'Agora posso ser eu': ex-bolsonarista, Frota acena à esquerda e mira 2024
Na manhã de 18 de outubro, 14 dias depois de se desfiliar do PSDB e quatro após completar 59 anos, Alexandre Frota entra num escritório num shopping center em Cotia, na região metropolitana de São Paulo. "Ontem protocolei dez projetos. Não parei de trabalhar", diz o ex-ator carioca, que cumpre os últimos meses de mandato de deputado federal por São Paulo. O parlamentar tem trabalho duas vezes por semana em Brasília, e, nos demais dias, despacha nessa sala de 30 m² adornada de bonequinhos de super-heróis e um de Freddie Mercury, livros de Eduardo Suplicy (PT), fotos de família, uma caveira de óculos e uma imagem de Nossa Senhora.
"Tô saindo limpo, com o dever cumprido, mas me fodi", conta ele, eleito pelo PSL com mais de 155 mil votos em 2018. Em 2 de outubro, amargou no PSDB apenas 24 mil votos. "Sempre soube que não seria eleito. Ninguém sai impune do bolsonarismo."
Frota já viveu várias vidas nesta vida. Foi ator, astro pornô, participante da Casa dos Artistas, idealizador d'A Fazenda, funkeiro, ídolo da direita radical, bolsonarista, ex-bolsonarista fervoroso, tucano e, agora, faz o "L" de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "Cada voto é importante, Gleisi. Não é hora de remoer o passado", escreveu no WhatsApp para Gleisi Hoffmann, a presidente do partido.
Frota apoiou Rodrigo Garcia (PSDB) e fez oposição ao candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos) na disputa pelo governo paulista. Irritado, bate na mesa ao citar o apoio de Rodrigo a Bolsonaro e a Tarcísio no segundo turno contra Fernando Haddad (PT). "Ninguém sabia que ele [Rodrigo] ia aprontar essa. Se eu soubesse, teria feito o 'L' antes", diz o parlamentar, que vestia jeans e camisa preta no escritório, exibindo ao lado um boné "Lula 2022" e uma camiseta da FPD (Frente Popular Democrática), uma liga fundada por ele com 130 antibolsonaristas, "de advogado a pedreiro". Foi com um boné da FPD que o parlamentar visitou recentemente assentamentos sem-terra para, nas suas palavras, sinalizar que "precisamos estar de mãos dadas nesse momento". "Vote 13", tuitou, no dia.
"Só o fato de não estar no orçamento secreto já me faz um cara diferenciado", diz, referindo-se ao acordo entre o governo Jair Bolsonaro (PL) e o Congresso para que parte das verbas federais seja administrada por parlamentares. "Já não é tão secreto assim", diz Frota — segundo ele, dos 513 deputados, mais de 300 participam do sistema.
"É dentro do próprio plenário. Chega um emissário: 'Oh, hoje vai ter uma votação importante. Vai votar com a gente? Tem xis milhões reservados em emendas'", relata. "Às vezes é na sala do General Ramos [Luiz Eduardo Ramos]. Ele vem sendo o operador das emendas extras e secretas há um tempo."
"Para votar nos R$ 600 [o Auxílio Brasil, aprovado pelo Congresso em julho] me ofereceram R$ 50 milhões em emendas", revela ele, sem citar nomes. "Eu já ia votar a favor dos R$ 600 de qualquer jeito. Nunca vendi um voto lá dentro — e não foi por falta de oportunidade", diz. "Não saio pra jantar com eles [políticos corruptos]. Não saio pra comer puta com eles. Nunca saí pra festinha em Brasília."
Frota atribui ao orçamento secreto certa blindagem ao governo federal, apesar dos escândalos. "Porra, Bolsonaro não é corrupto? Como alguém compra 51 apartamentos em dinheiro vivo? Tinha um ministro negociando em barra de ouro [Milton Ribeiro], outro que é caixa 2 confesso [Onyx Lorenzoni]. E aquele senador pego com dinheiro na cueca, vice-líder do governo Bolsonaro [Chico Rodrigues]? Como tudo isso passou? Por causa do orçamento secreto", diz.
"Capitão Nascimento já falava que o sistema é foda, entendeu?", indaga, fazendo referência ao protagonista dos filmes "Tropa de Elite". "O sistema é muito bruto."
'Um puta dum faixa branca'
Frota foi eleito embalado pela onda bolsonarista, mas não demorou para subir ao plenário e revelar num discurso os bastidores de um episódio na transição de 2018-2019, quando o deputado federal Osmar Terra (MDB) declarou que seu único conhecimento sobre cultura, pasta que assumiria no novo governo, era tocar berimbau. Bolsonaro ligou para Frota pedindo ajuda. "Encontra seis secretários, monta esse cinturão embaixo do Osmar, eu assino e tá feito", teria dito o presidente.
Frota conta que fez o que Bolsonaro pediu, montou um time e, no fim de 2018, procurou Terra, que lhe sugeriu conversar sobre o assunto só em janeiro de 2019, pois tinha viagem marcada para o Canadá. O deputado novato foi até o aeroporto para apresentar a equipe ao futuro secretário — entre eles, o roteirista de TV Carlos Lombardi. Depois, Frota descobriu que os indicados não foram contactados por Terra. "Ali percebi que eu, um puta dum faixa branca começando em Brasília, já tomei uma pelas costas", lembra.
Osmar Terra e Onyx, à época chefe da Casa Civil, optaram por um pessoal gaúcho, conterrâneos de ambos, para compor a pasta. Frota procurou o presidente. "Ele disse: 'não quero saber dessa merda, já estou puto com a classe artística. Daniela Mercury com a hashtag #EleNão, só me fodem, quero que se fodam'. E encerrou", relata. "Bolsonaro, Onyx e Osmar: eu não sou palhaço", disparou, na Câmara, deixando os companheiros do PSL espantados.
Dias depois explodiria o caso Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro (PL) e pivô do escândalo da "rachadinha". Frota então pediu a prisão de Queiroz. "Meu pai tá puto contigo. Quer me foder, cara? Quer foder meu pai?", teria lhe perguntado Flávio, o filho 01 do presidente. Bolsonaro pediu a saída de Frota do partido, e os deputados federais Carla Zambelli e Daniel Silveira, bolsonaristas fiéis, abriram um abaixo-assinado.
Frota então decidiu sair do PSL e se viu alvo de ameaças de morte. "Sei como funciona porque estive lá dentro? Talvez eu tenha sido um dos poucos que tenha visitado o gabinete do ódio", lembra. Segundo o deputado, trata-se de uma sala no Palácio do Planalto, a 30 metros do gabinete do presidente. "Os robôs começam a funcionar, vem a militância orgânica, os milicianos digitais começam a reproduzir, e daí eles colocam nas minhas costas a pecha de que eu traí Bolsonaro", diz. "Sou o antibolsonarista número 01, entendeu?"
Três dias depois, Frota foi aceito no PSDB. Na época, frisou que não pediria desculpas a Geraldo Alckmin (então no PSDB) por xingamentos que tinha feito ao ex-governador. Com o tempo, mudou de ideia e se desculpou com o político, agora no PSB, que é vice na chapa de Lula. "Pedi na segunda-feira, 9h da manhã, sentado nessa mesa aqui, depois que não fui eleito."
Nos tempos de PSDB, Frota foi titular da comissão de cultura, coordenador da CPMI das fake news e convidado para integrar a comissão de direitos humanos. "Lá entendi como a política pode ajudar as pessoas", diz. Hoje, ele se considera progressista — nos últimos quatro anos, foi o parlamentar que apresentou mais projetos de lei em defesa das mulheres, por exemplo. Fontes de Brasília dizem que Frota "muitas vezes votou mais pela esquerda que a própria esquerda".
O parlamentar se desfiliou do PSDB logo após Rodrigo declarar apoio a Bolsonaro e Tarcísio. Despediu-se com certa mágoa, conta que não teve verba para a campanha por não integrar a "panela" do partido. O ex-governador João Doria também saiu da sigla, na última quarta-feira (19) — ele e Frota conversaram dias antes. "Não esperava outra coisa dele. João não pode compactuar com o que Rodrigo e o PSDB estão fazendo", diz. Ao TAB, Doria descreveu Frota como um deputado federal correto, corajoso e leal. "Tem minha amizade."
'Um bad boy que chora'
Filho do produtor de TV Antonio Carlos, conhecido como Formigão, e de Laís Frota, secretária da reitoria da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), Alexandre Frota nasceu com 5,2 kg no Rio de Janeiro, em 1963. Mudou-se com a mãe para a Tijuca após o divórcio dos pais. Ainda criança, visitou os estúdios da Globo e ficou fascinado, conta a biografia "Identidade Frota", de Pedro Henrique Peixoto.
Alexandre quase entrou na Marinha, mas mudou de script e foi fazer teatro no Tablado. Estreou no cinema com "Menino do Rio", em 1982, e na TV com a novela "Vereda Tropical", em 1984. Na década de 1990, mudou-se do Rio para São Paulo.
Carlos Alberto de Nóbrega, humorista e diretor do SBT, declara-se fã de Frota, hoje um cara fortão, de 1,89 m e 120 kg, de voz grossa e sotaque sempre carioca. "Ele não tem nada de agressivo. É um bad boy que chora", diz Nóbrega, puxando da memória a vez que passaria por um cateterismo e, ao ouvir a notícia do amigo, o ator saiu chorando do camarim.
Um dos seus melhores amigos é o ator Raul Gazolla, com quem contracenou na novela "De Corpo e Alma", de Glória Perez, que foi ao ar entre 1992 e 1993. "Alexandre é um cara sensível. É um irmão que nunca te deixa na mão", conta. Depois do assassinato de Daniela Perez, lembra Gazolla, viúvo da atriz, Alexandre ficou um ano a seu lado. "Ele me convidou para ir a São Paulo para a peça 'Splish-Splash'. Ele me convidou, na verdade, para me dar a atenção de que eu precisava."
A atleta Fabiana Frota, com quem ele é casado desde 2011, estava confiante na sua vitória nas urnas, mas garante que ele não se deixou abalar pela derrota. "A sinceridade dele dói. É o cara mais verdadeiro que eu já vi", conta ela. Já ele diz que sabia que perderia. "Precisava passar por isso pra me libertar de todas as amarras que me deixaram no bolsonarismo."
Eles são pais de Bella, 3, e Enzo Gabriel, 15 - o Projeto de Combate à Fome Enzo Gabriel, iniciativa que oferece quentinhas solidárias três vezes por semana no centro de São Paulo, faz homenagem ao filho. "Entre 2020 e 2022, a fome dobrou nas famílias com crianças de até dez anos de idade. E o número total de pessoas que passam fome superou os 33 milhões", cita. Com a personal trainer Samantha Gondim, ele teve Mayan, 23, que mora na Bélgica.
Autor de 800 projetos de lei (399 aprovados), ele se orgulha de seus projetos sociais. No escritório, expõe homenagens que recebeu como parlamentar, entre elas, uma da Prefeitura de Petrópolis, por seus esforços humanitários durante os deslizamentos que deixaram mais de 200 vítimas na região metropolitana do Rio. Recém-filiado ao Pros, ele diz que já está se preparando para 2024. "Ainda não sei se para vereador, para prefeito de Cotia?", conta, com um sorrisinho. "Agora eu posso ser eu."
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