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'Travou geral!': com bloqueio, passageiros viram a noite nas rodovias de SC

Passageiros aguardam a liberação das rodovias sentados nas barreiras de proteção da estrada - Carmen Lúcia Krause/Arquivo pessoal
Passageiros aguardam a liberação das rodovias sentados nas barreiras de proteção da estrada
Imagem: Carmen Lúcia Krause/Arquivo pessoal

Plínio Lopes

Colaboração para o TAB, de Curitiba

31/10/2022 11h32

Na noite de domingo (30), pouco depois da confirmação da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), viralizou um vídeo em que um homem branco, de boné e camiseta com a bandeira do Brasil convoca caminhoneiros e manifestantes bolsonaristas para bloquear as estradas. "Travou o Brasil. Não podemos liberar. 72 horas para o Exército tomar conta. Não libera nada. Travou geral", diz o homem não identificado no vídeo. "Joinville travou, Criciúma travou, Itajaí, São Paulo, Curitiba, Rio de Janeiro, Nordeste. Travou geral!"

Cerca de uma hora antes, às 19h, Maria Aparecida dos Santos, 53, havia saído de Florianópolis com destino a Santos (SP) para um compromisso de trabalho. Percorreu pouco mais de 180 km em 3 horas de viagem pela BR-101 quando o ônibus parou em Joinville (SC). Ela havia chegado a um dos pontos da manifestação dos caminhoneiros.

De acordo com a PRF (Polícia Rodoviária Federal), existem pelo menos 70 pontos de paralisação nas rodovias federais em 12 unidades da federação. Destes, 20 são em trechos de Santa Catarina, 12 em Mato Grosso, e oito em Mato Grosso do Sul e no Rio Grande do Sul.

Com sinal de internet irregular, Maria Aparecida conseguiu fazer apenas contatos esporádicos com a filha, Maria Clara Santos Garcia, 24. A filha, por sua vez, tenta cobrar a PRF e a concessionária da rodovia pelas redes sociais e por ligações telefônicas — todas sem sucesso.

O ônibus de Maria Aparecida tem crianças e idosos que estão sem comida e sem água. Para economizar energia, o ar-condicionado também precisou ser desligado, fazendo com que os passageiros tivessem de descer, por causa do calor.

"Minha mãe me disse que muitas pessoas estão apoiando o que está acontecendo. Mas ouviu alguns caminhoneiros preocupados em não conseguir trabalhar", conta Maria Clara. "Ela disse que está bem assustada e até com medo de se manifestar porque o ônibus está bem dividido no apoio à paralisação", finaliza.

Em nota, a PRF disse que "está negociando a liberação da rodovia de forma pacífica". Ao ser questionada sobre idosos e crianças que estariam sendo retidos pelos bloqueios e falta de alimentos, a instituição disse que "em cada lugar a situação é diferente" porque "não há liderança para negociar".

O presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Caminhoneiro Autônomo e Celetista na Câmara, o deputado Nereu Crispim (PSD), criticou a ação e disse que os manifestantes não representam a categoria. A deputada federal Carla Zambelli (PL), uma das mais fiéis apoiadoras do presidente Jair Bolsonaro (PL), felicitou os caminhoneiros e pediu para que eles "permaneçam" na manifestação. Desde a madrugada, os caminhoneiros já começaram a se articular e a se organizar em grupos no Telegram e no WhatsApp.

Devido a bloqueio de caminhões, ônibus estão parados a mais de 12 horas na BR-101 - Carmen Lúcia Krause/Arquivo pessoal - Carmen Lúcia Krause/Arquivo pessoal
Devido a bloqueio de caminhões, ônibus estão parados a mais de 12 horas na BR-101
Imagem: Carmen Lúcia Krause/Arquivo pessoal

'Por que eles não aceitam agora?'

Alana Petrazzini, 24, estuda medicina na Unesa (Universidade Estácio de Sá) em Jaraguá do Sul (SC). Saiu de Curitiba perto das 23h para chegar a tempo da aula nesta segunda-feira (31) e, até as 11h da manhã, continuava parada na estrada perto de Pirabeiraba (SC).

A estudante relata que as pessoas em seu ônibus estão revoltadas por não poderem ir pra casa ou trabalhar. "Pelo menos, paramos perto de um posto de gasolina, então conseguimos ir até o comércio para comer e ir ao banheiro. Mas não tivemos suporte, nem informação. Não sabemos o que está acontecendo."

A universidade divulgou uma nota afirmando que os alunos que estão presos nos bloqueios não serão prejudicados. "Eu vou esperar liberar até a hora do almoço, se não, vou tentar pegar um mototáxi para ir até Joinville porque pelo menos lá tem mais estrutura", conta.

Já Carmen Lúcia Krause, 30, saiu à 00h20 de Joinville com destino a São Paulo. O trânsito parou alguns minutos depois, perto da 1h da manhã, em Pirabeiraba, a cerca de 20 km da cidade de origem. "Tem gente que está bem desesperada, já até choraram. Outros estão mais tranquilos e aguardando", afirma. "Mas a sensação é de que a polícia rodoviária não está fazendo nada".

Carmen é publicitária e às 10h da manhã já deveria estar em São Paulo. "Passou um homem de moto com uma blusa militar, mas que claramente era um civil, dizendo que deveríamos voltar para casa porque a manifestação iria durar horas."

Ela cogita voltar a pé para Pirabeiraba e de lá tentar chegar a Joinville. "Acho que vou voltar a pé, já que a empresa não faz nada para tirar a gente daqui. Minha bagagem também não é muita coisa. Mas tem idosos e pessoas com crianças de colo aqui que eu não sei como vão fazer."

Maria Clara conta que pensou em tentar buscar a mãe de carro, mas os dois sentidos da BR-101 estão bloqueados e ela não conseguiria chegar até lá. "Estamos preocupadas com a situação dela parada na estrada sem saber como as coisas irão se desenrolar. Não sabemos quanto tempo isso vai durar, nem como irão reagir caso tenha que desbloquear as rodovias", relata.

"Eles ganharam em 2018 graças ao maior número de votos. Por que não podem aceitar [a derrota] agora, da mesma forma que o lado hoje vencedor aceitou há quatro anos?", indaga.

Caminhões interrompendo o tráfego na BR-101, na altura de Pirabeiraba (SC) - Carmen Lúcia Krause/Arquivo pessoal - Carmen Lúcia Krause/Arquivo pessoal
Caminhões interrompendo o tráfego na BR-101, na altura de Pirabeiraba (SC)
Imagem: Carmen Lúcia Krause/Arquivo pessoal