Topo

Há 3 dias, Natal tem ruas vazias e comércio semiaberto por medo de ataques

Comércio do Alecrim na manhã de quarta-feira (15): poucas lojas abertas e nenhum movimento - Bruno Vital/UOL
Comércio do Alecrim na manhã de quarta-feira (15): poucas lojas abertas e nenhum movimento Imagem: Bruno Vital/UOL

Bruno Vital

Colaboração para o TAB, de Natal

16/03/2023 04h00

Pelo terceiro dia seguido, Natal amanheceu com registros de atentados a prédios públicos e incêndios a ônibus. Na manhã desta quinta-feira (16), a frota do transporte público voltou a ser recolhida logo no início da operação, depois que um veículo da linha 599 foi queimado no Guarapes, bairro da zona oeste da capital. Os novos ataques acontecem mesmo após a chegada de 100 homens da Força Nacional.

Ainda na noite de quarta-feira (15), dois micro-ônibus foram incendiados nas Quintas e no Jardim América, regiões da zona oeste. Um carro de passeio também foi incendiado no bairro Golandim, em São Gonçalo do Amarante, que fica na Região Metropolitana de Natal. Houve também ataques a prédios públicos e privados entre a noite de quarta e a manhã de quinta. Criminosos atearam fogo em um galpão da Prefeitura de Natal, onde ficavam armazenados pneus para reciclagem, e em um mercadinho na cidade de São Gonçalo do Amarante.

Natal e outras 27 cidades do Rio Grande do Norte vivem o caos desde a madrugada de terça-feira (14), com uma onda de ataques do crime organizado turbinada pelo desespero espalhado pelas redes sociais. Foram ônibus queimados, prédios públicos depredados, tiroteios, estabelecimentos saqueados, veículos do serviço público destruídos. Os ataques são atribuídos a integrantes de facções criminosas. Aulas foram canceladas e o serviço de transporte público foi interrompido pelo menos três vezes, desde então.

O terror mudou completamente a rotina da capital e de outros municípios do interior. À luz do dia, criminosos atearam fogo em dois ônibus na zona leste de Natal, o que motivou a retirada do serviço das ruas. Sem transporte público e com as tarifas do transporte por aplicativo nas alturas, houve quem decidisse voltar para casa a pé.

Na tarde de terça-feira, a empregada doméstica Jackeline de Lima, 45, voltou para casa caminhando. Ela diz que "nem sabe ao certo" por quanto tempo ficou andando, mas percorreu mais de 20 quilômetros, da casa da patroa em Candelária, bairro da zona sul de Natal, até Igapó, na região norte, já na divisa com São Gonçalo do Amarante. "Foi inesperado, pegou todo mundo de surpresa. Tentei pegar o ônibus, mas não deu."

Jackeline ainda tentou pegar um carro via aplicativo, mas a tarifa de R$ 120, bem superior aos R$ 3,90 que paga na passagem de ônibus, fugiu do orçamento. "É uma situação revoltante porque quem paga o pato é o pobre, como sempre. Não basta a sensação de insegurança", relata a doméstica, que conseguiu ir para o trabalho na quarta-feira (15), numa janela de horário em que os coletivos circularam: a frota foi recolhida novamente por volta das 11h30 devido a um novo ataque a ônibus, no Planalto, zona oeste da capital. O veículo foi totalmente destruído pelas chamas logo após iniciar a operação.

A empregada doméstica Jackeline de Lima caminhou mais de 20 quilômetros para voltar para casa na terça-feira (14) - Magnus Nascimento/UOL - Magnus Nascimento/UOL
A empregada doméstica Jackeline de Lima caminhou mais de 20 quilômetros para voltar para casa na terça-feira (14)
Imagem: Magnus Nascimento/UOL

Medo pelo zap

Os ataques são acompanhados de perto pela população, que se apega ao celular para saber o que está acontecendo na cidade. A administradora Shirley Cristiane, 36, trabalha no Centro Administrativo do Governo do Estado e diz que se assustou com o volume de mensagens circulando. "Do dia para a noite, a cidade virou um caos. Todo mundo comentando, com medo, apreensivo, sem saber o que fazer. A gente se sente muito insegura."

A servidora pública conta que ficou sabendo da onda de ataques violentos pelas redes sociais. "Vi nos grupos que muita gente estava compartilhando fotos e vídeos, muitas vezes falsas, mas pela quantidade de informação a gente desconfia que algo está acontecendo. Logo vi nos portais a situação e consegui me organizar para sair do trabalho e ir para casa antes que os ônibus parassem. Foi um desespero, ônibus abarrotados, gente com medo de arrastão, falando com familiares preocupados."

Ônibus queimado na terça-feira (14) em Mãe Luiza, bairro da zona leste de Natal, permanece na rua - Bruno Vital/UOL - Bruno Vital/UOL
Ônibus queimado na terça-feira (14) em Mãe Luiza, bairro da zona leste de Natal, permanece na rua
Imagem: Bruno Vital/UOL

As redes sociais amplificaram o medo e aceleraram a mudança na dinâmica da cidade, avalia o sociólogo e especialista em segurança pública Francisco Augusto Cruz. "É importante salientar que nesse contexto também circulam informações não checadas, o que de certa forma cria uma sensação de pânico generalizado", afirma.

Não é a primeira vez que esse tipo de evento ocorre na capital. Outubro de 2022 também registrou um pico de mortes violentas, assaltos, arrastões e ataques a ônibus, o que deixou a população apreensiva à época.

Balanço da polícia

O último balanço de ações divulgado pela Polícia Militar apontou 30 suspeitos presos — incluindo um adolescente —, três foragidos da Justiça recapturados, um tornozelado preso com arma de fogo e um tornozelado preso com um galão de gasolina.

A PM apreendeu ainda sete armas de fogo, um simulacro de arma de fogo, 30 artefatos explosivos, oito galões de gasolina, cinco motos e dois carros, além de dinheiro, drogas e munições. As ocorrências foram registradas em 28 cidades.

Sem segurança nas ruas, as escolas privadas de Natal suspenderam as aulas nesta quarta-feira (15), medida que também foi adotada em faculdades públicas e privadas. Até mesmo a coleta de lixo domiciliar foi suspensa em cidades da Região Metropolitana. Em Natal, o cenário é de ruas vazias e comércio parcialmente fechado. No Alecrim, principal centro comercial da capital, os empresários que resolveram abrir as portas reclamam do baixo movimento.

Avenia Tomaz Landim, uma das principais vias da zona norte de Natal, permaneceu vazia ao longo da quarta-feira (15) - Bruno Vital/UOL - Bruno Vital/UOL
Avenia Tomaz Landim, uma das principais vias da zona norte de Natal, ficou vazia ao longo da quarta-feira (15)
Imagem: Bruno Vital/UOL

"O pessoal realmente fica com muito medo de sair de casa, só sai quem realmente precisa sair. É muito triste porque hoje é o Dia do Consumidor e acontece uma coisa dessas. A sensação é horrível, de insegurança total, sem saber como voltar para casa", diz o vendedor de roupas Marcos Antônio, 41.