Até R$ 3 milhões: formandos em medicina disputam quem faz 'a melhor festa'
O caso da estudante de medicina da USP Alicia Muller, investigada por desviar R$ 927 mil da festa de formatura de sua turma, chamou a atenção para o tamanho que esse tipo de evento passou a ter no país.
"Faz algum tempo que as formaturas deixaram de ser festas familiares para virarem 'eventos de bilheteria'", diz Josué Lacerda, dono das empresas BRL eventos e 2052 Produções Fotográficas. Atuando há mais de 35 anos no ramo de formaturas, Lacerda afirma que houve um crescimento vertiginoso do setor na última década. O motivo? Uma competição velada entre formandos sobre qual turma fará "a melhor festa".
"Antes você alugava um salão, chamava uma banda ou um dj, colocava um bar com drinks como caipirinha, sex on the beach e curaçao blue e servia jantar na mesa", relembra o empresário: "Hoje os formandos já chegam com uma lista de requisitos, como: 'Ah, ano passado teve Inimigos da HP, então este ano queremos Anitta'."
Lacerda chama tais festas de "eventos de bilheteria" porque para pagar atrações desse calibre acaba-se vendendo ingressos extras e avulsos. "Como se a festa de formatura virasse um grande show com open bar."
Bebida importada e comida temática
Pela magnitude que as festas estão atingindo, buffets e salões de festas tornaram-se pequenos para atender tamanha apoteose. Agora pavilhões de eventos como o da Expo Center Norte e São Paulo Expo são as opções mais disputadas.
"Um pavilhão de eventos é um bloco de concreto. Então é preciso decorar o local de forma que o deixe aprazível: colocar uns 8 mil metros de tecido nas paredes, forrar o chão, comprar flores, alugar mobiliário. É necessário alugar por três dias: uma para montagem, um para o evento e outro para desmontagem", explica.
Os comes e bebes também mudaram. O jantar para família se mantém, mas nada de garçom servindo a refeição na mesa: buffet aberto e estações de comida temáticas, como sushi, vegetariana e regional. Bem ao estilo praça de alimentação de shopping: "Só que de bom gosto", pontua Lacerda. Entre as bebidas gim, uísque e vodka, sempre importados.
Não penso em dinheiro, só quero me formar
"Esse tipo de festa, que há poucos anos saía por R$ 600 mil, hoje custa facilmente de R$ 1 milhão a R$ 3 milhões", calcula Michel Brucce, empresário do ramo de formaturas e presidente da Associação Brasileira de Empresas de Formatura e Afins (Abeform).
"Os melhores anos foram os de 2017 e 2018. Depois veio a pandemia, que colocou um freio nas ideias dos formandos", explica. Mal o isolamento foi suspenso e o mercado de eventos de formatura voltou a bombar: segundo dados da associação, ocorrem cinco mil festas de formatura a cada ano no Brasil.
Convertendo os eventos em cifras, o nicho sozinho movimenta anualmente em torno de R$ 7 bi, gerando em torno de 6,5 milhões de empregos diretos — bem mais que toda a indústria automobilística, com seus 421 mil empregos.
Reputação manchada
"Por ser um mercado em expansão há muitas empresas predadoras. É fácil fugir com dinheiro dos formandos ou fazer um trabalho meia boca e não há fiscalização. Criamos a associação justamente para tentar evitar que empresas irresponsáveis manchem a reputação deste mercado", explica Brucce. Fundada há cinco anos, a Abeform (Associação Brasileira das Empresas de Formatura) tem 200 associados e calcula que existam em torno de 1500 empresas especializadas nesse tipo de evento no Brasil.
A preocupação de Brucce se justifica: só no ano passado, o Procon-SP recebeu 332 reclamações de consumidores contra empresas de formatura — em sua maioria a respeito da discrepância entre "contrato e oferta". Os meses com mais reclamações são janeiro, fevereiro, abril e maio.
A partir de R$ 11 mil por formando
"Ter uma festa de formatura é uma passagem. O curso de medicina é muito sofrido. É para comemorar que você chegou vivo até o fim dos seis anos", brinca Verônica de Andrade Bastos, estudante do terceiro ano de medicina e representante da comissão de formatura da turma 58 da Unesp.
Medicina é o curso mais concorrido entre as empresas que realizam festas de formatura (direito e administração vêm, respectivamente, em segundo e terceiro lugar). A disputa é tamanha que algumas empresas se especializaram em festas para futuros doutores.
"Outros cursos têm um dia de festa e a colação. Nós temos a colação, culto ecumênico, jantar e o baile. Aí é mais caro mesmo. Mas também não sei se tem um preço inflacionado aí, fico com essa dúvida", pondera Bastos.
Enquanto as festas de formatura de outros cursos, como publicidade e psicologia, custam em torno de R$ 6 mil por formando, as de medicina saem a partir de R$ 11 mil. "Há muita diferença entre formaturas de faculdade pública e privada, por uma questão socioeconômica mesmo", diz Bastos. Numa universidade particular, uma formatura de medicina pode chegar a R$ 35 mil por formando.
As pessoas na sala de jantar
Enquanto os formandos competem entre si para saber qual ano teve a melhor festa, as famílias precisam fazer um malabarismo não só para pagar as prestações da festa, mas para juntar num só espaço-tempo jovens e familiares mais idosos.
"Eles colocam tantos atrativos que vira uma balada. A confraternização familiar, que é o principal da festa, acaba ficando de lado já que familiares mais velhos, como tias e avós, não aguentam a música alta nem os jovens bêbados", diz a bancária Solange da Conceição Gonçalves Novaes.
Embora Novaes tenha se formado há algum tempo, ela é habitué de formaturas: dos treze sobrinhos de sua família, oito estão em idade de se formar na faculdade — incluindo sua filha, que se formou ano passado e fará festa de formatura em junho.
"No fim, os pais e os familiares, que pagam a festa e os quatro, cinco anos de faculdade, não aproveitam. Talvez uma saída fosse separar os dias de festa: um dia faz um jantar para a família, no outro eles fazem a balada deles", diz a bancária, para emendar logo em seguida: "Se bem que isso pode encarecer ainda mais."
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