Topo

'Paixão' por Bolsonaro causou divórcio: 'Ele mudou após clube de tiro'

Jardiel Carvalho/Folhapress
Imagem: Jardiel Carvalho/Folhapress

Luciana Bugni

Colaboração para o TAB, de São Paulo

20/01/2023 04h00

Quando Bolsonaro ganhou a eleição, em 2018, o então marido de Marina* chorou de emoção. Ela percebeu ali que a idolatria estava passando um pouco dos limites, mas limitou-se a brincar com o assunto.

Quando veio a pandemia, as brigas ficaram acentuadas. Ela, que é policial civil, não concordava com a postura do ex-presidente durante a crise sanitária. "Ele respondia que eu havia vindo de faculdade de esquerda [ela cursou uma universidade federal em uma cidade baiana], estava doutrinada e não poderia falar de política porque não tinha a experiência de vida que um empresário teria", conta.

O argumento dele era que quem não tinha posses não poderia falar de política, então Marina evitava o assunto em casa pelo tempo que durou o governo.

As diferenças entre os dois ficaram muito mais evidentes. Os pais dele são religiosos, e os dela não têm religião definida, por exemplo. Em 2022, a relação ficou insustentável.

"Ele havia começado a frequentar um clube de tiro e mudou radicalmente de comportamento. Só pensava em armas o tempo todo", conta a policial civil que, pela profissão, tem porte de arma, mas não gosta de andar armada.

Por terem um filho de três anos, a preocupação com o assunto aumentou. "Era um entra e sai de armas todos os dias aqui em casa. Ele trocava uma por outra, comprava em sites ou lojas especializadas. Tudo legalizado. Era um hobby que o encantava muito. E isso me incomodava mais a cada dia."

Nos clubes, as pessoas pagam taxas anuais (que podem variar de cerca de R$ 500 a R$ 5.000) para frequentar o local. A partir da entrega da documentação correta, é possível escolher armas para atirar, fazer treinamentos e participar de competições com alvos. Os participantes, segundo apurado pela reportagem, afirmam que o ambiente é familiar. Crianças e mulheres circulam em harmonia entre munição e pistolas.

"Via que muita gente deixava as crianças verem os pais atirando, terem intimidade com isso. Não me sinto à vontade porque não gosto nem que meu filho tenha armas de brinquedo. A minha fica num cofre. O risco do armamento para menores que vivem na casa é enorme", ela afirma.

Nas redes sociais de alguns desses clubes há postagens em alusão à direita com bordões frequentes dos eleitores de Bolsonaro, como "Nossa bandeira jamais será vermelha". Um deles segue o slogan "Tiro é vida, dispare essa ideia". A maioria das postagens faz alusão ao patriotismo e estampa as imagens em artes trabalhadas em verde e amarelo. Vários dos clubes disseram abertamente apoiar Jair Bolsonaro durante as eleições.

A gota d'água

Durante a eleição, Marina participou de uma conversa com amigos em que o marido confessava estar coagindo funcionários a votarem em Bolsonaro pois, caso Lula vencesse, seria obrigado a demitir toda a equipe. Ela afirma que tentava argumentar, mas era diminuída com frases como "você é burra", "você não tem nenhuma posse, como quer conversar sobre isso?".

Mais tarde, após a vitória de Lula, o clima pesou. O marido afirmou que não poderia arcar com as despesas da casa e do filho, pois "as fazendas seriam invadidas e os empresários e comerciantes não ganhariam mais dinheiro". A informação não é verídica. Ela conta que foi ameaçada a ter de pagar todos os gastos pois a culpa era dela por ter votado no PT.

A partir daí, começaram os sumiços à tarde. Marina chegou a cogitar que ele estivesse com outra mulher. O marido não retornava as ligações e só voltava para casa à noite. Quando confrontado, afirmou que estava visitando os quartéis diariamente. Chegou a viajar para outras cidades para ficar mais próximo do movimento.

"Minha primeira reação foi rir, mas depois disso fiquei muito chateada. Passo noites em delegacias de plantão e durante à tarde não tinha com quem dividir os cuidados com meu filho porque ele estava apoiando os golpistas."

Não demorou para que o marido saísse de casa ofendendo a mulher. Hoje, Marina fala sobre o assunto chateada. "Ele disse que eu era uma policialzinha que não conseguia nem arcar com minhas contas. É uma pena termos nos afastado assim por um motivo tão fútil", lamenta. Ela crê que falar sobre isso pode dar força para outras mulheres, já que atende diariamente muitas vítimas de relacionamentos abusivos. "Nunca imaginei que eu fosse chegar nesse ponto", diz.

*O nome foi trocado a pedido da entrevistada por segurança