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Bolsonarista, padre que abandonou missa critica 'comunismo' e cultos afro

Théo Mariano

Colaboração para o TAB, de Nerópolis (GO)

09/11/2022 04h01

A pequena Nerópolis, cidade de 30 mil habitantes na região metropolitana de Goiânia, viralizou no país por mais um conflito político dentro de uma igreja. A discórdia, que aconteceu no domingo (6) e foi gravada em vídeo, se deu na Paróquia Imaculado Coração de Maria, tendo como protagonista o próprio padre, Danillo Joaquim Costa Neto, 35.

Pouco antes de a celebração começar, às 19h, os fiéis se preparavam para ouvir a palavra de Deus, quando padre Danillo se envolveu em um acalorado bate boca com jovens que estavam em frente à igreja. Segundo o sacerdote, eles estariam vendendo drogas. "Agora, façam o L", teria provocado Danillo, em referência ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Os rapazes atenderam ao pedido, deixando-o enfurecido.

Padre Danillo então teria subido ao altar e exigido que todos os fiéis eleitores de Lula deixassem a igreja. A informação, que não aparece no vídeo, foi confirmada por frequentadores que estavam no local. Uma mulher idosa pediu ao padre que não falasse de política ali dentro — e, no ápice da discussão, disse que não precisava do sacerdote.

"É? Então, beleza. Vocês não precisam de padre. Então, estou deixando a paróquia", diz Danillo Neto no vídeo que circulou na internet, retirando às pressas a batina, que caiu no chão, e deixando o altar.

"Foi um choque", conta um homem que trabalha num posto de gasolina e estava presente na missa, mas não quis se identificar. "Ninguém esperava por essa reação. Eu acredito que fizeram o 'L' para provocar o padre mesmo. Ele [Danillo] sempre foi bolsonarista declarado e se pronunciava contra o comunismo nas missas." Outros frequentadores da igreja confirmam a informação.

Paróquia Imaculado Coração de Maria, em Nerópolis (GO) - Théo Mariano/UOL - Théo Mariano/UOL
Paróquia Imaculado Coração de Maria, em Nerópolis (GO), vazia na terça-feira (8)
Imagem: Théo Mariano/UOL

'Abalado e sem dormir'

Nas ruas desniveladas de Nerópolis, com recapeamento malfeito e sem qualquer movimento nesta terça-feira (8), é difícil encontrar quem se disponha a falar do episódio. Nenhum sinal também de padre Danillo, que mora em frente ao templo, na casa paroquial, mas não quis se pronunciar.

A paroquiana Celi Cândida foi quem atendeu a porta. "Uma coisa eu garanto: o padre não vai falar hoje. Ele está muito abalado, não conseguiu dormir, ficou acordado a noite inteira. Eu até dei um remédio para ele conseguir dormir, está sem qualquer condição emocional de lhes atender", disse a colaboradora da igreja.

Cândida conta que o padre cogita, inclusive, renunciar ao posto. "Só que o bispo não aceitou a renúncia dele, disse para esfriar a cabeça e ficar uns dias quieto, sem se manifestar, até que tudo se resolva."

O padre Danilo Neto, da Paróquia Imaculado Coração de Maria, em Nerópolis (GO) - Reprodução/Instagram - Reprodução/Instagram
'Vocês não precisam de padre. Então, estou deixando a paróquia', disse Danillo, no domingo (6)
Imagem: Reprodução/Instagram

Neste momento, saiu da casa um homem com cabelos grisalhos que não se identificou e puxou a mulher pelo braço: "Vem para dentro, Celi, você não tem nada que falar com esse povo".

A Diocese de Anápolis, responsável pela Paróquia Imaculado Coração de Maria, nega que o pedido de renúncia de padre Danillo tenha ocorrido. "Não existe nenhuma conversa sobre isso", respondeu ao telefone uma funcionária que se identificou como irmã Marília. "O único posicionamento da Diocese já foi divulgado e não falaremos mais sobre o assunto."

Em nota divulgada no dia 7, a Diocese de Anápolis diz "lamentar profundamente" o episódio. "O Bispo diocesano, ao tomar conhecimento do fato, está acompanhando pessoalmente a situação e tomará as devidas providências", diz o comunicado.

A diocese também repudia no texto atos de intolerância: "Reiteramos a posição não partidária da igreja e repudiamos qualquer ato de intolerância. Rogando ao Senhor Deus pela unidade e a paz, a Diocese de Anápolis convida os fiéis a rezar pelo sacerdote e pela comunidade."

Paróquia Imaculado Coração de Maria, em Nerópolis (GO) - Théo Mariano/UOL - Théo Mariano/UOL
Padre Danillo mora em frente à igreja, na casa paroquial, mas não quis se pronunciar
Imagem: Théo Mariano/UOL

'Então, para que ser padre?'

Apesar do silêncio diante da imprensa, padre Danillo segue ativo nas redes sociais, com publicações contra o PT.

Em uma postagem nos stories feita na segunda-feira (7), o sacerdote publicou aquela que teria como "sua única resposta" sobre a polêmica. A imagem trazia o print de uma conversa, na qual o padre cita que alertava a população local sobre o "mal do comunismo".

"Eu fiquei com muita raiva", diz trecho da mensagem encaminhada pelo padre no Instagram. "Eu deixei tudo porque não tenho mais estrutura. Se eu não posso pregar a verdade, então para que ser padre?"

A última postagem de Neto, na terça, é uma arte em fundo preto com os dizeres "censurado". Na legenda, o sacerdote afirma que "vivemos em uma sociedade doente, onde [sic] a verdade não pode ser dita". "Padres que só discursam pra agradar. Em Aparecida [SP] vi essa semana até missa afro, com mãe de santo ao fundo."

Wilson Sena Ferreira, 62, frequenta há 20 anos a Paróquia Imaculado Coração de Maria, em Nerópolis (GO) - Théo Mariano/UOL - Théo Mariano/UOL
'Igreja é lugar de acolhimento', diz Wilson Sena Ferreira, aposentado que frequenta a paróquia há 20 anos
Imagem: Théo Mariano/UOL

'Vídeo foi obra de Deus'

Em frente à igreja, um senhor de chapéu de palha e blusa de manga longa, questiona a acusação feita por padre Danillo. Wilson Sena Ferreira, o Lourim, 62, aposentado, diz frequentar a igreja há mais de 20 anos. "Sou responsável por cuidar aqui da quadra que fica em frente à igreja. Os jovens se reúnem para jogar truco, conversar, mas eu nunca admiti que vendessem ou utilizassem maconha aqui."

Para seu Lourim, a divulgação do vídeo foi "obra de Deus".

"Isso tudo foi para mostrar o que estava acontecendo aqui na igreja e em muitos outros templos por aí. As pessoas não podem misturar política e religião. Igreja é lugar de acolhimento", diz o aposentado. "Apesar de tudo, não concordo também com o que a mulher fez. Não é certo questionar um padre daquela maneira. Ele é um ser humano como nós e também erra."

Apesar do incidente que expôs a cidade, Lourim defende a liberdade do padre de se manifestar politicamente na igreja. "Lógico que ele, como um líder, precisa trazer sua opinião. Mas já foi decidido, a população escolheu Lula e a partir do dia 1º de janeiro vamos todos precisar trabalhar da mesma forma."

Errata: este conteúdo foi atualizado
A primeira versão deste texto se referia à cidade de Aparecida (GO); o correto é Aparecida (SP). O texto foi atualizado.