Topo

'Ei, Kiddo!': no 'maid café' de SP, atendentes são figuras de mangá e anime

O japonês Jony Onuki, 24, é sócio e barista do Chest of Wonders, na Liberdade, onde as bebidas são coloridas e garçonetes atuam ao gosto do freguês - Claudia Castelo Branco/UOL
O japonês Jony Onuki, 24, é sócio e barista do Chest of Wonders, na Liberdade, onde as bebidas são coloridas e garçonetes atuam ao gosto do freguês Imagem: Claudia Castelo Branco/UOL

Claudia Castelo Branco

Colaboração para o TAB, de São Paulo

01/12/2022 04h01

"Olá, mestre. Seja bem-vinda", diz a jovem de 22 anos, de vestido rosa e branco ao estilo vitoriano do século 19, avental com um laço de patinhas bordadas e tiara de gatinha. "Você quer saber meu nome de verdade ou o nome de 'maid'?", brinca a garçonete, que parece saída de um mangá, na entrada do Chest of Wonders, cafeteria no bairro da Liberdade, em São Paulo, inspirada nos chamados "maid cafés" japoneses — criados no início dos anos 2000 para o público otaku, como são chamados os fãs de anime.

No Chest of Wonders, a garçonete Miriam Melissa da Silva responde pelo nome de "Margô". Mas, de acordo com o gosto do freguês, sua personagem muda — pode atender a mesa de maneira tímida, irritada, desastrada etc. O cliente escolhe.

"Em um 'maid café' você pode ser quem quiser", explica Karina Cavalcante, 29, uma das proprietárias do café, o segundo do gênero aberto no Brasil.

Maid Café em SP - Claudia Castelo Branco/UOL - Claudia Castelo Branco/UOL
'É o melhor emprego que já tive', diz Miriam Melissa da Silva, fantasiada de 'Margô'
Imagem: Claudia Castelo Branco/UOL

Parceria Brasil-Japão

Tudo começou em 2014, quando Karina, então estudante de design de games, descobriu nos eventos de cultura e quadrinhos japoneses que esse tipo de café existia de forma itinerante fora de São Paulo. "Ia nos eventos de anime como fã e quis me envolver mais. Comecei então a pesquisar o tema", conta.

No Anime Fest Taboão daquele ano, decidiu tomar uma iniciativa. Era a primeira edição do evento e não era preciso pagar para ter um estande lá. Em menos de um mês, com a ajuda da família e amigos, montou um "maid café" sem um tostão no bolso. "Levamos equipamentos para fazer bebidas simples, como leite com chocolate. Foi bem precário", confessa. Mas deu certo, apesar do atendimento ainda nem ser temático. "A gente nem fazia magia."

Em 2016, a neta de japoneses Lumi Kumagai, 27, virou sócia de Karina. E, em 2017, Jony Onuki, 24, se aproximou delas. Nascido no Japão, Jony mora no Brasil desde os dois anos. Ele fazia parte da Acensa (Associação Cultural Esportiva Nipobrasileira de Santo Amaro) quando viu no Facebook o Maid Café Day, evento organizado por Karina e Lumi que aconteceria no local. "Achei legal e quis colaborar."

Foi um sucesso e eles venderam 240 ingressos, 100% da capacidade de atendimento da cafeteria interativa. Naquele momento, a coisa foi sendo aprimorada com experiências e atividades que iam além da venda de cafés. "Tinha apresentação de dança, canto, concurso, desfile", lembra ele. Venderam salgados, frapês e comidinhas japonesas.

Quando decidiram, há três meses, abrir em parceria uma cafeteria física, além de sócio Jony assumiu o posto de barista-chefe do Chest of Wonders. Orgulha-se de ter criado um drinque colorido, verde e amarelo, para a Copa, com xarope de abacaxi, hortelã e maçã-verde.

Maid Café em SP - Claudia Castelo Branco/UOL - Claudia Castelo Branco/UOL
'Aqui você pode ser quem quiser', diz a proprietária, Karina Cavalcante
Imagem: Claudia Castelo Branco/UOL

Gelo em forma de patinha

Karina, que obviamente ama gatinhos, faz de tudo lá. Do caixa ao atendimento, veste-se de "maid" (faxineira doméstica, em inglês) quando dá tempo. Ela também está por trás dos desenhos dos mascotes — que dão nomes às três salas temáticas do café —, encomendados a artistas independentes do universo do mangá e dos animes no Brasil. Os mascotes são personagens que servem para representar esse universo mágico, que "influencia" a equipe e suas peculiaridades.

Margô apresenta o cardápio rosa repleto de bebidas coloridas: são cafés, frapês e sucos, além dos drinques. E destaca os frapês mágicos, "nosso carro-chefe", os mais decorados. O frapê-corn vem com um chifre de unicórnio. A Rawrr Red Lemonade, para os mais crescidos, é uma limonada com 75 ml de saquê, toques de framboesa e morango, decorada com açúcar e gelo em forma de patinha.

Outro é feito com leite batido, xarope de morango, canela, base frapê, gelo, decorado com calda de morango, chantilly, confeitos de coração, "com muito amor que pode levar à sua alma gêmea" — em referência a uma lenda japonesa segundo a qual um fio vermelho une as caras-metades. E o Mooca Rosa, um café de coloração pink com ganache de chocolate no fundo e uma patinha desenhada na espuma.

Maid Café em SP - Claudia Castelo Branco/UOL - Claudia Castelo Branco/UOL
As atuações são exageradas como nos mangás e seguem uma tipologia definida, os 'Dere Types'
Imagem: Claudia Castelo Branco/UOL

'Maid tímida ou irritada?'

Outro grande grande diferencial dos "maid cafés" é a escolha do tipo de atendimento. Dependendo do freguês, Margô, ou outra atendente da casa, comporta-se de acordo com uma tipologia bem definida. São 12 "Dere Types", como se diz no Japão.

"TsunDere" se irrita fácil e pode dar broncas no cliente. "OujiDere" tem modos refinados e aparência impecável, talvez aja como um lorde ou mesmo te despreze. "YanDere" tem uma personalidade meio psicopata e ciumenta, "te adora tanto que seu ciúme doentio pode ser perigoso para quem está por perto" — informa a descrição, que o cliente pode escolher como num cardápio.

"A gente só pede para você olhar as regras para que a brincadeira seja legal pra todo mundo", avisa Margô.

Maid Café em SP - Claudia Castelo Branco/UOL - Claudia Castelo Branco/UOL
O café tem uma lojinha com camisetas e outros produtos temáticos
Imagem: Claudia Castelo Branco/UOL

'Te amei desde que chegou'

O Mooca Rosa chega em camadas, como um napolitano, enquanto a reportagem se movimenta para tirar fotos do local. Margô vai atrás, encarnando a perturbada YanDere. "Por que você não tirou foto comigo? Já te amei desde que você chegou. Bom, aqui está seu pedido. Saiba que não desisto nunca e vou criar um diário com dez mil páginas pra gente", ameaça.

As "maids" da casa juntam-se. "Agora vamos fazer uma magia." Fazem corações com as mãos, emitem miados de gato, dizem palavras em japonês e mandam repetir "eu amo a Maid Margô". Pronto, magia realizada.

A proposta é levar os visitantes a um mundo de narrativas que interajam com o serviço: do cardápio colorido e histórias, ao atendimento "roleplay" — que interpreta um papel —, até a conclusão com a clássica foto tirada com máquina Polaroid, tudo pretende transportar o cliente a um universo imaginário. O café também tem uma loja com camisetas e produtos temáticos.

Maid Café em SP - Claudia Castelo Branco/UOL - Claudia Castelo Branco/UOL
A apresentadora do AnimeFriends, Bruna Arraes
Imagem: Claudia Castelo Branco/UOL

Uma história dentro da outra

Os três mascotes que dão nome aos espaços do café têm cada um sua narrativa. "Fuyu" significa inverno e seus gêneros favoritos de anime são Mahou-Shoujo e Slice of Life: este é o espaço próximo à janela, com visão para a rua Galvão Bueno. Por lá, Bruna Tavares Arraes, 25, apresentadora do AnimeFriends, um dos maiores eventos de anime da América Latina, tira fotos e grava vídeos no celular. "Vim mostrar pra galera como é o Chest of Wonders."

O segundo espaço é o do mascote Natsu. "Alegre e calorosa como o verão" são suas características. De pele negra, a mascote adora moda j-fashion e música, principalmente j-pop. O terceiro é Haru, fã de games e de culinária. Neste espaço, um grupo de adolescentes ocupa uma barulhenta mesa.

Maid Café em SP - Claudia Castelo Branco/UOL - Claudia Castelo Branco/UOL
'Maid é uma filosofia de vida', diz um dos muitos post its de frequentadores colados na parede
Imagem: Claudia Castelo Branco/UOL

Flertes em post-it?

Em um dos diversos post-its colados numa parede do café a figura de uma garota grita num balão de história em quadrinhos: "Maid é uma filosofia de vida". "Desculpa, Kiddo, eu te amo muito. Eu nunca mais vou trazer minhas amigas cachorras", diz outro e, ao lado, "eu nunca me senti tão intimidado" — ambos direcionados ao comportamento escolhido para o atendimento deles.

Feliz com o resultado do café, Karina se diverte com as brincadeiras dos clientes, mas rechaça a ideia de que o público desse tipo de cafeterias teria algum tipo de fetiche real com as "maids". "Existe esse preconceito", admite a proprietária. "Mas nós temos valores de respeito e inclusão. Daí vem a ideia de que você pode ser quem quiser aqui."

E lembra que parte das pessoas que frequentam o Chest of Wonders quer só um cafezinho — o atendimento personalizado, ressalta, é uma opção, não uma exigência.