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RJ teve 284 denúncias de valas ligadas ao tráfico e 116 à milícia em 4 anos

Saulo Pereira Guimarães

Do UOL, em São Paulo

13/06/2022 04h00

O estado do Rio registrou 284 denúncias de valas clandestinas em áreas sob controle de traficantes e outras 116 em regiões dominadas por milícias desde 2018. Os dados são do Disque Denúncia.

Os números vêm a público dois meses após a publicação do especial "Mortes Invisíveis" pelo TAB. A reportagem do núcleo investigativo do UOL revelou que 201 cadáveres foram encontrados em 41 valas clandestinas nos estados de Rio e São Paulo desde 2016.

Ao todo, o Disque Denúncia contabilizou 424 denúncias de valas clandestinas desde 2018. Autor do livro "Das 'Técnicas' de Fazer Desaparecer Corpos" (sobre valas clandestinas na região metropolitana do Rio), o sociólogo Fábio Araújo chamou a atenção para a quantidade de informes.

"Como um volume de denúncias de valas clandestinas desse nível não se transforma em um escândalo nacional capaz de mobilizar a sociedade e o poder público para dar uma resposta, para esclarecer o que tem se passado?", questionou ele.

O Disque Denúncia recebe e organiza informações repassadas por pessoas comuns à central telefônica do serviço. Os dados dependem de investigação policial para serem confirmados.

Após ter acesso ao levantamento, o UOL procurou as delegacias das 15 áreas com maior número de denúncias, que são as únicas com seus nomes informados no relatório. Em três delas, policiais informaram não saber da existência de investigações ligadas a valas clandestinas nos últimos quatro anos e meio. As outras não atenderam aos telefonemas da reportagem.

No caso da 50ª DP (Itaguaí), uma policial informou por telefone que o protocolo na unidade é só investigar pontos de desova quando corpos ou ossadas são descobertos.

Procurada, a assessoria de comunicação da Polícia Civil do Rio não informou até a publicação da reportagem se houve investigações relacionadas a valas clandestinas nas localidades citadas no levantamento.

Este texto será atualizado assim que o órgão enviar as informações solicitadas.

Areal, beira de rio e terreno baldio como vala clandestina

Além de números, o relatório produzido pelo Disque Denúncia traz algumas informações obtidas por meio de denúncias ligadas a valas clandestinas feitas ao serviço. Um dos alertas dava conta da presença de mais de corpos em um terreno baldio.

Um areal dominado por milicianos e uma área na beira de um rio de uma comunidade controlada pelo tráfico são outros pontos apontados em denúncias como possíveis áreas de desova de cadáveres.

De acordo com dados da Polícia Civil do Rio, mais de 350 corpos foram achados achados em lagoas, rios e praias desde 2016. Especialistas afirmam que deixar cadáveres e ossadas nesses locais é uma das estratégias usadas por grupos armados para dificultar a descoberta e o esclarecimento de homicídios.

Capital é região do Rio com maior número de denúncias

O município do Rio respondeu por um terço das 424 denúncias registradas. A fatia representa um total de 142 informações e, de acordo com serviço, 70% delas (ou 100 avisos) diziam respeito a valas clandestinas na zona oeste da cidade.

Na região, ficam bairros como Jacarepaguá, que registrou 12 denúncias desde 2018. Taquara, Praça Seca e Guaratiba são outras localidades da área e contabilizaram, respectivamente, sete, seis e seis informes nos últimos quatro anos e meio.

Na Baixada Fluminense, foram registradas denúncias de valas clandestinas nos municípios de Belford Roxo, Duque de Caxias, Nova Iguaçu e São João do Meriti. Elas representaram 22% do total.

O bairro Recanto Babi, em Belford Roxo, teve quatro informes em 2020. Em 2019, uma operação do Ministério Público estadual, em conjunto com o Corpo de Bombeiros e a Polícia Civil na localidade, levou à descoberta de uma vala clandestina operada pela milícia com oito corpos. Até fevereiro de 2022, as investigações sobre o caso tinham permitido a identificação de dois cadáveres.

Já a região de Niterói e São Gonçalo registrou 19% das denúncias, distribuídas pelos municípios de Itaboraí, Niterói e São Gonçalo. Na última cidade, o bairro de Guaxindiba contabilizou cinco informes em 2021. No mesmo ano, uma ação da Polícia Civil e da Polícia Rodoviária Federal no local resultou na descoberta de uma vala clandestina controlada pelo tráfico. O ponto abrigava três corpos e nenhum havia sido identificado pela polícia até quatro meses atrás.

Por fim, o restante do estado do Rio respondeu por um quarto das denúncias. Destacam-se os municípios de Volta Redonda, com oito informes, e Angra dos Reis, com 43.

Na segunda cidade, o Morro da Glória teve 11 denúncias só em 2020. Três anos antes, uma denúncia anônima levou policiais a localizarem quatro corpos numa vala clandestina na localidade. O ponto de desova era controlado pelo tráfico e, até fevereiro de 2022, três dos restos mortais encontrados haviam sido identificados.

"É preciso investigar as circunstâncias de existência dessas valas clandestinas e as dinâmicas criminais a elas associadas. É preciso também detalhar a localização e produzir mapas dessas valas, para não ficarmos falando genericamente delas, e sobrepor suas geografias com a geopolítica criminal da cidade", diz Araújo, sobre os números.