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'Boicote aos lojistas comunistas!': a disputa eleitoral no interior de MG

Campanha acirrada para o segundo turno nos municípios mineiros: em Pará de Minas, Bolsonaro predomina; em Sabinópolis, Lula sai na frente - Alexandre Rezende/UOL
Campanha acirrada para o segundo turno nos municípios mineiros: em Pará de Minas, Bolsonaro predomina; em Sabinópolis, Lula sai na frente Imagem: Alexandre Rezende/UOL

Leandro Aguiar

Colaboração para o TAB, de Pará de Minas e Sabinópolis (MG)

28/10/2022 04h01

Anoitecia na segunda-feira (24) quando integrantes da Resistência Democrática de Pará de Minas se reuniram na praça da paróquia Nossa Senhora da Piedade, no centro da cidade de 95 mil habitantes, a 85 km de Belo Horizonte. Eles empunhavam bandeiras estampadas com o rosto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e distribuíam panfletos com propostas de campanha a quem retornava para casa após o expediente.

Alguns motoristas os cumprimentavam. "Cambada de idiotas!", gritou um motoqueiro. "Aqui é Bolsonaro!", declarou outro. "Faz isso não, Gabriel!", rogou o condutor de um carro prata com a bandeira do Brasil no capô. "É sempre assim", disse o funcionário público Gabriel Gomes, 40. "A cidade é muito conservadora. Eles acreditam que a esquerda realmente vai trazer o comunismo para o Brasil."

No primeiro turno da eleição, Jair Bolsonaro (PL) recebeu 56% dos votos paraminenses, ante 33% de Lula — percentual menor, porém, que o verificado no primeiro turno de 2018, quando o atual presidente marcou 62%, contra 12% de Fernando Haddad (PT).

Parte desse desgaste, acreditam os integrantes da Resistência, se deve à má gestão de Bolsonaro na pandemia, mas também aos trabalhos que, a despeito dos xingamentos, o grupo realiza desde 2021.

Campanha eleitoral nas cidades mineiras - Alexandre Resende/UOL - Alexandre Resende/UOL
Carlos Wagner, Angellita dos Santos, Arlete Silva e Denis Fagundes, do grupo Resistência Democrática
Imagem: Alexandre Resende/UOL

Guerra de outdoors

Movimento antagônico à Resistência Democrática, o Direita Minas surgiu em meio ao impeachment de Dilma Rousseff (PT) em Belo Horizonte e, em 2018, criou uma célula na cidade. O vidraceiro e estudante Marcos Soares, 22, é membro da agremiação. "Nossa ideia é combater o mal em si", acredita. "Lutamos pelos valores da família. Querem que a gente engula que um homem e outro homem podem formar um conceito de família."

Uma das principais referências do Direita Minas é o vereador belo-horizontino Nikolas Ferreira (PL), recém-eleito deputado federal. Para defender a reeleição de Bolsonaro, o grupo organizou carreatas e cultivou proximidade com vereadores locais que, nas sessões legislativas, costumam tecer elogios ao governo.

A crise sanitária durante a pandemia não enfraqueceu as convicções do Direita Minas. Em agosto de 2021, numa avenida da cidade, eles financiaram um outdoor que parabenizava a administração "sem corrupção" do atual governo. Como o Brasil contabilizava à época mais de 500 mil mortes pela doença, a professora Solange Gomes, 60, e sua filha, a fotógrafa Esther Magalhães, 23, indignaram-se. Fizeram uma vaquinha para pagar outro outdoor, denunciando a conduta negacionista de Bolsonaro. Assim surgiu a Resistência Democrática.

"O objetivo era mostrar que existiam muitas pessoas que não concordavam com as atrocidades promovidas pelo presidente", diz Gomes. Em outubro de 2021, o grupo organizou um protesto em que centenas de paraminenses caminharam pela rua principal da cidade — suportando um ou outro desaforo, como mostram vídeos publicados nas redes sociais.

No meio político, uma única adesão foi registrada: a da vereadora Irene Melo Franco (PSB), 48, sétima mulher a ocupar uma vaga no legislativo municipal nos 163 anos de história de Pará de Minas. "Posso até perder votos, mas no cenário que vivemos, não posso ficar em cima do muro: escolhi o que acho correto para a democracia", explicou a vereadora, que declarou voto em Lula.

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A vereadora Irene Melo Franco (PSB), sétima mulher a ocupar vaga no legislativo paraminense em 163 anos
Imagem: Alexandre Rezende/UOL

'Boicote aos lojistas comunistas'

O receio da vereadora não é acaso. Uma lista com o nome de lojistas e profissionais que votaram em Lula circulou nos grupos de WhatsApp da cidade, exigindo "boicote aos comunistas". Uma advogada, que pediu para não ser identificada, constava nela. "Fiquei muito triste ao ver o meu nome. Não pelas perdas financeiras que estou sentindo, mas pelos rumos que a sociedade está tomando. É uma atitude discriminatória, que mexe com o meu ganha-pão", diz.

Uma lojista, que atende a classe mais rica de Pará de Minas, lamenta que a lista tenha "surtido o efeito desejado". "Meus clientes, em geral, são bolsonaristas. Fui obrigada a me calar, do contrário entraria em falência. Senti na pele o que os indígenas, os negros e os LGBTs sentem todos os dias — e o que os judeus sentiram nos anos 1930 e 1940", conta ela, que também pediu anonimato.

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O vidraceiro Marcos Soares, do grupo Direita Minas
Imagem: Alexandre Rezende/UOL

Vermelho vivo

O cenário é outro em Sabinópolis, 275 km a nordeste da capital mineira, onde vivem 15 mil pessoas. Lá, Lula venceu com 71% dos votos e Bolsonaro obteve 23% — ainda que um desavisado que ande pelo centro da cidade, onde predominam bandeiras e adesivos verde-amarelos, possa imaginar que a situação é inversa.

A manicure Sheila Rocha, 28, que distribui panfletos para a campanha do atual presidente, alertou a reportagem para que ela não se deixe enganar. "Aqui é difícil, moço, quase ninguém quer saber do Bolsonaro... Os preços das coisas subiram demais, e o governo não teve tempo de fazer muita coisa, por conta da pandemia, né?". Ela está "fechada com o 22". Evangélica e mãe de uma menina de 4 anos, ela se justifica: "Não quero a minha filha entrando num banheiro unissex com homens mais velhos", fazendo referência a uma das mentiras que circulam na campanha eleitoral.

Prefeito da cidade, Beto Mourão (PT), 58, considera que há um corte evidente entre o centro e as periferias. "Há uma memória em relação ao governo Lula muito positiva aqui. A ascensão social dos mais pobres é o que fundamenta esse apoio maciço."

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A manicure sabinopolense Sheila Rocha (ao centro), evangélica e mãe de uma menina de 4 anos
Imagem: Alexandre Rezende/UOL

'Prefeitura cheia de pretos'

Também a atual gestão municipal, entende Vânia Lessa, 40, secretária de Administração da prefeitura, tem méritos no sucesso petista nas urnas. Em uma cidade tradicionalmente governada por fazendeiros, ela é uma das primeiras funcionárias negras a ocupar o alto escalão. "Nosso mandato é inclusivo, o que incomoda parte da dita elite. Nos grupos de WhatsApp, chegaram a reclamar que a prefeitura está cheia de pretos e de mulheres", denuncia ela.

O corretor Aristides Mota, 47, aposta em ações como os "adesivaços" de carros, patrocinados por empresários locais, para conter a sangria de votos. Seu argumento para tentar convencer indecisos é o econômico. "Luciano Hang, dono da Havan, um dos empresários mais conceituados do país, já disse que com Lula os investidores ficam com medo de colocar dinheiro no país", acredita.

Em Sabinópolis, porém, mesmo entre empresários o PT conta com apoio amplo. Silvério Barroso, 58, comerciante de madeira, "tem meia dúzia de empregados", mas se diz "de esquerda". Acompanhado de sua inseparável toalha de Lula, ele costuma ser mal encarado quando se distancia dos limites de Sabinópolis. "O ódio está solto no Brasil", lamenta. Para Silvério, a direita teve "a faca e o queijo na mão" para ser reeleita. "Bolsonaro podia ter feito um bom governo, mas acontece que ele é uma péssima pessoa."

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A secretária de Administração Vânia Lessa, ao lado do prefeito de Sabinópolis, Beto Mourão (PT): alvo de racismo
Imagem: Alexandre Rezende/UOL

Sem voto 'Luzema'

Como exemplo do "mau caráter" de certos bolsonaristas, um veterinário disse, sob anonimato, que empresários locais do agro têm reunido seus funcionários e exigido votos em Bolsonaro. Caso o presidente seja derrotado, eles ameaçam com demissões. "Felizmente o voto é secreto, e aqui na cidade esse jogo sujo não cola", diz ele.

O vaqueiro Reginaldo Oliveira, 39, vive afastado do centro. Seu voto no dia 30 de outubro será — "e sempre foi" — no 13. "É o partido dos trabalhadores, né? Não consigo votar em outro", diz.

Esposa de Reginaldo, a diarista Dislene Silva, 37, não vê a hora de comemorar o possível fim do governo Bolsonaro. "Vamos fazer um festão aqui. Esses anos foram complicados demais. O preço dos alimentos explodiu." Segundo ela, o atual presidente não tem vez em Sabinópolis. "Com ele, não queremos nem conversa."

Nos dois municípios visitados pela reportagem do TAB, pelo menos, o chamado voto "Luzema" — em Lula para presidente e no governador reeleito Romeu Zema — não predominou e a disparidade de votação para a presidência se repetiu com números semelhantes à disputa para governador.

Na bolsonarista Pará de Minas, o reeleito Zema, apoiador do presidente, recebeu 68,74% dos votos contra 22,62% do ex-prefeito de Belo Horizonte Alexandre Kalil, que teve o apoio do PT. Na lulista Sabinópolis, Kalil obteve 62,17% dos votos contra 33,69% de Zema.