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'Prof Noel': professora faz campanha nas redes e atende pedidos dos alunos

"Fiquei pensando, meu Deus, essas crianças não vão ganhar esses presentes e vão ficar tristes", conta a professora Paula Fernanda Medrado - Adriano Alves/UOL
'Fiquei pensando, meu Deus, essas crianças não vão ganhar esses presentes e vão ficar tristes', conta a professora Paula Fernanda Medrado Imagem: Adriano Alves/UOL

Adriano Alves

Colaboração para o TAB, de Petrolina (PE)

24/12/2022 04h01

A magia do Natal tomou conta da sala do 3º ano C na Escola Municipal Maria Soledade Alves, na periferia de Petrolina (PE), a 721 km de Recife. A manhã das crianças na última quinta (22) foi especial. Quando se encontraram para a festa de encerramento do ano letivo, foram surpreendidas com a entrega dos presentes pedidos ao Papai Noel uma semana antes. A atividade proposta à turma pela professora Paula Fernanda Medrado, 38, tinha sido escrever uma cartinha para o bom velhinho contando seus sonhos. "Eles fizeram para a gente socializar aqui na sala, só que um aluno perguntou por que eu não levava para o Papai Noel e eu falei que entregaria lá no shopping, porque nem todos tem acesso", conta ela.

Ao deixar os pedidos na fictícia caixa postal, um sentimento de compaixão tomou conta da docente. "Fiquei pensando, 'meu Deus, essas crianças não vão ganhar esses presentes e vão ficar tristes'", lembra. Foi aí que decidiu correr atrás de doações para realizar os desejos de seus pequenos alunos. Em sua rede social, com pouco mais de 3 mil seguidores, fez postagens pedindo ajuda para a ação. E ela chegou de várias partes: vizinhos, amigos de outros bairros e até cidades, como São Paulo, que leram seus posts e enviaram Pix para as compras.

'Amigo doce'

Depois de oito dias intensos realizando a campanha, conciliando com dois turnos ministrando aulas, Paula conseguiu todos os 61 presentes necessários. No dia da festinha, as crianças iniciaram com uma oração e a brincadeira do "amigo doce" — uma adaptação do amigo secreto com trocas de chocolates, mais em conta para as famílias. A sala estava enfeitada por materiais confeccionados pela professora com ajuda das colegas de profissão.

Professora Noel em Petrolina - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
A docente se emocionou quando Ludmilla Milena Nascimento, 8, ganhou a primeira boneca da vida
Imagem: Adriano Alves/UOL

"Quem aqui não ganha presente de Natal?", perguntou a professora Paula, e foi respondida com muitas mãos levantadas e gritos dizendo "eu". Então, continuou: "Vocês têm esperança de ganhar os presentes que pediram nas cartinhas?" Recebeu um sonoro "sim" coletivo.

Com a desculpa de que alguém a chamou na secretaria, Paula saiu da sala e voltou já de gorro vermelho. Enquanto isso, suas colegas de profissão se organizaram atrás da porta com o saco de presentes. Gritos de alegria e caras de espanto tomaram a sala quando a porta se abriu e foi revelada a surpresa.

Professora Noel em Petrolina - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
Vitória Lima, 8, agarrou-se ao ursinho de pelúcia e não soltava mais: 'Nunca tinha ganhado presente de Natal'
Imagem: Adriano Alves/UOL

'Tem que acreditar'

Já na primeira chamada para receber um pacote, a professora não conteve as lágrimas. A pequena Ludmilla Millena de Sousa Nascimento, 8, que contara na cartinha que não tinha nenhuma boneca, disse que estava realizando seu sonho. À medida que os presentes saíam do saco vermelho, sorrisos se abriam entre os alunos. Um fone de ouvido, um caderno acompanhado de uma lapiseira e carrinhos de controle remoto, o brinquedo mais pedido entre os meninos. "Agora vamos chamar a professora de Prof Noel", disse um deles. "Prof, deixaram o Papai Noel pobre", brincou outro, ao ver tantos embrulhos.

Vitória dos Santos Lima, 8, não parava sentada. Ao receber o tão desejado ursinho de pelúcia, agarrou-se a ele e não largava mais. "Nunca tinha ganhado um presente de Natal. Vou levar o urso pra casa e ficar brincando", comemorou a menina. Do outro lado da sala, Pablo da Silva Lima, 9, brincava com seu slime. O menino, que tem deficiência intelectual, está totalmente integrado à turma. E correu para dividir o novo brinquedo com os amigos. "Porque eu não sou ruim com ninguém", justificou. Na cartinha, Pablo tinha escrito que queria muitas coisas, mas após uma conversa com a professora entendeu que "o Papai Noel não consegue trazer tudo".

Helen dos Santos Nazário, 9, acreditava na existência do Papai Noel, mas "não achava que vinha o presente". Chamada carinhosamente de blogueirinha pela professora, ela diz que vai usar os produtos de maquiagem que ganhou para "gravar vídeos no Instagram".

Outros alunos, que não disseram não acreditar no Papai Noel e se recusaram a escrever a cartinha, aprenderam que, como diz a cantiga, "o bom velhinho não esquece de ninguém": a professora Paula reservou doações que recebeu a mais para entregar surpresas aos incrédulos. "Quis mostrar a eles que também poderiam ganhar, mesmo sem acreditar no Papai Noel", explica ela.

Professora Noel em Petrolina - Adriano Alves/UOL - Adriano Alves/UOL
'Pró Noel' e seus alunos: 'Quero plantar no coraçãozinho deles a esperança de que podem ganhar alguma coisa'
Imagem: Adriano Alves/UOL

Fome e falta de material escolar

A manhã natalina continuou com distribuição de bolo, salgados e refrigerante, tudo preparado pela Pró Noel, com uma ajudante: a sua filha Julia Medrado, 14, que deu apoio durante todos os dias da campanha. "Eu ajudei a separar os brinquedos, colocar os nomes e arrumar tudo. Fico feliz por ver as crianças felizes e acho muito linda a profissão dela", conta a adolescente, orgulhosa da mãe.

"Passei a semana muito ansiosa, sonhava com esse dia", conta a professora, que tinha como maior expectativa atender aos pedidos de um aluno autista. Ela conta que gravou o vídeo chorando por ter que "ler a carta de uma criança pedindo roupa usada ou material escolar para ele e os três irmãos".

A rotina pesada de professora de escola pública e a falta de estrutura que muitas vezes toma conta das instituições não deixa Paula menos empolgada com a função. "Quando eu entrei foi tipo um choque, porque você vê a realidade deles, alguns com muita necessidade. Teve vez de o aluno faltar dias e, quando eu perguntei o motivo, tinha sido por falta de material escolar. Acontece do aluno passar mal e a gente descobrir que estava com fome, muitas vezes nem almoçou", conta Paula, que já trabalhou em um colégio particular da cidade, mas diz que, apesar de tudo, se sente mais realizada ensinando na periferia.

O pedido de Natal da Prof Noel já é certo. "Tenho fé em Deus de que, no próximo ano, vou fazer de novo e com certeza conseguir presentear os meus alunos. Quero plantar no coraçãozinho deles a esperança de que podem ganhar alguma coisa, nem que seja só um presente de Natal."