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'Novela': por que o livro do príncipe Harry irritou tanto os tabloides

"Spare", livro de memórias do príncipe Harry, na vitrine de uma livraria, em Londres - Alice de Souza/UOL
'Spare', livro de memórias do príncipe Harry, na vitrine de uma livraria, em Londres Imagem: Alice de Souza/UOL

Alice de Souza

Colaboração para o TAB, de Londres

19/01/2023 04h01Atualizada em 20/01/2023 14h45

Estava na primeira página do Daily Star de quinta-feira (12): o tabloide britânico prometia "parar de publicar as declarações francamente bizarras do autor mais tímido do mundo". O autor é o príncipe Harry, que lançou "Spare" (, um livro de memórias agridoces do passado de privilégios e intrigas junto à família real britânica, traduzido para 15 idiomas (no Brasil, "O que sobra"). Lançado cerca de um mês após a estreia da série "Harry e Meghan", da Netflix, tornou-se o título de não ficção mais vendido de todos os tempos no Reino Unido, com mais de 400 mil cópias vendidas num dia.

A alfinetada do Daily Star é parte do capítulo mais recente de guerra fria do duque de Sussex e sua esposa, a ex-atriz Meghan Markle, à família real e à imprensa britânica que dela vive. O enredo da realeza nutre vários colunistas ávidos por fofocas, entre madrasta vilã, briga de cunhadas, rivalidade de irmãos, um rei prestes a ser coroado. Desta vez, Harry é quem está na TV, nos tabloides e nas vitrines das maiores livrarias do centro de Londres.

Daily Star é um dos sete periódicos da banca University Stores, em Bethnal Green, no leste londrino. Daily Mail é outro — com 800 mil cópias mensais, é produzido pela ANL (Associated Newspapers Limited), processada por Meghan por ter publicado trechos de uma carta enviada por ela ao pai, Thomas Markle, em agosto de 2018.

A história rendeu longos trechos da série da Netflix, e Harry e Meghan a citam como exemplo do tratamento tóxico dos tabloides britânicos. Também foi recuperada pelo jornal The Sun, mas para questionar como o casal lida com a exposição — o duque de Sussex não teria se importado com a privacidade ao mostrar à duquesa mensagens de Kate Middleton, casada com o príncipe William.

Livro O que Sobra - Objetiva

Livro 'O que sobra', do príncipe Harry - Divulgação - Divulgação
Imagem: Divulgação

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Entretanto, foi o Daily Mail que o inglês Raymond Ott, 79, escolheu levar para casa. Frequentador diário da banca, ele diz comprá-lo para ler notícias internacionais. Quanto aos assuntos britânicos, "neste momento é tudo um lixo", diz ele, que não nega o apreço pela família real, mas diz não suportar a disputa "promovida" por Harry. "Gostaria que ele mudasse sua cidadania para a América ou para onde quer que queira ir." A mudança do casal para os EUA, em março de 2020, não repercutiu bem no orgulho colonial britânico.

Páginas dos tabloides dedicadas a comentar "Spare" tampouco escondem a mágoa, ao associar o tom alaranjado no rosto de Harry, na capa do livro, ao bronze californiano. "Ele é louco. Ele saiu, vangloriou-se disso, deixou o país para não ser famoso e agora quer voltar e ser famoso", pondera Amit Stood, 38, da banca Jasmine News, que pretende comprar o livro. "Ele não está vivendo no Reino Unido e, para os tabloides, isso importa. Ele deveria calar a boca", palpita um consumidor de cerca de 50 anos que não quis se identificar.

O livro 'Spare', do príncipe Harry, na imprensa britânica - Alice de Souza/UOL - Alice de Souza/UOL
'Gostaria que ele [Harry] mudasse sua cidadania para a América', diz o inglês Raymond Ott, 79
Imagem: Alice de Souza/UOL

'Uma montanha-russa'

Se Amit estiver certo e o que Harry quer é voltar à fama, o príncipe de fato conseguiu. Não que isso seja bom: os jornais The Times e The Sun, por exemplo, destacaram a pesquisa do YouGov que diz que apenas um a cada quatro britânicos tem uma opinião positiva sobre Harry. Entre os britânicos maiores de 65 anos, a popularidade do casal é pior que a do príncipe Andrew, acusado de abuso sexual contra uma adolescente.

Entre os leitores de The Sun, publicada na quarta-feira, 70% dos entrevistados consideraram a autobiografia de Harry "vergonhosa". E, para 83%, a família real não deve comentar as informações publicadas no livro.

A gerente Chloe Smith, 25, conta que não lê tabloides, pois os considera injustos, com informações fora do contexto. Por outro lado, diz acompanhar o que acontece na família real pela BBC. "Não temos muita escolha, as notícias sobre isso estão por todos os lados. Procuro saber para me manter atualizada, porque sou cidadã britânica."

A amiga Tori Mclean, 25, já gosta de ler The Sun online, por puro entretenimento. "É como uma montanha-russa ou um filme de terror, do qual você não gosta, tenta desviar o olhar, mas não consegue", define.

Chloe assistiu à série da Netflix, curiosa sobre a versão do casal. "Pessoalmente, acho que a raiva dele com a imprensa é porque a mãe [Diana] foi perseguida por jornalistas. Inclusive, acho que o fez pensar que a história iria se repetir, agora com Megan", comenta. "Era repugnante", afirma Tori, referindo-se às notícias e aos comentários racistas contra Megan antes de eles renunciarem à realeza, o que ocorreu em janeiro de 2020.

O livro 'Spare', do príncipe Harry, na imprensa britânica - Alice de Souza/UOL - Alice de Souza/UOL
'[Harry] saiu, deixou o país para não ser famoso e agora quer voltar e ser famoso', afirma Amit Stood, 38
Imagem: Alice de Souza/UOL

'Mais' um episódio

Enquanto Harry promove o livro, a imprensa mais sensacionalista tenta moldar a narrativa e a população oscila nas opiniões — o único consenso é que esse é mais um episódio para manter acesa a faísca de interesse pela família real.

Tabloides precisam ter fontes na realeza, e a coroa precisa deles para continuar relevante, conforme expôs o príncipe na série e no livro. A curiosidade da porta entreaberta da Casa de Windsor, como os recentes escândalos e as informações que saem semanalmente, ajudam a vender jornais — que, no primeiro semestre de 2022, tiveram queda de 16% no mercado. Essa é a única preocupação do dono da banca de Bethnal Green, o comerciante Sailesh Patel, 58.

Há mais de 50 anos morando na Inglaterra, há 41 Sailesh vende jornais e revistas, e viu mudanças de perto: se antes ele vendia cerca de 300 libras por semana com notícias, hoje não chega a fazer 20. Mesmo com os factoides publicados por tabloides e as informações estrategicamente vazadas por assessores da família real, hoje os jornais ali são menos atraentes que os chocolates da loja.

"Há muita controvérsia. Você não sabe quem está dizendo a verdade [nos conflitos entre Harry e a família real]. Os jornais promovem, e as pessoas são sugadas. É como se fosse um drama para elas, uma nova forma de ver novela", afirma. Na ótica dele, a família real é um assunto que rende conversa do bairro ao bar, ou melhor, pub.

Sailesh não vai comprar a autobiografia. "A família real é uma família como qualquer outra, e esse é um assunto privado", diz. Entretanto, ser uma família como qualquer outra, nesse caso, é tudo o que Harry, a família real e os tabloides mais devem temer que aconteça - talvez por isso há tantas páginas de um livro e a promessa de que já há mais para outro.

O livro 'Spare', do príncipe Harry, na imprensa britânica - Alice de Souza/UOL - Alice de Souza/UOL
Na capa do Daily Star, uma foto de Harry com um círculo vermelho e um sinal de proibido
Imagem: Alice de Souza/UOL

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