanta facilidade.

Produtos mais espertos que seus compradores havia aos montes. A empresa Ineeds, por exemplo, apresentou um "bueiro inteligente", que, dispondo de câmeras de infravermelho, aponta quando há acúmulo de detritos dentro dele. A ideia é também detectar a presença de larvas de mosquito para aspergir larvicidas. Segundo os produtores, o mecanismo já está em teste em três cidades, Petrópolis, no Rio de Janeiro, e as paranaenses Curitiba e Pato Branco. Outro estande oferecia o "cofre inteligente", que traga por segundo 16 cédulas de três moedas diferentes — e contabilizando tudo direitinho.

Até na área de contrainteligência havia novidades. Comercializado ali, o aplicativo Zimperium prometia bloquear o temido software espião Pegasus, ambos com tecnologia israelense. O lojista ainda divulgava sistemas anti-hackers e antigrampo e "espaço aéreo protegido" para empresas que não desejam que seus segredos venham a público.

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Aparelho transforma imagem de câmera de segurança em percurso rastreável em mapa digital
Imagem: Rodrigo Bertolotto/UOL

Cultura das cancelas

Os tipos de sirene vão desde aquela para espantar pássaros de aeroportos, passando por outras que ajudam em evacuações de áreas, até as de alta potência que servem como "barreira sônica antifurto", desorientando o criminoso antes de completar sua ação. Pelo folheto, o modelo é aconselhado para "joalherias e casas de câmbio".

As cancelas ganharam pisca-pisca de LED e sistema que evita esmagamento. Já as catracas se abrem após identificar rostos, íris ou digitais.

Por seu lado, os cacos de vidro no muro e os arames farpados na cerca já foram substituídos pelos ouriços de aço galvanizado. Essas espirais pontiagudas e cortantes podem cobrir portões e telhados e deixam qualquer residência com um aspecto de presídio de segurança máxima.

Outra tecnologia que foi das penitenciárias para o mundo é o jammer, aparelho que embaralha os sinais de celulares para os detentos não se comunicarem com seus comparsas do lado de fora. Agora o apetrecho foi apelidado de "capetinha" e é utilizado por criminosos para bloquear a ação de rastreadores por GPS acoplados em caminhões de carga. Mas já há no mercado um detector de jammer. Ou seja, a cada trapaça vai surgindo uma nova armadilha.

O curioso é que, mesmo com tanta tecnologia e policiais na feira, alguns expositores reclamaram que sumiram produtos de suas vitrines. Pelo visto, o crime também está cheio de empreendedores atrás de nichos de mercado.