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Para 2022, milionários priorizam candidatos que aprenderam 'politiquês'

30 de agosto de 2022 | Sessão da Câmara dos Deputados para votar emendas parlamentares antes das eleições - Ton Molina/Fotoarena/Folhapress
30 de agosto de 2022 | Sessão da Câmara dos Deputados para votar emendas parlamentares antes das eleições
Imagem: Ton Molina/Fotoarena/Folhapress

Marina Dias

Colaboração para o TAB, de São Paulo

19/09/2022 04h01

No fim de agosto, um banqueiro resumiu a um amigo sua frustração, enquanto bebia uma xícara de café no seu escritório, na região da avenida Faria Lima, zona oeste de São Paulo: os donos do dinheiro perderam influência no Congresso e tentam recuperá-la. "Se continuar assim, vamos perder o controle da situação", disse ele, que, como muitos de seus pares, defende a volta do financiamento empresarial de campanhas, proibido desde 2015 no Brasil.

Para o banqueiro, ativo doador de campanhas no passado, impedir repasses de empresas, limitar os de pessoas físicas e distribuir dinheiro por emendas parlamentares — tudo somado ao robusto fundo eleitoral de R$ 4,9 bilhões — podou a ascendência do empresariado sobre o Congresso.

Isso porque as doações de pessoas físicas têm um teto e não são competitivas diante dos milhões de reais distribuídos pelos partidos. Para quantias iguais ou maiores que R$ 1.604,10, por exemplo, a doação só pode ser feita por transferência eletrônica entre as contas do doador e do candidato ou por cheque nominal cruzado. Por isso, segundo o banqueiro da Faria Lima, os candidatos têm preferido pedir dinheiro para presidentes e líderes das siglas.

Desde o fim de 2020, já se dizia nos bastidores: o discurso de renovação política perdera força e era preciso mudar de estratégia. A ficha dos principais doadores caiu com o resultado das urnas, que, naquele ano, revelou o triunfo de políticos tradicionais sobre os novatos nas eleições municipais. Em 2018, quando empresários, investidores e movimentos catapultaram candidatos novos a Brasília, a impressão que se tinha era de que esse movimento seria mais duradouro.

Hoje, eles admitem que o panorama deve favorecer os mais experientes e os novatos que souberam se adaptar ao jogo político. A principal aposta é em quem já tem mandato, estrutura partidária, aprendeu politiquês e circula bem entre as lideranças e comissões no Legislativo.

Não são todos os doadores que concordam com a volta do financiamento empresarial, mas muitos deles buscam ferramentas para tentar mexer nessa correlação de forças e fazer andar no Congresso pautas caras a seus interesses.

Às vésperas da eleição, esses atores têm feito articulações mais pragmáticas, distribuídas em três frentes. Primeiro: doações a quem entendeu a importância de "fazer política", como Tabata Amaral (PSB-SP), Marcel Van Hattem (Novo-RS), Felipe Rigoni (União Brasil-ES) e Renan Ferreirinha (PSD-RJ), todos na lista dos candidatos a deputado federal que mais recebem doações de pessoas físicas.

A segunda frente, não tão forte, é um movimento de estímulo à diversidade que atrai bilionários como os irmãos João e Walter Moreira Salles, Jorge Paulo Lemann e Guilherme Leal. Por fim, a reformulação da narrativa e da atuação de movimentos de renovação, que entenderam que "o novo pelo novo" já não conquista os doadores.

Tabata Amaral discursa em protesto contra o presidente Jair Bolsonaro na avenida Paulista (SP) - Roberto Sungi/Futura Press/Folhapress - Roberto Sungi/Futura Press/Folhapress
Tabata Amaral em protesto contra Jair Bolsonaro, na avenida Paulista (SP), em setembro de 2021
Imagem: Roberto Sungi/Futura Press/Folhapress

Diversidade

Filiada ao PSB há um ano, Tabata é uma das estrelas do primeiro arco de articulações: com 87 transferências até meados de setembro, ela somava mais de R$ 1,6 milhão em doações de pessoas físicas, quase 90% da arrecadação de sua campanha — R$ 193,5 mil foram repasses do partido.

Entre as doações estão R$ 100 mil do economista Marcos Alberto Lederman, do escritório de investimentos JointVest; R$ 100 mil da empresária Luiza Trajano, presidente do Conselho de Administração do Magazine Luiza, e R$ 100 mil do ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga.

Deputado estadual do Rio, Ferreirinha reveza com Tabata o posto de maior receptor de pessoas físicas e, na segunda semana de setembro, era o líder com R$ 1,7 milhão desse tipo de doação, quase 70% do financiamento de sua campanha, agora para deputado federal.

Tabata, Rigoni e Van Hattem chegaram a Brasília no início de 2019, mas logo entraram na realpolitik pela porta escancarada pelo então presidente da Câmara, Rodrigo Maia (PSDB-RJ). Uma das chancelas dada pelo veterano foi em agosto daquele ano, quando Maia viajou a São Paulo para participar do "Roda Viva", da TV Cultura. Além da assessora e outros convidados, ele levou Tabata e Rigoni a tiracolo, que assistiram à entrevista de dentro do estúdio.

Maia precisava dos novatos para aprovar a reforma da Previdência. Tabata, Rigoni e Van Hattem votaram "sim" dois meses depois do "Roda Viva". Também souberam aproveitar o contato com os demais líderes partidários, os jantares e os convescotes tão comuns na capital para conseguir acesso a comissões e relatorias relevantes.

Muito do dinheiro dado ao trio na campanha deste ano veio dos mesmos doadores, entre eles Armínio Fraga. Hoje sócio da Gávea Investimentos, Armínio soma quase R$ 1,5 milhão em repasses a candidatos da esquerda à direita, uma alegoria das apostas para outubro.

A maior fatia repassada por Armínio até agora é de R$ 200 mil para Marcelo Freixo (PSB-RJ), que concorre ao governo do Rio. Alessandro Molon (PSB-RJ), que tenta o Senado, recebeu R$ 100 mil.

No início de 2019, Armínio estava num encontro organizado por Luciano Huck no Rio de Janeiro. Economistas, empresários e ativistas discutiam o que seria a política ambiental do presidente Jair Bolsonaro. O sentimento era de pessimismo.

Naquela noite, Guilherme Leal, da Natura, e Juliano Assunção e Beto Veríssimo, do projeto Amazônia 2030, decidiram levantar as principais lideranças ambientais para os próximos anos. Ficou decidido que a melhor aposta seria em ações com mais unidade e identidade - foi como nasceu uma iniciativa de desenvolvimento para a Amazônia, com participação de todos eles, inclusive do anfitrião global.

O grupo selecionou líderes regionais para receber doações nesta eleição, como a ativista indígena Vanda Witoto (Rede-AM), que concorre a deputada federal. Ela registra contribuições de Leal (R$ 20 mil), Huck (R$ 5 mil) e dos Moreira Salles (R$ 125 mil), ex-acionistas do Itaú e entre os que têm apostado em candidaturas à esquerda e de estímulo à diversidade.

Os irmãos já desaguaram mais de R$ 2 milhões em campanhas, como na de Freixo (R$ 200 mil), Molon (R$ 200 mil) e Jorge Viana, candidato do PT ao governo do Acre (R$ 150 mil), e também a novatos ligados a bandeiras ambientais e antirracistas. O líder do movimento negro Douglas Belchior (PT-SP) foi quem recebeu a maior fatia: R$ 250 mil.

Leal doou para quase 30 candidatos, de diversos partidos e regiões. Após o encontro organizado por Huck, ele pediu que sua equipe fizesse também uma lista de quem já tem mandato e experiência, e que poderia funcionar como ponte para políticas públicas que prioriza, como sustentabilidade. As maiores doações foram para Tabata e Rigoni, R$ 50 mil cada.

11.ago.2022 - O ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga em evento em defesa da democracia na USP - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
Armínio Fraga na leitura da Carta pela Democracia, no Largo São Francisco (SP), em agosto de 2022
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

Tudo é política

Com a sede na zona sul de São Paulo fechada desde o início da pandemia, a equipe da Raps (Rede de Ação Política pela Sustentabilidade) tem feito reuniões em escritórios de coworking. Fundada por Leal em 2012, a organização atua nas costuras entre parlamentares para caminhar com pautas que envolvam sustentabilidade e defesa da democracia.

Foi num desses encontros que a diretora-executiva, Mônica Sodré, avisou o time: vamos organizar uma lista com políticos em defesa das urnas eletrônicas, e entregar o documento ao ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, hoje presidente do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

Em 10 de agosto, quando chegou ao gabinete de Moraes, Mônica levou o manifesto "Políticos em defesa da democracia e das eleições", com 119 assinaturas de políticos de 23 partidos diferentes.

Entre outras frentes, a Raps age junto à Fundação Lemann, de Jorge Paulo Lemann, o homem mais rico do Brasil, com uma fortuna avaliada em R$ 72 bilhões.

Segundo Denis Mizne, diretor-executivo da Lemann, a instituição e seu fundador não apoiam formalmente nenhuma candidatura, mas estimulam a atuação de mais líderes negros e indígenas no Congresso. "Desde 2020, 50% dos cerca de 60 líderes selecionados anualmente pela fundação são pessoas negras ou indígenas", diz Mizne.

Das 696 pessoas que hoje compõem a rede de líderes da Lemann, 24 são políticos com mandato (como Tabata e Molon), 50% são mulheres, 50%, homens, e 30%, pessoas negras e/ou indígenas.

Entre os que investem em candidaturas de centro-direita, direita e associadas ao bolsonarismo estão Abílio Diniz, ex-dono do Pão de Açúcar, José Salim Mattar Junior, presidente da Localiza, e Rubens Ometto, dono da Cosan.

Publicamente, Diniz afirma que prefere se manter neutro na polarização — ele é sogro de Luiz Felipe d'Avila (Novo), que também concorre à Presidência e tem 1% nas pesquisas. Mas, na disputa ao governo de São Paulo, o empresário já doou para o ex-ministro Tarcísio Freitas (Republicanos), apoiado por Bolsonaro, o atual governador Rodrigo Garcia (PSDB) e o deputado federal Vinícius Poit (Novo) — R$ 100 mil para os dois primeiros e R$ 60 mil para o terceiro.

O enfraquecimento do discurso de renovação preocupa movimentos que, em 2018, projetaram candidatos com o selo de nova política e hoje tentam recalibrar a narrativa.

O advogado Erick Santos, diretor nacional do Acredito, diz que faltou equilíbrio entre ideias novas e o entendimento de como a política é feita, de fato, no Congresso. Há uma descrença em relação à proposta de renovação política, diz, e os doadores migraram para quem já deu certo, dificultando a vida dos novatos. "É preciso trazer novas ideias para a política sem negar a política ou querer substituir a política por outra coisa."

Em 2018, o Acredito apoiou 40 candidatos e quatro deles se elegeram: Tabata e Rigoni à Câmara, Ferreirinha à Assembleia Legislativa do Rio, e Alessandro Vieira (PSDB-SE) ao Senado. Em 2022, o movimento segue com o programa de lideranças, focado em consultoria, com 41 candidatos em 14 estados — 50% de mulheres e 15% da comunidade LGBTQIA+. Todos precisaram se comprometer a não apoiar Bolsonaro, inclusive sem defender voto nulo no segundo turno, o que deixou Rigoni de fora.

Maior movimento de renovação política, o RenovaBR não exige esse tipo de compromisso. Quem está à frente do movimento diz que a maior mensagem aos 358 alunos deste ano foi sobre o financiamento de campanha ser o principal obstáculo para entrar na política. Para o fundador Eduardo Mufarrej, "quem tem cargo eletivo hoje e está disputando a reeleição, se fez bom trabalho, a chance é grande de se eleger".

"Enfrentar o sistema que abriga políticos com tantos anos de mandato é uma disputa injusta e desigual", acrescenta a diretora-executiva do RenovaBR, Irina Bullara. "O sistema tem mecanismos quase intransponíveis e muito exitosos para que os mesmos permaneçam no poder."