Causas na ponta da língua: como funciona curso para futuros políticos
"A primeira resposta que tem que ter é: 'por que estou aqui?'", sugere Paulo de Tarso, 68, estrategista de comunicação política. Sentadas nas cadeiras de uma das salas do CIVI-CO Negócios de Impacto Social, em Pinheiros, as 12 pessoas não desviam os olhos do professor, que já comandou a campanha eleitoral de Franco Montoro ao Governo de São Paulo, várias do PT — entre elas a do Lula em 1989, quando criou a expressão "Lula Lá", que serviu de base para o jingle que ficou famoso — e a corrida eleitoral de Marina Silva à presidência da República, em 2010.
Vindos de várias partes do Brasil, os participantes estão concorrendo às vagas remanescentes da Jornada BR, oferecida pela escola de formação política RenovaBR. Alguns políticos eleitos já passaram por ela, como os deputados federais Tabata do Amaral (PSB), Felipe Rigoni (União Brasil) e o senador Alessandro Vieira (Cidadania). Quase 60 mil pessoas já quiseram participar do curso e quase 2 mil foram selecionadas. Dessas, mais de 170 conseguiram se eleger.
Para os participantes presentes nesta sexta-feira (18), frequentar o curso é o primeiro passo de uma meta ambiciosa: mudar a política do país. A aula de hoje é sobre narrativa política.
Logo no início, o professor entrega o primeiro segredo dessa arte: identificar a causa política e mostrar ao eleitor que precisa de poder para defendê-la. Ao que parece, essa não será uma dificuldade na estrada dos futuros políticos. Os comentários revelam que há um caldeirão de causas na sala. De educação à segurança, cada um tem a sua na ponta da língua.
O professor vai explanando, ponto a ponto, como amarrar uma causa com a conjuntura política e ganhar o voto do eleitor — tudo usando uma boa narrativa. Mas alerta que não é fácil. "Já falei para vocês. O futuro que vocês têm pela frente é sangue, suor e lágrimas. Depois não digam que eu menti", frisa Paulo. Ao final, as dúvidas ainda não foram totalmente sanadas. O espaço para as perguntas também é insuficiente. Mas a agenda extensa dessa manhã, que inclui apresentações e a dinâmica de um projeto de lei, precisa seguir.
'Sonho de representar as minorias'
Nem todos os presentes são candidatos às vagas do curso. Quem ocupa uma das cadeiras é Fayda Belo, 40, advogada criminalista que trabalha com crimes de gênero e direito antidiscriminatório. Aluna da RenovaBR da turma que começou setembro passado, ela está participando da imersão e aguarda a apresentação do grupo do qual fará parte de uma banca examinadora. Ela se apresenta como "capixaba da terra do rei Roberto Carlos".
Filha de mãe solteira, a advogada cresceu num bairro pobre de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo. Ao observar que meninas iguais a ela não conseguiam sair da miséria e raramente conquistavam um diploma universitário, agarrou-se aos estudos como uma tábua de salvação. "Foi um start para eu estudar, aprender, compreender o que pode ser realizado para que a gente não olhe uma Fayda por aí e fale: 'Ah! É raridade'. Não. Queremos todas as meninas pretas, os meninos pobres com a chance de mudarem a realidade que vivem", diz.
Graças à bolsa que conseguiu no Prouni, formou-se advogada. Depois, passou no exame da OAB (Ordem dos advogados do Brasil) com nota máxima e fez estágio na defensoria pública. Nesse período, atendeu gente muito pobre e começou a refletir sobre política. "Você sabe que a política é o que gira o mundo, né?", pergunta à reportagem do TAB. Não é de hoje que ela defende pessoas pretas, com deficiência e a comunidade LGBTQIA+. Fayda sempre fez parte de organizações que atuam em defesa desses grupos. Mas, segundo ela, chegou uma hora que isso não bastava.
Antes de flertar com a política, Fayda teve a ideia de gravar vídeos para conscientizar as pessoas sobre seus direitos com uma linguagem "leve, alegre e inclusiva, muito diferente do juridiquês que assusta tanta gente". Fez sucesso. O primeiro teve um milhão de visualizações. Motivada, incluiu denúncias no conteúdo e, assim, foi conquistando cada vez mais "crimelovers", como chama carinhosamente os seguidores que crescem a cada dia no Instagram e no TikTok.
Em 2018, candidatou-se ao cargo de deputada federal pelo PP em seu estado -- era o último dia para oficializar a candidatura. Teve cerca de 5500 votos. Embora o desempenho tenha sido considerado bom, não foi suficiente para a advogada se eleger.
Então Fayda recuou. Refletiu que, para não ser uma política a mais, precisava de conhecimento técnico. Por isso, entrou na jornada RenovaBr, depois de passar por oito fases.
No momento, não está filiada a nenhum partido e ainda não sabe se vai concorrer a um cargo político em 2022. "A gente não pode olhar um cargo como emprego. Não é um emprego. Estamos ali para representar alguém, cumprir uma missão que não é nossa. Se é assim, não podemos ultrapassar a linha tênue do que é probo, ético e honesto".
Questionada se alguém que está no poder a inspira, Fayda faz um longo silêncio. "Acho que preciso refletir mais. É triste não ter uma resposta assim tão rápida", lamenta. Por não ter certeza se está pronta para fazer a diferença no poder, está avaliando se é chegada a hora de entrar de vez na política, se ainda é cedo para isso ou se pode ser mais útil nas várias frentes em que trabalha.
Honestidade na política
Outro participante da imersão é Daniel Radar, 39. Não é a primeira vez que o servidor público frequenta as aulas do RenovaBR. Na primeira turma, em 2018, fez o curso de formação política, quando se candidatou a deputado distrital numa região administrativa carente do Distrito Federal, sua cidade. Conseguiu mais de 12 mil votos, mas acabou não sendo eleito pela regra em vigor no período e pela legenda escolhida: Cidadania.
Daniel ainda não entrou oficialmente na política, mas está envolvido com ela desde os 17 anos, quando recebeu o convite de um candidato a deputado distrital. De lá para cá, não parou mais. Foram anos aprendendo o processo das campanhas e dos mandatos. E nunca mais teve vontade de sair desse mundo.
Há dez anos, criou uma rede de comunicação comunitária — a Radar Santa Maria — que usa as redes sociais para cobrar dos políticos o cumprimento de suas promessas. Foi por causa da organização, aliás, que ele adotou esse sobrenome.
O ideal de "resgatar o verdadeiro valor do poder legislativo" trouxe Daniel de volta a essa sala. "Hoje a pessoa é eleita com uma promessa e a primeira coisa que faz é transformar o mandato num cartório do executivo, num balcão de negócios do executivo em troca da governabilidade fisiológica, do toma-lá-dá-cá. Aí o governo vai tratorando tudo com a tal da base. E essa base não representa a sociedade", discursa. Ele será candidato a deputado distrital novamente. Só não definiu ainda o partido.
Descontente com o cenário político brasileiro atual, Daniel aposta em dias melhores. Acredita que em uns 15 anos, governantes bem-intencionados sejam maioria. "Até porque a população está calejada, aprendendo da pior forma possível com esses políticos que chegam vendendo falsas promessas, e vendo os escândalos de corrupção acontecendo." É o otimismo e a vontade de revolucionar a política que embala esses 12 futuros políticos.
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