Festa dos escravizados, Marujada resiste há 224 anos no interior do Pará

Maruja há 39 anos, Maria de Jesus do Rosário, 65, segura sentada um bastão de flores e observa a dança de casais ao ritmo do "retumbão". Autoridade máxima na Marujada, festa que ocorre no fim de dezembro no interior do Pará, a capitoa, conhecida como Bia, é responsável por preservar as tradições.
Nas ruas há 224 anos, a Marujada é uma manifestação cultural e religiosa que surgiu quando os escravizados, autorizados a compor uma irmandade, iam de casa em casa agradecer a seus senhores. Também tem influência europeia, inclui valsas e homenageia marujos e pescadores que se lançavam do porto ao rio Caeté.
A maior festa acontece em Bragança, cidade de 170 mil habitantes que fica a 213 km da capital, Belém. Entre 18 a 25 de dezembro, acontecem ensaios das oito danças (xote e valsa, entre elas), mas o ponto alto é o dia 26, com uma procissão que leva milhares de pessoas às ruas da cidade.
Neste mês, Bragança respira a Marujada. Famílias participam de ensaios e se preparam para cumprir promessas a São Benedito, um santo italiano, negro e marginalizado pela Igreja Católica, que foi escolhido pelos escravizados como padroeiro por sua relação com os mais pobres.
Bia, casada com um marujo, se apaixonou pelas danças. Aos 26, também tornou-se devota do santo da famosa festa colorida. O traje é sagrado: homens vestem camisa azul com fita de cetim no chapéu no Natal e, no dia seguinte, camisa branca e fita vermelha no chapéu, adornado com uma flor ou um espelho; já mulheres vestem camisa de cambraia branca e saia rodada, com chapéu dourado decorado com fitas de cetim colorido, flores e paetês. A medalha de São Benedito é essencial para o figurino de ambos.
Irmandade
O único que não precisa se paramentar é o presidente da irmandade — desde 1991, João Batista Pinheiro, 63, conhecido como Careca, que participou da Marujada a vida toda. Lembra-se que, quando jovem, as marujas o bajulavam com doces e bolos que pegavam nos cafés da manhã da casa da capitoa. "Nessa época, o chapéu era mais simples e tinha um compartimento de papelão onde elas guardavam comida", conta.
A presidência é tradicionalmente transferida de pai para filho. Sem filhos homens, Careca inquieta-se com sua sucessão e espera que o conselho aceite que uma de suas filhas ocupe a cadeira. Caso isso ocorra, será a primeira vez que uma mulher presidirá a irmandade. Subordinadas à capitoa, são as mulheres que lideram as filas das danças e as procissões.
Foi assim que, após a missa das 7h, as marujas entraram no Teatro Museu da Marujada para dançar o ritmo da "roda" — Fafá de Belém prestigiou a festa durante a manhã e fez um show na noite desta segunda-feira (26).
Depois, no ritmo da castanhola, os homens convidaram as mulheres para dançar junto. Era a capitoa Bia que decidia quem ia ocupando o centro da roda; o presidente Careca, por sua vez, orientava os dançarinos tal qual se faz em uma quadrilha de festa junina. Todo o ritual das oito danças durou até as 12h, quando foi servido um almoço (bancado por "juízes", como são conhecidos os escolhidos pela irmandade para pagar o banquete, um investimento de até R$ 30 mil).
A festa partiu para a Igreja de São Benedito, de 1753, uma das mais antigas do Pará. A praça foi tomada por devotos que não são marujos, mas que se vestem como eles para cumprir promessas ao padroeiro — à frente, mulheres levavam estandartes; atrás, homens carregavam nos ombros o andor de São Benedito. Sob o sol quente, os marujos andavam descalços, uma tradição para lembrar que antigamente os devotos, escravizados, eram proibidos de usar sapatos.
Ao fim da procissão, os marujos entraram na igreja com chapéus nas mãos. A marujada passou das 23h, com a derrubada de um mastro carregado de frutas, que simboliza o fim da festa.
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