Jovens correm atrás dos 'ícones' Lolly Vômito e Belle Belinha na Liberdade
"Ela chegou mesmo?", perguntou o estudante de programação Matias Misty, 18, esbugalhando os olhos com "geek lens" — lentes de contato coloridas usadas em cosplay. "Estão gritando 'machista', quem mais poderia ser?", respondeu uma jovem, apontando em direção à aglomeração de otakus e k-poppers que cercava a youtuber Lolly Vômito, conhecida nas redes sociais pelo bordão, em frente à Praça da Liberdade, na região central de São Paulo.
Eram 22h do último sábado (13), e uma centena de jovens carregando garrafas de Corote e uísque com energético tentavam tirar uma selfie com ela. Eles haviam sido avisados, pelo Twitter e Instagram, que Lolly estaria ali para encontrar com a também influenciadora digital Belle Belinha no chamado "rolê da Liba", um encontro de adolescentes para conversar, beber e beijar na boca.
"A gente já estava no metrô, a algumas estações de distância, mas vimos nos stories que a Lolly estaria aqui. Então voltamos para tentar encontrar com ela. Acompanho desde que eu tinha uns 13 anos, porque ela tem uma personalidade bem excêntrica", disse Misty, antes de ser puxado pelo braço por sua amiga, Vitória*, de 19 anos, para correr, literalmente, atrás da influenciadora.
Famosa pelo canal no YouTube, a porto-alegrense batizada como Heloísa Berutte Canabarro publicava vídeos com histórias pessoais. Quase como um diário, Lolly compartilhava seu dia a dia no auge da depressão. Hoje, com mais de 300 mil inscritos e 100 mil seguidores no Instagram, a jovem de 24 anos faz sucesso com lives e um programa semanal no YouTube, chamado "Lolly Noir".
Apesar das buzinas de carros, ônibus e caminhões que tentam abrir passagem na avenida tomada por jovens. Lolly caminha tranquilamente entre a multidão. Esse tumulto era esperado. A viagem para a capital paulista, no último fim de semana, aconteceu especialmente para o rolê da Liberdade — houve, inclusive, uma vaquinha online para arrecadar fundos. Lolly conseguiu R$ 3.000 via PIX.
Lolly quis vir à capital paulista para encontrar com o streamer Orochinho, que reage a vídeos no YouTube, e a também influenciadora Belle Belinha, conhecida por divulgar vídeos do "rolê da Liba", como ela mesma define o encontro no bairro da Liberdade em suas redes sociais.
"Não conhecia o rolê da Liba, mas não é muito diferente do que eu já vivi em Porto Alegre", disse Lolly. "Eu e Belle nos conhecemos um dia antes em uma balada, a Andrômeda. Fiquei fascinada e emocionada tanto pela ambientação e produção da festa como pelo ritmo sincronizado em que a Belle e todos os seguidores dela dançavam ao som de 'Anaconda', da Luísa Sonza."
No sábado, Belle também atraiu uma multidão para o bairro. As duas, porém, não conseguiram se encontrar naquele dia.
Atrás das celebridades
Erguendo um copo gigante de uísque com energético e gelo de água de coco, a auxiliar administrativa Gabriela Araújo de Biagi, 19, diz que gosta de "dar rolê" na Liberdade, apesar de morar em Guarulhos a cerca de 30 quilômetros. No sábado, ela escolheu encarar 1h30 de transporte público para ver Lolly e Belle Belinha.
"A brisa sempre foi que a Belle seria uma versão mais nova da Lolly por ambas terem ficado famosas por darem rolê de adolescente, falarem coisas absurdas, terem aparência suja. Ficamos sabendo que elas estariam aqui hoje e escolhemos vir aqui", diz ela, entre pausas para beber o drinque, ao lado da amiga Ana Júlia, 20, que veio de São José dos Campos (SP) só para o rolê. "Matamos dois coelhos numa cajadada só: viemos dar rolê e já trombaremos a Belle Belinha e a Lolly Vômito de quebra."
Durante o rolê na Liberdade, seis pessoas disseram que Belle é menor de idade. A reportagem procurou Isabelle Souza (Belle Belinha) para confirmar sua idade, mas não teve retorno até a publicação desta reportagem. Na semana passada, Belle afirmou ao R7 que não revela a idade "por conta de marketing". Em seu perfil oficial do TikTok, porém, ela afirma ter 18 anos.
Arrastando multidões
O relógio já se aproximava das 22h30, e alguns jovens que embalavam o rolê com caixas de som portáteis foram embora, e a movimentação na Praça da Liberdade diminuía. Encostado em um muro, um jovem baixo e magro, usando uma coleira "choker", mostrava o celular para um grupo de adolescentes. "Serve a gente mesmo? Porque estou embriagado", disse o auxiliar administrativo Jonatas Ferreira, 19, ao ser abordado pelo TAB. O jovem, fã da Lolly, acabara de conseguir uma foto com ela e a exibia para quem quisesse ver.
"Sábado é sempre dia de rolê na Liberdade, e domingo, na Vergueiro [próximo à região da Av. Paulista, na estação de metrô de mesmo nome]. Aqui vem muito mais gente, mas lá é mais legal porque tem som, mais diversidade de k-pop, rock e funk. Na Liberdade é mais a galera do anime, mais otaku. Mas depois da Belle Belinha veio todo mundo para cá", avaliou.
Durante a pandemia, Belle ficou conhecida nas redes sociais, principalmente no TikTok, por furar a quarentena em um rolê na Liberdade. O sucesso foi tanto que ela nunca mais parou de gravar os vídeos nas ruas sob a luz dos postes japoneses.
Para Ferreira, que de fato parecia estar embriagado, pela maneira com que "atropelava" algumas palavras, tanto Lolly quanto Belle são "símbolos da geração Z" — os nascidos entre o final 1996 e 2010 —, como ele mesmo definiu.
"A Lolly não é tão geração Z, mas a galera nossa galera [geração Z] enxerga muito o discurso dela, porque conversa muito com a gente", disse. "Já a Belle, que é total geração Z, faz brincadeiras como o 'banheiro dos não bináries', mas se você parar para olhar é uma pauta que a gente conversa realmente, principalmente pessoas LGBT". Juntas, Lolly e Belle têm mais de 80 milhões de visualizações apenas no TikTok.
'Devem ter beijado umas 50 bocas'
Nem todo mundo da noite na Liberdade sabe desse sucesso internético. A estudante Luz*, 18, conta que não conhecia Lolly Vômito. "Só conheço a Belle Belinha. Não fazia ideia de quem era Lolly, mas a vi passando e pensei 'nossa, a Lady Gaga'. Ouvi falando 'faz barricada', jurei que fosse uma super famosa", revelou.
Luz já estava perambulando atrás de suas amigas havia uma hora. Na avaliação dela, o rolê estava miado, pois ela não havia beijado ninguém até aquele momento, enquanto suas amigas "beijaram umas 50 pessoas".
"Tem gente que julga a Belle Belinha por beijar na boca, mas foda-se, não é? Acredito que não tem a necessidade de julgar, porque aqui, na Liberdade, uma porcentagem muito grande faz a mesma coisa que ela, mas só ela que viralizou nas plataformas digitais. As pessoas gostam de procurar quem tá no hype, mas até o final do ano ninguém vai se lembrar dela."
Pela primeira vez na Liberdade, a jovem moradora do Jardim Ângela, periferia da zona sul de São Paulo, caprichou no figurino: colou adesivos de chiclete no rosto, fazendo vez de tatuagem, e também nas pálpebras, como uma maquiagem. Todo o estilo e a pressa em encontrar as amigas tem sua razão: ela ainda iria para uma balada na rua Augusta. O "rolê da Liba" foi só um "esquenta".
"Comecei a vir no rolê recentemente, porque eu era menor de idade, mas agora eu já posso sair. Não saio com tanta frequência porque minha família também não deixa, mas quando saio, venho para buracos como esse."
A Liberdade foi só o esquenta de Lolly. Ficou no bairro cerca de uma hora, tomando drinques, falando com fãs. Preparava-se para uma festa do pijama na balada eletrônica Blum, no Brás, para onde zarpou perto da 0h.
Num balanço mental na segunda-feira (15), já em Porto Alegre, Lolly afirmou à reportagem que estes foram "os melhores quatro dias dos últimos tempos". "Me senti a Paris Hilton em Beverly Hills e a Britney em Vegas. Vocês parecem estar sempre vivendo dentro de um filme. Mas, sobre a 'cena noturna' na minha cidade, vivemos algo que se assemelha as noitadas caóticas na Liberdade. Somos vampirescos, se é que me entende? Agora balada mesmo, casa fechada, toda decorada, com danças coreografadas, meu amoooor, isso só vocês têm!"
* Sobrenomes suprimidos a pedido das entrevistadas
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