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'Isso não é coisa do homem': agroglifos intrigam moradores de Ipuaçu (SC)

O fenômeno, que começou em 2008, voltou a se repetir este ano e foi divulgado nas redes sociais pelo vereador de uma cidade vizinha - Tiago Kosinski/Reprodução
O fenômeno, que começou em 2008, voltou a se repetir este ano e foi divulgado nas redes sociais pelo vereador de uma cidade vizinha Imagem: Tiago Kosinski/Reprodução

Angélica Lüersen

Colaboração para o TAB, de Ipuaçu (SC)

01/11/2022 04h01

Eram 5h30 de 4 de outubro quando o agricultor Sérgio Antônio Girotto, 62, acordou. Preparou o chimarrão e gastou pouco mais de 25 minutos no WhatsApp até receber a mensagem de que novos círculos teriam aparecido em Ipuaçu (SC) naquela madrugada. Ele não fazia ideia, no entanto, de que as marcas estavam no trigo de sua propriedade.

Poucos passos para fora e seus olhos alcançaram a plantação. "Foi uma surpresa. Quando avistei o desenho no trigo, outras pessoas já estavam lá." Ainda que intrigado, há um tom de familiaridade na fala de Sérgio. Este não é o primeiro agroglifo que surge em sua propriedade. Em 2013, a 150 metros da atual marcação, outra forma geométrica em perfeitas proporções assinalou o início da jornada de trabalho da família Girotto.

Precisas e em perfeita simetria, as formas geométricas que há anos aparecem nesse município do oeste catarinense apresentam sempre desenhos únicos. O trigo não é arrancado nem quebrado. Ele parece dobrado num mesmo sentido e direção.

Aparição em Finados

É isso que intriga Ivaní Tedesco Girotto, 57, esposa de Sérgio. Dessa vez, ao contrário do que aconteceu em 2013, o trigo plantado no início de junho apareceu marcado no sentido horário. De um lado a outro, o desenho mede 83 metros, diz o casal.

Com pouco mais de 7.500 habitantes, entre descendentes de imigrantes italianos, alemães e poloneses e também indígenas guaranis ou kaingangues, Ipuaçu registrou o primeiro agroglifo em 2008.

Era a noite de 2 de novembro e, a poucos metros do cemitério, na propriedade de Nilson Biasotto surgiu um estranho desenho. O atual vice-prefeito do município, Nelson Brisola, 55, foi um dos primeiros a chegar ao local. "Lembro como se fosse hoje, parecia tudo colocadinho com a mão. Aquilo assustou, ainda mais por ser noite de Finados."

Os agroglifos de Ipuaçu - Tarla Wolski/UOL - Tarla Wolski/UOL
O agricultor Sérgio Antônio Girotto conta que o desenho apareceu de um dia para o outro em sua propriedade
Imagem: Tarla Wolski/UOL

Depois apareceram outros em diferentes lavouras de trigo: Toldo Velho, Vista Alegre e às margens da rodovia que corta o perímetro urbano na rodovia SC-480. "É muito perfeito para ser obra humana", acredita Nelson. "Até hoje ninguém descobriu o que trouxe isso aí. Para mim, é um sinal."

Marlon Dias, 21, morador da reserva indígena Aldeia Pinhalzinho, tinha sete anos quando viu o primeiro agroglifo do município. Foram — ele e seus colegas — em excursão da Escola Padre Antônio Vieira até o trigal próximo ao cemitério para que pudessem conhecer, ver e caminhar sobre o desenho.

"Eu estava curioso para ver como era, mas não dei muita importância." Eleni Capanema, 40, indígena kaingangue, também vê com indiferença as marcações no trigo: "Eu não tenho curiosidade. Não acredito em ET".

Os agroglifos de Ipuaçu - Tarla Wolski/UOL - Tarla Wolski/UOL
O trigo não parece arrancado nem quebrado, mas dobrado num mesmo sentido e direção
Imagem: Tarla Wolski/UOL

Entre o real e o fabulado

Nasce com os desenhos uma certa fabulação no município. As histórias narradas nas ruas de Ipuaçu alcançam as mais diversas especulações. Espaçonaves, anjos, seres extraterrestres. Criaturas que vieram à Terra em busca de água ou de ouro.

Mundo afora, os "crop circles", como são conhecidos, já foram vistos em diferentes países, suscitando debates científicos e místicos. No início da década de 1980, desenhos desse tipo geraram comoção e curiosidade na Escócia, até que, em 1991, um jornal britânico publicou uma reportagem em que os amigos Doug Bower e Dave Chorley diziam ter produzido as mais de 200 imagens por diversão.

Hoje, há grupos profissionais remunerados para fazer estes desenhos nas plantações e fomentar toda uma rede de turismo e comércio locais, com a mística sobrenatural.

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'Por que nunca ninguém viu nada? O bairro inteiro tem vista privilegiada para a plantação', diz Ivaní Girotto
Imagem: Tarla Wolski/UOL

Energia positiva

Sérgio Antônio Girotto é um dos que acreditam que se trata de "algo relacionado ao espiritualismo, porque é muito perfeito". Diz que gosta de admirar as marcas de vez em quando: "Eu me sinto bem em ir lá". E conta que outro dia recebeu uma visitante de Cascavel (PR), que foi à cidade só para conhecer os agroglifos e lhe garantiu que a "energia positiva" vem de anjos vestidos de branco que fazem os desenhos.

"Quando você estiver triste, me disse ela, o teu lugar é aqui. Eu até um pouco acredito nessas coisas", sorri ele. Ivaní concorda com o marido. "Por que nunca ninguém viu nada? Aqui o bairro inteiro tem um ponto de vista privilegiado para a plantação, tem sempre gente na rua e ninguém nunca viu nada. Fica o mistério, né?"

"Eu não tenho estudo, o que tenho é conhecimento de mundo e posso dizer que isso não é coisa do homem", diz o indígena kaingangue Candiero, 43, morador da reserva Aldeia Pinhalzinho, que prefere não dar seu nome completo — e também manter respeito e distanciamento do fenômeno. "Sempre vou ver os desenhos, mas não entro. Só olho de longe."

A conversa com a reportagem num bar da cidade é interrompida pela entrada de um freguês: "Oh, Jessiel! De quem era aquela terra ali, que deu o primeiro ET?" A partir da primeira aparição, em 2008, o fenômeno foi recorrente, mas houve uma pausa de quatro anos — até agora, em 2022, quando os desenhos voltaram.

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A indígena kaingangue Eleni Capanema não dá bola para o fenômeno: 'Não acredito em ET'
Imagem: Tarla Wolski/UOL

Ufoturismo

Com as novas fotos aéreas postadas numa rede social pelo vereador Tiago Kosinski (PL), da cidade vizinha de Abelardo Luz, a 17 quilômetros de Ipuaçu, o interesse turístico pela região foi reavivado. Visitantes chegam de ônibus, dos municípios vizinhos e de outros mais distantes, para conferir: especialistas, ufólogos, pesquisadores, sensitivos, médiuns e, sobretudo, curiosos.

Há quem leve um maço do trigo para casa, medite com devoção no centro do agroglifo ou jure voltar com uma energia diferente.

Para tentar desvendar o mistério, o diretor do Museu de Ufologia, História e Ciência de Itaara (RS), Hernán Mostajo, decidiu protocolar uma solicitação junto à Agência Espacial Brasileira para solicitar imagens de satélite nas coordenadas onde o último desenho apareceu na propriedade dos Girotto.

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Para o vice-prefeito Nelson Brisola, 'é muito perfeito para ser obra humana'
Imagem: Tarla Wolski/UOL

"É de interesse da comunidade científica dar uma resposta plausível para esse tipo de fenômeno. Porém, ainda não há previsão de data para divulgar tal resposta, qualquer que seja ela", afirma, sem esconder seu ceticismo. "Se por acaso", continua Mostajo, "tivermos a comprovação pelas imagens de que o desenho surgiu a partir do nada, aí sim entraremos em outra área e buscaremos as ferramentas para encontrar uma resposta".

Mas aposta, com ironia, em outro desenlace: "Quem sabe seremos o primeiro país do mundo a provar que os desenhos são feitos por seres humanos disfarçados de extraterrestres?"