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'Se fosse pra escolher seria Paulo Freire', diz moradora sobre nova estação

No Parque Novo Mundo, zona norte de SP, moradores ouvidos pela reportagem não sabiam da mudança de Estação Paulo Freire para Estação Fernão Dias - Lucas Veloso/UOL
No Parque Novo Mundo, zona norte de SP, moradores ouvidos pela reportagem não sabiam da mudança de Estação Paulo Freire para Estação Fernão Dias Imagem: Lucas Veloso/UOL

Lucas Veloso

Colaboração para o TAB, de São Paulo

15/03/2023 14h03

A feirante Cristiane dos Santos, 35, mora há mais de duas décadas no Parque Novo Mundo, periferia da zona norte de São Paulo. Há dez anos espera pela estação Paulo Freire do Metrô, que será inaugurada perto de sua casa. O que ela não sabia é que o nome mudou. "Fui surpreendida porque você me disse. Como eles mudam assim?"

A decisão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), anunciada nesta terça-feira (14), de batizar a futura estação da Linha 2-Verde do Metrô para Fernão Dias, preterindo o educador pelo bandeirante, não era do conhecimento de Cristiane e de outros moradores ouvidos pela reportagem do TAB.

Em nota, o Metrô de São Paulo afirmou que a escolha se deu após uma pesquisa de opinião, que teria sido realizada no final de 2022. O nome "Fernão Dias" teria a preferência de 57% dos entrevistados, em relação a "Paulo Freire" (29%) e "Parque Novo Mundo" (14%).

"Se fosse pra escolher seria o professor mesmo", opinou ela, que disse não saber nada da biografia do bandeirante, após uma rápida consulta ao Google no celular.

De shorts, camisa e sandálias, o vendedor de pastéis Edson Felipe Dantas, 25, nascido e criado na região, disse não saber nem onde será a tão prometida estação — muito menos da mudança de nome. Edson também disse preferir o nome do educador, que já dá nome à rua: "O outro [Fernão] tem uma história triste e não é bom exemplo, né?".

Mudança de nome da estação do metrô  - Lucas Veloso/UOL - Lucas Veloso/UOL
'O outro [Fernão] tem uma história triste e não é bom exemplo, né?', diz o vendedor Edson Felipe Dantas
Imagem: Lucas Veloso/UOL

Descrença

A maior parte das pessoas ouvidas pela reportagem disse duvidar que a estação seja concluída nos próximos cinco anos. Foi em julho de 2013 que o governo de São Paulo anunciou a desapropriação de 14 imóveis para expansão da linha no bairro. O aviso dava conta de que a extensão conectaria a estação Vila Prudente, na zona leste da capital, a Guarulhos, cidade na região metropolitana.

As obras teriam início no ano seguinte, em 2014, com investimento de R$ 8,4 milhões. A previsão é que, com a linha completa, da Vila Madalena até Guarulhos, cerca de 1,7 milhão de passageiros sejam transportados diariamente. Atualmente, o trecho liga apenas a Vila Madalena, na zona oeste, à estação Vila Prudente, zona leste da cidade.

De acordo com informações do governo estadual, a primeira etapa da linha vai até a Penha, com estimativa de entrega para 2026. Mais de uma década depois do anúncio no Diário Oficial, o início das obras na avenida Educador Paulo Freire, próximo à rodovia Fernão Dias, ainda depende de algumas desapropriações.

Mudança de nome da estação do metrô - Lucas Veloso/UOL - Lucas Veloso/UOL
A preocupação do vendedor de frutas Wallace Mota é outra: 'Só espero que não tirem a gente daqui'
Imagem: Lucas Veloso/UOL

Uma rua, dois nomes

O vendedor de frutas Wallace Mota, 24, trabalha em um comércio ao lado do local que deve abrigar a nova estação. Sem saber da mudança e dizendo nunca ter sido consultado, diz que escolheria Paulo Freire embora ache que Fernão Dias também faz sentido, pois muita gente chama a rua assim. "Eu mesmo descobri há pouco tempo que o nome certo no mapa é esse, mas geral chama de Fernão", afirma.

Wallace mostra o cartão do estabelecimento, com os dois endereços grafados, Rua Paulo Freire e Rua Fernão Dias. A maior preocupação do vendedor, no entanto, não é com o nome, mas em entrar na lista das desapropriações. "Só espero que não tirem a gente daqui", diz. E aponta para as casas do outro lado da rua: "Se eles moram ali é porque foi fruto do suor e trabalho".

O governador do Estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas - IsadoradeLeaoMoreira - IsadoradeLeaoMoreira
Troca de nome, anunciada pelo governador Tarcísio de Freitas, foi interpretada como sinalização política
Imagem: IsadoradeLeaoMoreira

Decisão política?

O anúncio feito pela gestão Tarcísio, governador alinhado com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi interpretado como um aceno à ala mais radical de seus apoiadores.

Em dezembro de 2019, por exemplo, na saída da residência oficial do Palácio da Alvorada, Bolsonaro chamou Paulo Freire de "energúmeno". Em setembro, durante uma sabatina na RedeTV!, afirmou que as metodologias do educador criaram "uma fábrica de militantes em todo o Brasil".

Um dos nomes mais importantes da história da educação mundial, Paulo Freire (1921-1997) é conhecido por ter desenvolvido um método inovador de ensino. Como pedagogo, acreditava na educação como ferramenta de emancipação das camadas mais vulneráveis da população. A Lei nº 12.612, de 2012, concedeu a Freire o título de Patrono da Educação brasileira.

Conhecido como "O Caçador de Esmeraldas", Fernão Dias (1608-1681) foi um famoso bandeirante paulista que explorava novos territórios em busca de riquezas minerais e mão de obra escrava indígena. Fernão, proprietário de vastas fazendas e muitos escravos, chegou a ser conhecido como o mais rico dos paulistas.

Mudança de nome da nova estação - Lucas Veloso/UOL - Lucas Veloso/UOL
Em nota, Metrô diz que pesquisa seguiu 'metodologias padronizadas' e foi concluída 'ainda sob a gestão anterior'
Imagem: Lucas Veloso/UOL

'Critérios técnicos'

O TAB pediu ao Metrô detalhes sobre a pesquisa que embasou a mudança de nome, como quantos moradores foram ouvidos e que bairros foram consultados. Em nota, a companhia afirma apenas que "o processo de escolha dos nomes de futuras estações é realizado a partir de critérios técnicos, relacionados à localização do futuro equipamento e características que facilitem a identificação dos usuários".

Diz, ainda, que a pesquisa foi realizada com "metodologias padronizadas" e que todo o processo foi concluído em 2022, "ainda sob a gestão anterior", a de Rodrigo Garcia (PSDB).