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'Acolhimento': como é viver em Bloomsbury, o bairro mais queer de Londres

Uli Lenart, na livraria Gay"s The Word, em Bloomsbury, na zona central de Londres - Vitória Croda/UOL
Uli Lenart, na livraria Gay's The Word, em Bloomsbury, na zona central de Londres
Imagem: Vitória Croda/UOL

Vitória Croda

Colaboração para o TAB, de Londres

03/02/2023 04h01

Bloomsbury, no centro de Londres, tem um ar sofisticado, com casas de fachadas brancas com tijolos tradicionais. É um bairro bastante tranquilo, onde não há multidões caminhando nas ruas. "Tem uma sensação de casa, sem a agitação do Soho ou de Mayfair", diz o estudante de relações internacionais Matthew Newman, 26, que se mudou da Austrália para Londres e escolheu Bloomsbury como lar. "Sinto que posso andar de mãos dadas com meu namorado", acrescenta.

Cerca de 13% dos moradores de Bloomsbury se identificam como gay, lésbica ou bissexual, segundo dados do primeiro Censo inglês que incluiu orientação sexual entre as perguntas — proporcionalmente, é a maior porcentagem da capital; no país, mais de 1,5 milhão se declaram LGBTQIA+. Divulgado em janeiro, o levantamento do Instituto Nacional de Estatísticas Britânico pretende orientar decisões governamentais para educação, emprego, moradia e saúde. "Existe uma sensação de segurança material e simbólica aqui", relata Matthew.

Andando por Bloomsbury é possível ver casas com letreiros que celebram personalidades LGBTQIA+ que moraram por lá e referências a acontecimentos históricos. Em outra categoria no Censo, a porcentagem de pessoas cuja identidade de gênero é diferente da imposta no nascimento é de 0,96%, mas dá para notar que o bairro também tem seus marcos, por exemplo, com ruas pintadas com as cores do orgulho trans.

Campus de universidades renomadas atraem estudantes estrangeiros, o que traz uma sensação cosmopolita ao bairro, cujo principal ponto turístico é o Museu Britânico.

Nos arredores, o guia turístico Ric Morris, no ramo há 20 anos, promove tours temáticos para contar a história queer da região. "Bloomsbury se tornou um centro de ideias novas e radicais, inclusive sobre gênero e sexualidade, bem antes de a internet sequer permitir esse encontro", conta. "O conhecido Bloomsbury Group se conheceu e viveu aqui. Era um grupo de amigos que defendiam o pensamento e o amor livre, em que a escritora Virginia Woolf, que também se relacionava com mulheres, participava."

'Gay's The Word'

Um dos pontos do tour está a poucos passos da estação de metrô Russell Square, na rua Marchmont: a icônica livraria Gay's The Word, que só vende livros relacionados à cultura LGBTQ+. Na década de 1980, a loja foi o ponto de encontro do grupo ativista LGSM (Lesbian and Gays Support the Miners).

Bloomsbury, o bairro mais queer de Londres - Vitória Croda/UOL - Vitória Croda/UOL
Imagem: Vitória Croda/UOL

Uma placa azul na fachada da livraria diz: Mark Ashton, um dos fundadores do coletivo, organizou ali um encontro histórico de homossexuais metropolitanos que decidiram se solidarizar com mineiros oprimidos no sul do País de Gales. A história foi contada por Tim Tate, que reuniu relatos de integrantes do grupo e publicou o livro "Pride", que mais tarde deu origem ao filme "Orgulho e Esperança", de 2014.

Uli Lenart, 43, trabalha na Gay's The Word há 17 anos. "É um lugar literário, intelectual, mas também é um local de acolhimento", define. "Antigamente, os jovens de 15 anos vinham aqui quando se assumiam gays e eram expulsos de casa e buscavam um acolhimento. Hoje, os próprios pais vêm aqui com seus filhos trans adolescentes e apenas se preocupam se os filhos vão gastar muito dinheiro em livros."

Bloomsbury, o bairro mais queer de Londres - Vitória Croda/UOL - Vitória Croda/UOL
Imagem: Vitória Croda/UOL

Aberta em 1979 e por muito tempo focada apenas em livros políticos e acadêmicos, a livraria viu recentemente romances LGBTQIA+ para jovens proliferarem nas suas estantes. "Temos guinadas e mudanças e, obviamente, novas tendências na literatura. É bonito de se ver", comenta.

O endereço, entretanto, foi um acaso: segundo Uli, o ponto "era o mais próximo que conseguíamos chegar do centro e ainda conseguir pagar aluguel". Isso mudou consideravelmente com o tempo. Hoje, Bloomsbury tem um dos aluguéis mais altos de Londres — segundo dados do agregador de anúncios imobiliários SpareRoom, por exemplo, a média no bairro é de 1.267 libras por mês (cerca de R$ 8.000) por apenas um quarto num apartamento compartilhado.