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'Não vou fazer o L. Eu queria tirar o B, a missão foi cumprida', diz Amoêdo

"O Novo virou um partido pró-Bolsonaro", diz Amoêdo, temporariamente afastado da política - Fernando Moraes/UOL
'O Novo virou um partido pró-Bolsonaro', diz Amoêdo, temporariamente afastado da política
Imagem: Fernando Moraes/UOL

Claudia Castelo Branco

Colaboração para o TAB, de São Paulo

28/12/2022 04h01

Na manhã de 15 de outubro, João Amoêdo, 60, nadou 2.000 metros. Pretendia pedalar à tarde, mas desistiu: na data, o empresário carioca, fundador do Novo, declarou voto no então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT), posicionamento que repercutiu em Brasília e nas redes sociais.

No WhatsApp de Amoêdo, candidato à Presidência em 2018 pela sigla que fundou, pipocavam mensagens de filiados do partido e jornalistas querendo detalhes — o tom era de surpresa. Até aquele sábado, apenas a esposa, a advogada Rosa Helena, 62, e duas de suas três filhas sabiam da novidade. No WhatsApp da família, os genros ficaram em silêncio.

Às 13h daquele dia, o presidente do Novo, Eduardo Ribeiro, classificou no Twitter a declaração do correligionário como "vergonhosa, constrangedora e incoerente" (variações da palavra "coerência" foram citadas ao menos 52 vezes por fontes ouvidas pelo TAB para comentar o destino do Novo). "Vai contra tudo o que defendemos", dizia a nota oficial do partido, publicada horas depois. Defensor de políticas liberais com um Estado enxuto, o Novo foi fundado em 2011, registrado em 2015 e, como ficaria evidente a partir desse dia, rachado em 2022.

"Não tenho medo de ser expulso do Novo", Amoêdo disse ao UOL naquela tarde, quando foi atacado por novistas pró-Bolsonaro, de um lado, e apoiado na internet por petistas até então impensáveis, como a filósofa Márcia Tiburi (PT). À noite, viu um filme na Netflix e dormiu na santa paz de sua casa no Rio de Janeiro. Dias depois, teve sua filiação suspensa e recebeu um pedido para expulsão do partido. Desapontado e sem muita escolha, pediu para sair.

"Imaginava que viraria isso, mas não tão rápido", conta o empresário, caminhando pelas ruas do Itaim Bibi, na zona sul de São Paulo. Na verdade, o rompimento, diz ele, foi o estopim de um desgaste de três anos.

O empresário João Amoêdo, fundador do Novo, com filiados do partido - Reprodução - Reprodução
Fundador do Novo, Amoêdo faz selfie com filiados do partido, em agosto de 2021
Imagem: Reprodução

'Virando a página'

Na estreia do Novo em eleições federais, em outubro de 2018, o saldo foi positivo: foram eleitos oito deputados federais, 11 estaduais, um distrital e um governador. Amoêdo, candidato à Presidência, recebeu 2,5% dos votos e ficou em quinto lugar, à frente de Marina Silva (Rede) e Guilherme Boulos (PSOL). Na visão de um filiado, foi a prova de que era possível atuar sem coligações e sem dinheiro público.

Em fevereiro de 2019, Amoêdo reassumiu a presidência do Novo e focou na estratégia para as eleições municipais de 2020: uma quantidade mínima de filiados ativos em cada município determinaria a abertura do processo seletivo para as candidaturas — internamente, circularam críticas às restrições; para Amoêdo, a sigla deveria ter sido ainda mais exigente. À época, avaliou que o eleitorado estava "virando a página" do antipetismo, criticou discursos antidemocráticos do presidente Jair Bolsonaro (PL) e comentou que Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, e Romeu Zema, que começava seu primeiro mandato como governador de Minas Gerais, eram "apenas" filiados. "Ele [Amoêdo] estava desconfortável com a onda bolsonarista dentro do partido", diz um dos dirigentes, que não quis se identificar.

Em fevereiro de 2020, o empresário amadureceu a ideia de que o futuro de uma organização passa pela saída de seu fundador. Amoêdo "queria dedicar mais tempo à família", participar de mais um Ironman (a prova de triatlo) e visitar países "do Oriente". O empresário renunciou à liderança do partido, mas não viajou, devido à pandemia. No papel de mero filiado, adotou um tom mais independente nas declarações, inclusive nas críticas às ações de Bolsonaro diante da covid-19.

Na época, integrou um movimento que tentava consolidar uma candidatura de centro para a disputa de 2022 pela Presidência. Procurou os ex-ministros Luiz Henrique Mandetta e Sergio Moro, mas a conversa não avançou. "Ele [Moro] queria uma posição de destaque para ser o ungido, o outsider", conta Amoêdo.

Nas eleições municipais daquele ano, o Novo teve um saldo aquém do esperado (elegeu dois prefeitos e 27 vereadores), o que agravou a rachadura. Uma ala entendeu que o resultado foi um recado para o partido sair do muro e se descolar de Bolsonaro; outra entendeu que as críticas de Amoêdo ao presidente tiveram impacto negativo no eleitorado.

O empresário voltou a um papel de liderança em 2021, anunciado como pré-candidato à Presidência — convite feito por 36 dos 40 dirigentes. Na cartilha do Novo, mandatários não interferem em decisões de dirigentes, mas, ainda assim, alguns tentaram emplacar o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG) para uma candidatura alternativa. Amoêdo se sentiu sabotado e desistiu do convite. Segundo um dirigente, a estratégia então foi lançar um candidato "irrelevante" (Luiz Felipe d'Avila) para que no segundo turno o partido pudesse apoiar Bolsonaro.

Em julho daquele ano, o Novo decidiu apoiar o impeachment de Bolsonaro. Na paralela, Amoêdo informou ao partido que lançaria um abaixo-assinado independente, que reuniu cerca de 300 mil assinaturas. Foi num dos atos pró-impeachment que o empresário conheceu o deputado federal André Janones (Avante-MG), que viria a participar ativamente da campanha de Lula.

Janones e Amôedo voltaram a conversar às vésperas do segundo turno de 2022, quando o Novo liberou os filiados a votar "de acordo com a consciência". Quem ligou primeiro para o empresário foi Fernando Haddad (PT), então candidato ao governo de São Paulo, convidando-o para um evento para discutir ideias sobre o Brasil -- Amoêdo não disse nem sim, nem não. Depois, Janones lhe sugeriu uma conversa com Lula e a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. O encontro tampouco aconteceu, e Amoêdo conta que já tinha tomado a decisão de apoiar o PT, o que culminaria na sua saída do Novo. "Seria muito mais fácil não mencionar o Lula, como fez o Ciro [Gomes, candidato derrotado do PDT], ou ficar quieto, como o [João] Doria [ex-governador de São Paulo, que recentemente se desfiliou do PSDB e saiu da política]."

João Amoêdo, então candidato à presidência pelo Novo, visita uma fábrica em Belo Horizonte, em 2018 - Folhapress - Folhapress
Candidato à Presidência pelo Novo, Amoêdo visita fábrica em Belo Horizonte, em outubro de 2018
Imagem: Folhapress

Novo sem Amoêdo

Sem Amoêdo, o partido continua discutindo coligações e dinheiro público nas campanhas, assuntos sujeitos a muitas versões.

Romeu Zema, reeleito governador de Minas Gerais e um dos principais defensores de Bolsonaro dentro do Novo, atribui a Amoêdo o "mérito" de ter fundado um partido focado em ideais liberais. "Participamos de reuniões e alinhamentos, e depois ele acabou se afastando aos poucos", relata ao TAB. Nos bastidores, diz-se que Zema já estaria pensando na disputa presidencial de 2026. "Eu me sinto confortável no Novo, principalmente nesse momento em que ele está passando por um grande amadurecimento."

Eduardo Ribeiro, atual presidente do partido, considera que a legenda está menor, mas mais unida. "Perdemos filiados desde junho de 2019, mas há três meses o partido voltou a ter saldo positivo nas filiações e com uma boa projeção para o futuro, já visando as eleições municipais de 2024."

Para críticos, Amoêdo é passado. Para Amoêdo, passado é o Novo, embora sempre seja associado à sigla. O empresário não descarta a possibilidade de voltar à política, mas "não nesse Novo que está aí". "Virou um partido pró-Bolsonaro de forma dissimulada. Um genérico com o mesmo preço do original."

João Amoêdo - Fernando Moraes/UOL - Fernando Moraes/UOL
'Haddad é escolha ruim, mas não péssima', diz Amoêdo sobre futuro ministro da Fazenda
Imagem: Fernando Moraes/UOL

Amoêdo sem Novo

Amoêdo não é dado a impulsos. Prioriza um discurso linear e, durante uma conversa, é do tipo que dá um jeito de voltar a um ponto e retomar seu raciocínio até concluí-lo.

Para 2023, diz ter duas certezas: ainda quer fazer algo pelo país, e o caminho para tal é a política. "Sempre gosto de fazer um diagnóstico antes de tomar uma decisão." Roberto Freire, presidente do Cidadania, é um dos políticos com quem ele vem trocando ideias. "É alguém com quem me identifico em relação a princípios e valores, apesar das diferenças", define.

Entretanto, afirma que se associar agora a um novo partido seria contraproducente. "Pedem pra que eu faça o 'L', não vou fazer o 'L'. Eu queria tirar o 'B' e a missão foi cumprida", conta, com um sorriso no rosto.

Haddad e Amoêdo não voltaram a conversar. Para o empresário, que fez carreira no mercado financeiro e declarou patrimônio de R$ 425 milhões em 2018, o próximo ministro da Fazenda é ponderado. "Escolha ruim, mas não péssima dentro dos quadros do PT." Hoje, Amoêdo administra seus investimentos e à distância observa a política antes de decidir o próximo passo. "Os mercados estão muito voláteis", comenta ele, que vai passar o Réveillon em Angra dos Reis (RJ) e, no domingo (1º), pretende assistir na TV à posse de Lula.