Predador 'inusitado': misterioso massacre de carpas mobiliza interior de SP
Eram 7h da manhã de sexta-feira (12) quando a guarda civil Lorena Guimarães chegou à praça Riugi Kojima, um cartão-postal no Jardim Aquarius, bairro nobre de São José dos Campos (SP). Segundo a denúncia que pingou no número 156, a central de atendimento da cidade, o endereço teria sido alvo de vandalismo.
Lorena se juntou aos transeuntes que se aglomeravam ao redor da praça "do Torii", como é popularmente conhecida, devido ao imponente monumento de aço de 56 toneladas e 17 metros de altura, um torii erguido no centenário da imigração japonesa no Brasil, em 2008. Com cerca de 9.000 m², a maior de São José dos Campos, a praça possui um jardim florido e um singelo lago artificial de inspiração japonesa, com pedras e 30 carpas. Era a cena do crime.
Os peixes eram as vítimas: as carpas amanheceram mortas, dilaceradas, deixadas aos pedaços para trás na água e na grama. Ao longo do mês, 11 carpas morreram. Moradores diziam que estava acontecendo algo muito estranho ali, uma praça tão tranquila, entre uma avenida e um condomínio de casas de alto padrão, onde casais celebram casamentos, crianças andam de patins e amigos param para ler um livro e tomar sol ouvindo o barulhinho bom das águas.
O caso agitou a cidade — e não faltaram palpites para desvendar o mistério. Um andarilho estaria pegando os peixes para comer, disseram moradores no 156. Ou um vândalo teria matado as carpas "por maldade". Lorena imaginou que, a julgar pelo estado em que os peixes ficaram, o suspeito não devia ser humano. Um gato talvez?, pensou.
Lorena fotografou a cena com o celular e, discretamente, enviou as imagens para o marido, o também guarda civil Gabriel Balduque, que estava de plantão no monitoramento do CSI (Centro de Segurança e Inteligência), que controla as mais de mil câmeras instaladas na cidade. "Dê uma olhadinha nas câmeras. Talvez a gente descubra quem está fazendo isso", pediu.
O inusitado 'vândalo'
O alerta já estava no radar do CSI. Profissionais do centro estavam vasculhando velozmente imagens da madrugada na praça. Um deles, fã de piscicultura, cogitou a hipótese de morte natural, por falta de oxigenação no lago artificial. Até que, pouco antes das 12h, Gabriel encontrou uma pista.
"Gente, acho que descobri quem está matando os peixes", disse, enquanto ainda tentava identificar nas imagens o que era aquilo que saía sorrateiramente do lago levando carpas por volta das 5h daquela manhã. "Não acredito!", riu, cercado de colegas intrigados diante do computador.
O culpado era, afinal, uma lontra. "Assistimos à gravação esperando ser um criminoso... e foi uma surpresa", conta o chefe do CSI, Romário Pena. "Identificamos o inusitado 'vândalo': havia uma lontra morando no lago", diverte-se.
Referência na área de tecnologia para segurança pública, o CSI atende ocorrências e ajuda a resolver casos complexos, por exemplo, a prisão de foragidos da Justiça. Instalado no Parque Tecnológico, o centro possui 18 estações de trabalho ocupadas por representantes das forças de segurança, de agentes de Mobilidade Urbana a equipes da Defesa Civil.
Resolvido o mistério, a missão passou para Mobilidade Urbana, Guarda Civil, Bombeiros e Polícia Ambiental: capturar o bicho. Ou melhor, resgatá-lo.
Predador e presa
A primeira tentativa ocorreu na tarde de sábado (13), mas precisou ser interrompida. A lontra foi esperta e, muito bem escondida entre as pedras artificiais, não deixou que ninguém a alcançasse.
Animais da espécie Lontra longicaudis não costumam atacar seres humanos, a menos que sejam encurralados. Carnívoros que podem chegar a 1,20 m e pesar até 15 kg, eles vivem na Mata Atlântica, bioma presente na região metropolitana do Vale do Paraíba.
Apesar de seus hábitos diurnos — com caçadas à luz do dia e no crepúsculo —, uma lontra pode alterar seu período de atividade na presença de humanos, diz o biólogo Davi Nunes Veloso.
"Ela provavelmente veio pelo córrego do Vidoca, que passa próximo à praça, e atravessou a área asfaltada. Em 2017, tivemos um caso parecido, com outra lontra, que entrou em um condomínio no Jardim Aquarius", lembra o especialista.
Já o CSI considera que a lontra possa ter vindo direto do rio Paraíba, atravessando áreas de mata e gramados até a praça.
Ela só foi capturada às 9h30 do dia 14. Foi quando tentou explorar novos horizontes, entrou em um condomínio perto da praça, tomou um banho de piscina e fez um pit stop num parquinho infantil nos arredores. A Polícia Ambiental a pegou utilizando uma rede preta e imediatamente a levou às margens do rio Paraíba para liberá-la de volta a seu habitat natural.
No fim, ficou apenas a lembrança da aventura da lontra com as carpas, como diz Pena, "um vídeo da natureza 'acontecendo' da forma como ela sempre aconteceu: predador e presa."
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