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Estátua de Carlson Gracie vira point de jiu-jiteiros: 'Onde arranjo flor?'

Da esq. para a dir., Jeffery Rozovics e Rodrigo Medeiros, discípulos de Carlson Gracie (estátua), e Beto Veloso, entusiasta do jiu-jítsu e irmão do lutador Kiko Veloso - Cláudia Castelo Branco/UOL
Da esq. para a dir., Jeffery Rozovics e Rodrigo Medeiros, discípulos de Carlson Gracie (estátua), e Beto Veloso, entusiasta do jiu-jítsu e irmão do lutador Kiko Veloso Imagem: Cláudia Castelo Branco/UOL

Cláudia Castelo Branco

Colaboração para o TAB, do Rio

17/08/2022 04h01

Entre um quiosque de canjicas e um carrinho de churros, Carlson Gracie segura uma rosa no dia em que o ídolo do jiu-jítsu completaria 90 anos. "Onde eu compro flores pra ele?", pergunta Rodrigo Medeiros, ex-campeão mundial de master, em frente à estátua do mestre. Carlson nasceu em 13 de agosto de 1933, mas comemorava seu aniversário sempre no dia 12. "Ele era muito supersticioso", diz Medeiros, atleta que vive atualmente nos Estados Unidos.

Uma roda de jiu-jiteiros se concentra na praça Shimon Peres, em Copacabana, para homenagear o mestre. Há três anos, reverenciar a estátua de um homem vestindo quimono é lei para os amantes das artes marciais e fãs dos Gracie — Carlson era filho de Carlos, criador do jiu-jítsu brasileiro.

Carlson já foi Eduardo. Seu pai, estudioso da numerologia, resolveu após algum tempo mudar o nome de registro do filho. Todos os filhos de Carlos deveriam ter as letras iniciais "C" ou "R" — o patriarca achava que a força das letras presentes em seu próprio nome poderia ser transmitida aos filhos.

Criada por Edgar Duvivier, a estátua de Carlson foi financiada por amigos e alunos. Mauricio Carneiro, 52, conhecido também por DJ Saddam, liderou o movimento durante dez anos e conseguiu uma autorização da prefeitura na gestão Crivella. Aí veio a parte da grana. "Foram duas vaquinhas, uma aqui e outra nos Estados Unidos. Conseguimos R$ 80 mil", disse Saddam, que é faixa-preta — entregue a ele pelo próprio Carlson.

Bob da Beija-Flor, homem em situação de rua com idade em torno dos 60 anos, contou à reportagem que estava emocionado e "biritado" no dia da inauguração, três anos atrás. Tanto que chegou a agarrar a estátua. "Estava o 'Ié-Ié', que veio de São Paulo, o Alexandre Frota, uma galera?"

O Ié-Ié, no caso, é Sérgio Mallandro, faixa-preta e sexto aluno de Carlson Gracie no Rio, no fim da década de 1970. "Ele não dispensava meu bobó de camarão", lembra Serginho à reportagem, por telefone. "Qual é, mestre?! E a dieta Gracie?", brincava. "Muita saudade do nosso mestre. Essa tropa toda aí, eu vi cada um entrar. O Murilo Bustamante, essas feras do UFC."

Bob da Beija-Flor dormia na academia, limpava os tatames, os vidros e pela manhã aprendia uns golpes com Alexandre Frota, à época modelo e ator iniciante. Depois da morte do mestre, em 7 de fevereiro de 2006, o hoje deputado federal tatuou nas costas dois buldogues com a frase "bad boy". É um dos símbolos da academia do ex-professor. "Carlson foi um grande parceiro, amigo, mais do que um professor. Na vida de um vencedor não existem problemas, existem desafios. Carlson Forever", contou Frota ao TAB.

Rodrigo Medeiros - Cláudia Castelo Branco/UOL - Cláudia Castelo Branco/UOL
Imagem: Cláudia Castelo Branco/UOL
Rodrigo Medeiros exibe foto com Carlson Gracie em Copacabana - Cláudia Castelo Branco/UOL - Cláudia Castelo Branco/UOL
Rodrigo Medeiros exibe foto com Carlson Gracie
Imagem: Cláudia Castelo Branco/UOL

'Tratava todo mundo igual'

Carlson Gracie foi um dos representantes mais importantes de sua família e seus ensinamentos influenciaram, e ainda influenciam, muita gente no planeta. Os olhos da estátua parecem estar sempre mirando alguém. Um sorrisinho indica certa dose de bom-humor e leveza.

Rodrigo Medeiros, que saiu à procura das flores, voltou com um buquê de lírios brancos. No final dos anos 1990, o atleta morou com Carlson em Los Angeles e participou do projeto de iniciação dos alunos de Gracie ao UFC norte-americano.

É a primeira vez que vê a estátua. Dono de inúmeros títulos, emociona-se e mostra imagens de quando dividiam o mesmo quarto. As histórias de lutas de Carlson são revividas pelos presentes. Um lutador gringo aproxima-se e cumprimenta o colega. Conversam em inglês sobre os próximos campeonatos, tiram fotos e fazem reverências à imagem. Quando o jiu-jítsu era muito focado em defesa pessoal, Carlson desenvolveu uma técnica focada em torneios.

Entre as décadas de 1970, 1980 e parte da década de 1990, a equipe de Carlson dominou todos os campeonatos. O exército que o treinador montou era também superior em número, pois suas mensalidades eram baixas e, caso o aluno trouxesse títulos, poderia até mesmo ficar isento das mensalidades. Grande parte do estilo despojado dos treinos de jiu-jítsu atual são marcas deixadas por Carlson.

O homem era zero afetação, segundo seus fãs. Vestia pochete na cintura — nada a ver com a moda. Era bajulado por personalidades e políticos e nada apegado a dinheiro. Fã de bolero e de Edith Piaf, Carlson Gracie sucumbia com a maior facilidade à comida. Daí se agarrar à "dieta Gracie" mencionada por Sérgio Mallandro.

"Tô aqui pelo ser humano que ele era. Tratava todo mundo igual", comenta um entusiasta. Os presentes repetem que era um ser humano genial, fazem reverências, tiram uma foto apertando a mão do mestre e partem. Um fã baiano, acompanhado da namorada, para e registra em foto o momento. "Vim pra isso."

Beto Tattoo e Ana Carneiro ao lado da estátua de Carlson Gracie, em Copacabana - Cláudia Castelo Branco/UOL - Cláudia Castelo Branco/UOL
Beto Tattoo e Ana Carneiro ao lado da estátua de Carlson Gracie, em Copacabana
Imagem: Cláudia Castelo Branco/UOL

'Você consegue'

São 11h da manhã e uma mulher loira está em frente à estátua. É o terceiro ano em que Ana Carneiro, 50, faixa-azul, leva uma rosa para Carlson no seu aniversário.

Acompanhada do tatuador Beto Tattoo, 52, aguarda outros lutadores para homenagens e fala com empolgação sobre o universo do jiu-jitsu. Beto conta que participou da finalização do logo da academia que traz dois buldogues.

Ana permanece no telefone chamando os atletas para comemorar a data. Tempos atrás, não gostava de jiu-jítsu. "Naquele tempo, nos anos 1990, existia um preconceito", afirma. Criada numa família conservadora, tinha 45 anos quando começou a questionar "quem era" de verdade. Resolveu estudar jornalismo. Naquele ano, com o noticiário repleto de notícias sobre homens ejaculando no transporte público, Ana resolveu se proteger. Philip Clarke, faixa-preta de jiu-jítsu, incentivou a amiga a procurar uma arte marcial.

Em julho de 2017, Ana saía da musculação quando foi abordada por Gilza Motta, recepcionista da Academia Equipe 1. "Por que você não faz uma aula?", perguntou, já lhe oferecendo um quimono cor-de-rosa. "Detesto rosa, mas fui."

Não fez só uma aula. Fez novos amigos. Passou a escrever para a Rolling Times, revista focada na luta, a apresentar um podcast e a escrever poesias. Aos 50, sente-se feliz.

A estátua do Mestre Carlson Gracie está na posição do tradicional cumprimento da equipe: esperando um aperto de mão com os dedos entrelaçados.