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'Malhei para isso': os foliões que ferveram 6 dias no Carnaval de Salvador

"Foi lindo, todo mundo naquela energia bonita", diz a estudante de engenharia mecânica Carol Malta, 23, que pulou Carnaval de quinta (16) a terça (21) - Arquivo pessoal
'Foi lindo, todo mundo naquela energia bonita', diz a estudante de engenharia mecânica Carol Malta, 23, que pulou Carnaval de quinta (16) a terça (21) Imagem: Arquivo pessoal

Luísa Carvalho

Colaboração para o TAB, de Salvador

22/02/2023 10h07

Enquanto fogos de artifício coloridos emolduravam o Farol da Barra, um dos principais pontos turísticos da capital baiana, Ivete Sangalo, emocionada, puxou uma multidão de foliões para o início de um desfile sem cordas na última quinta-feira (16). O Carnaval de Salvador estava de volta.

Fazia 35ºC, mas o calor foi mais do que bem-vindo para os foliões baianos que decidiram "ferver" os seis dias do primeiro Carnaval após dois anos de restrições devido à pandemia de covid-19. "Pisei na avenida e juro que me arrepiei. Foi lindo, todo mundo naquela energia bonita. Juro que nem calor estava sentindo", relata a estudante de engenharia mecânica Carol Malta, 23, sobre os primeiros momentos do retorno de uma das maiores festas de rua do mundo.

Para ter fôlego e aproveitar plenamente os seis dias de folia, que começou na quinta e só teve fim na terça (21), a estudante passou o último ano realizando, religiosamente, exercícios de cardio na academia. "Malhei o ano todo para isso."

Para os mais aguerridos, a preparação e a expectativa começaram na Quarta-feira de Cinzas do ano anterior. A folia é parte fundamental da vida do publicitário Ruan Araújo, 25. Ele mora em Candeias, cidade a cerca de 50 km de Salvador, e se mudou para a casa de amigos na capital baiana para aproveitar ao máximo: "Vivo dizendo que trabalho por conta do Carnaval, se não tem Carnaval pra mim não tem motivo pra trabalhar".

Todos os circuitos

O Carnaval de Salvador tem três circuitos oficiais. Historicamente, o palco tradicional da festa percorre cerca de 5 km do Campo Grande até a Praça Castro Alves. O trajeto, que pode levar até sete horas para ser feito, recebe o nome de Circuito Osmar, uma homenagem a Osmar Macêdo, um dos pais do trio elétrico.

Mais recente e hoje mais popular — devido à desvalorização da folia no Centro Histórico —, o circuito Barra/Ondina parte de um dos cartões postais da cidade, o Farol da Barra, e segue por 4 km até o bairro de Ondina. É onde ficam os grandes camarotes e desfilam os blocos mais badalados. Inaugurado na década de 90 por Daniela Mercury, o trajeto leva o nome de Dodô, que assume a paternidade do trio elétrico junto a Osmar Macêdo.

Carol Malta, 23, estudante - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
O publicitário Ruan Araújo, 25, se arrumando para mais um dia de Carnaval 2023
Imagem: Arquivo pessoal

Não bastassem as idas e vindas nos quase 10 km dos dois trechos, o folião em Salvador também pode trocar os trios elétricos por shows e bandas de fanfarras que fogem da axé music no Circuito Batatinha, no Pelourinho.

Ao todo, a festa, neste ano, reuniu cerca de mil atrações de vários gêneros. O ecletismo foi bem aproveitado pela analista de comunicação Stefanny Lima, 22. Na sua primeira folia na cidade, ao longo dos seis dias, ela esteve em todos os circuitos e aproveitou para priorizar os artistas de pagode, como A Dama e O Kannalha.

Ela diz que se surpreendeu positivamente por não ter passado por nenhum aperto e achou bonita a grande presença de crianças seguindo esses artistas com seus pais. "Por ser pagode, tem esse estigma de que vai ter mais confusão, muita briga, mas foi superorganizado. Saí de casa um dia sozinha, inclusive, e consegui encontrar meus amigos lá", lembra.

'Carnaval é assim'

Um ponto alto da festa para quem esteve na noite de sexta-feira (17) no Circuito Barra/Ondina foi o trio de Pabllo Vittar. Enquanto a artista cantava "Rajadão", caiu uma forte chuva. A água não espantou os foliões: ao contrário, garantiu um momento catártico para eles.

"Foi incrível. A música tem uma pegada meio gospel e uns barulhos de chuva. Na hora todo mundo só pulou e curtiu", conta Ruan, que, nesse dia, só voltou para casa às 4h da manhã.

Carol Malta, 23, estudante - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Carol quase desistiu de um dos dias, mas foi e ficou até altas horas: 'Carnaval é assim'
Imagem: Arquivo pessoal

A segunda-feira (21) também foi chuvosa e de ventania. Carol cogitou não sair e quebrar sua promessa de aproveitar todos os dias de festa. "Mas acho que sangue esquentou quando da varanda de casa, no Campo Grande, vi Igor Kannario passando. Nem sou fã, mas subiu um negócio, sabe?", diz.

Ela então seguiu até a Barra — não sabe que horas saiu de lá, mas profissionais de limpeza já estavam lavando as ruas. "Foi um dos melhores dias. Jamais imaginei que aconteceria tanta coisa no dia que eu menos queria sair de casa. Carnaval é assim."

Stefanny concorda: "A gente chega em casa muito cansado, só querendo dormir por três dias, e no outro dia já tá tomando banho e se tacando glitter para ir. É surreal, não tem comparação com nada que tenha experienciado".

Perrengues e preparativos para 2024

Mas nem tudo são flores. Ruan, que vive para o Carnaval, não conseguiu pular o primeiro dia de festa, apesar de ter esperado os últimos dois anos por isso.

Na quinta-feira, passou por um susto. Enquanto almoçava, ele inflamou a úvula com um pedaço de carne e foi parar na emergência. O "sininho da garganta" estava inchado e tinha se expandido no céu de sua boca. O médico otorrinolaringologista que o atendeu lhe recomendou repouso.

O episódio, porém, não foi um empecilho para os outros dias. Ao final da tarde de sexta (17), ele já estava na rua. "Isso atrapalhou um pouco, fiquei tomando remédio, evitando beijar na boca, mas eu sou louco por Carnaval e, no fim, acabou sendo tudo que eu esperava."

Carol Malta, 23, estudante - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Nesta Quarta-feira de Cinzas, a estudante conta que já está se preparando para o próximo Carnaval
Imagem: Arquivo pessoal

Carol também passou por perrengues no primeiro dia. Enquanto corria para conseguir acompanhar o trio de Ludmilla, ela torceu o pé em uma das ruas secundárias do circuito Barra/Ondina. "Foi uma loucura. Pegaram uma cadeira para mim de um dos vendedores de bebida e eu fiquei sentada no meio da pista enquanto todo se mobilizou para um carro fazer o retorno porque eu não conseguia me levantar."

O incidente logo se tornou uma anedota familiar, já que sua mãe, que também é uma grande fã da folia e com quem divide uma tatuagem com o símbolo do bloco Camaleão, de Bell Marques, quebrou o pé também no primeiro dia de um Carnaval.

Orientada por uma amiga enfermeira, a estudante voltou mais cedo para casa, um pouco depois da meia-noite, e recorreu a pomada e remédio antiinflamatório. Pegou mais leve na sexta, mas nos outros dias tirou o atraso e "dançou como uma condenada". No último dia de festa, o saldo foi uma bolha no pé machucado e coxas assadas. Nesta Quarta-feira de Cinzas, ela conta que já está se preparando para o próximo Carnaval.