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'Pode me ajudar?': família busca criança desaparecida após chuva no litoral

Eduardo está desaparecido e Dandara morreu após chuvas no litoral norte de São Paulo - Arquivo pessoal
Eduardo está desaparecido e Dandara morreu após chuvas no litoral norte de São Paulo Imagem: Arquivo pessoal

Do TAB, em São Paulo

20/02/2023 13h15

Faz mais de 12 horas que a família de Eduardo Leonel, 11, busca por notícias do menino. "Você pode me ajudar? Sabe de alguma coisa?", escrevia a atendente Julia Alyssa, 18, por mensagem de WhatsApp. Pelas redes sociais, ela e outros parentes têm publicado mensagens atrás de qualquer informação que possa dar pistas do paradeiro do menino. A criança é um dos mais de 50 desaparecidos após as chuvas que atingiram o litoral norte de São Paulo no final de semana.

Eduardo foi passar o feriado na Barra do Sahy, em São Sebastião, com os tios Anderson Cazé, 43, e Fabiana Souza, 40, e a prima, Dandara Vida, 10. Café e Tata, como o casal é conhecido na região, são artesãos e aproveitam o período de maior movimento na praia para vender colares e pulseiras de miçangas que produzem. Na quinta-feira (16), saíram de Santo André, no ABC paulista, para ficar uma semana numa casinha alugada no alto do Morro do Sahy.

Por volta das 17h de domingo (19), uma árvore caiu sobre a casa onde os quatro estavam e parte de um barranco desabou, soterrando a família. Anderson, que ficou preso numa pedra, e Fabiana foram socorridos. Dandara morreu no local e Eduardo sumiu.

"Mais cedo, eles estavam na Vila [Sahy, região central] vendendo. Começou a chover, eles guardaram as coisas e voltaram para casa. Tomaram banho, comeram e dormiram. Enquanto dormiam, Fabiana ouviu o barulho da árvore caindo, e a casa desabou", conta Julia. "Durante o tempo em que esteve soterrada, ela disse que escutava a voz da Dandara pedindo ajuda. Mas depois de um momento, não ouviu mais. Foi quando Anderson percebeu que ela tinha morrido. Ninguém escutou a voz de Eduardo. Não sabemos nada, nem se alguém conseguiu salvá-lo."

Segundo a família, Fabiana foi levada a um hospital de Boiçucanga e continua internada, com fraturas expostas nos dois braços. Anderson é um dos acolhidos na ONG Instituto Verdescola, que está dando apoio aos desabrigados.

"Agora estamos todos aqui na casa da avó e da mãe de Eduardo atrás de notícias. Ninguém dá notícia", diz Julia. "Por favor, coloque o rosto de Eduardo na reportagem. Vai voltar a chover lá às 18h."

Na sexta-feira, Dudu e Danda foram fotografados pelos tios andando de mãos dadas na praia. É a última lembrança que a família tem deles juntos. "Eram como irmãos. Moravam juntos", conta a prima.

Eduardo e Dandara, na sexta-feira, na Barra do Sahy - Acervo pessoal - Acervo pessoal
Eduardo e Dandara, na sexta-feira, na Barra do Sahy
Imagem: Acervo pessoal

Tragédia de verão

São Sebastião é a cidade mais afetada pelas fortes chuvas que atingiram o litoral norte de São Paulo desde sábado. De acordo com dados divulgados pelo governo do Estado, até a manhã desta segunda-feira (20), 36 pessoas haviam morrido na região — 31 delas, na Barra do Sahy, duas em Juquehy, uma em Camburi e uma em Boiçucanga.

O subsecretário da Defesa Civil de São Paulo, major André Luiz Hannickel, disse que quase 2.500 pessoas tiveram de deixar suas casas. Em toda a região, o órgão contabiliza 766 desabrigados e 1.730 desalojados.

O autônomo Wendel Teles, 19, viu dois morros desabarem ao lado de sua casa, em Juquehy, na madrugada de domingo para segunda-feira. "Caiu, literalmente, um do lado direito e outro do lado esquerdo", conta.

A chuva, segundo ele, começou por volta das 20h de domingo e só parou às 8h da manhã da segunda. "O pico foi às 3h da manhã", lembra. Teles mora na periferia de Juquehy com a mãe, o pai e a irmã, e, nesse final de semana, receberam a visita de parentes. "Éramos oito pessoas ao todo."

Segundo o rapaz, a família passou a madrugada acordada, com medo da tempestade. "Foi horrível. De repente, começamos a ouvir os estalos das árvores caindo, o povo gritando, pedindo socorro", lembra. A casa deles é a mais alta da rua e virou abrigo para a vizinhança. "Umas 5h, resolvi tirar minha família e os vizinhos daqui, porque estava caindo muito barro e pedra. Fomos para a pista, debaixo de chuva, e ficamos ali até 11h."

O grupo ainda conseguiu socorrer uma mulher e um bebê, cuja casa desmoronou. "Tentamos achar o marido dela, mas não encontramos." Mais quatro pessoas morreram soterradas na rua onde mora.

No início da tarde, Teles se reuniu com amigos para levar doações de roupa a desabrigados. "Se eu tive esse livramento, de nada grave ter acontecido com minha família, o que posso fazer é ajudar quem precisa. Um ajuda o outro como pode", diz.

Agora, além da tragédia, Teles conta que os moradores e turistas de Juquehy enfrentam dificuldades de comunicação e deslocamento. As rodovias que dão acesso à praia foram bloqueadas com deslizamentos, e, assim, os moradores não conseguem sair de lá. "O sinal [de internet e celular] não funciona. Comida, água e luz estão praticamente escassos. O acesso das estradas só deve ser liberado em seis dias. Estamos isolados. O Exército só chegou aqui de helicóptero."