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Roque: Silvio Santos não sabe onde guardar dinheiro, eu não sei onde achar

O animador de auditório Roque posa em seu escritório na sede do SBT à beira da rodovia Anhanguera - Keiny Andrade/UOL
O animador de auditório Roque posa em seu escritório na sede do SBT à beira da rodovia Anhanguera Imagem: Keiny Andrade/UOL

Do TAB, em São Paulo

04/05/2023 04h01

"Ritmo, é ritmo de festa." A música toca alto, o auditório bate palma, e Roque invade com sua camisa colorida e sua mecha platinada o domingo dos brasileiros. Mas não foi só de alegrias a vida desse porteiro que entrou para a galeria de personagens da TV brasileira como fiel escudeiro de Silvio Santos.

Em 2017, ele sofreu quatro internações e acabou implantando uma válvula na cabeça para tratar uma hidrocefalia. Em 2018, voltou para a UTI por sequelas neurológicas.

Durante a pandemia, ele enfrentou uma depressão pelo isolamento e ainda teve de encarar a internação de um filho para tratamento de alcoolismo — anos atrás perdeu outro filho, assassinado. Mesmo com um sobrado em condomínio de Jundiaí dado em 2020 como "um presentão do patrão", ele continuou triste.

"Foi uma lembrança por tanto tempo trabalhado", classifica Roque. A casa espaçosa tem até uma parede alta cheia de fotos dele com Silvio no hall de entrada.

Só melhorou o humor quando voltou ao expediente no SBT no final de 2021, bem antes de Silvio. No início de 2023, teve novo baque: uma queda, um tratamento inadequado e uma infecção no braço fizeram ele ser internado para enxertar pele no local da grande ferida.

Aos 86 anos, Roque trabalha atualmente duas vezes por semana como diretor de auditório do canal, com 18 funcionários em sua equipe que cuida do público e dos convidados especiais de todos os programas da casa. "Recebo aposentadoria faz décadas, mas não tenho o que fazer em casa: melhor do que a mulher sempre por perto é ter várias", brinca.

Ele caminha com dificuldade, precisa de ajuda em seus deslocamentos pelos estúdios, mas distribui ordens ao telefone e para quem aparece em sua sala. Já Silvio, 92, comanda o canal de casa, também com ligações telefônicas, e deve voltar às gravações até junho, mês que marca os 60 anos de seu programa.

As panelas e a fama

Entre alguns tabus pessoais ("melhor não falar muito disso", ele corta quando o tema são seus casamentos anteriores) e lapsos de memória ("não me lembro bem", diz, sobre a primeira aparição diante das telinhas), Roque dispara uma piadoca para mudar de assunto: "Dizem as más línguas que sou filho do Silvio com a Vera Verão [personagem do falecido transformista Jorge Lafond]". Sua origem não é tão lúdica assim.

Nascido em 1937 em Boa Esperança do Sul (SP), perdeu a mãe aos 12 anos, e o pai dois anos depois. Seu nome de cartório é Gonçalo Roque, escolhido pelo pai que era violeiro, tocador nas rezas de São Gonçalo.

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Roque mostra retrato da época em que era vereador pela Arena em Carapicuíba, município da Grande São Paulo
Imagem: Keiny Andrade/UOL

Aos 14 anos, Roque se mudou para a casa da irmã na Freguesia do Ó, zona norte de São Paulo. "Nunca mais voltei pra minha cidade natal, mas tenho vontade de ir ao cemitério onde minha mãe foi enterrada", confessa.

Depois de algumas brigas com o cunhado, ele decidiu ir morar em Carapicuíba, na Grande São Paulo. "Fazia de tudo para conseguir um troco. Fui engraxate, zelador de prédio e carregava as compras para as velhinhas na feira."

Sua vida se transformou quando o trem de Carapicuíba atrasou em uma manhã de 1955. "Vi uma oferta de emprego para fazer entregas em uma loja de panelas na avenida São João. O encarregado me contratou. Só que, no primeiro dia de trabalho, o trem demorou duas horas, e ele me dispensou."

Sem ter o que fazer pelo centro, Roque lembrou que em seu radinho sempre falavam para participar das transmissões dos programas de auditório. Andou três quadras e chegou aos estúdios da Rádio Nacional. Ficou maravilhado com o ambiente e o programa de Manoel de Nóbrega, criador do humorístico "A Praça da Alegria".

Na saída, conversou com o porteiro e perguntou se não tinha uma vaga. Havia. Roque foi registrado como "office boy", mas também ajudava na entrada do público.

Foi na portaria que conheceu Silvio Santos, coadjuvante no programa de Nóbrega. Eles sempre se cumprimentavam e, vezes ou outra, o locutor carioca parava para bater papo. "Surgiu uma amizade, afinal, somos muito parecidos. A única diferença é que ele não sabe onde guardar, e eu não sei onde achar o dinheiro", ironiza.

Vai pro trono ou não vai?

Roque trabalhou ainda na rádio e TV Globo e na TV Bandeirantes, cuidando das plateias dos apresentadores Chacrinha, Bolinha e do próprio Silvio. Por essa época, na virada dos anos 60 para os 70, ele se elegeu para três mandatos para vereador em Carapicuíba pela Arena, partido que dava sustentação à ditadura.

"Sempre fui o mais votado, mas desisti porque não tinha estudo necessário. Eu não entendia nada de várias leis que a gente aprovava. Larguei mão. Fui me dedicar ao que eu sei fazer: cuidar e alegrar as pessoas."

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Hoje diretor de auditórios, Roque acena em sala de espera das caravanas de 'colegas de trabalho'
Imagem: Keiny Andrade/UOL

Roque estudou até a terceira série e teve que parar para ajudar a família na lavoura. "Mesmo assim, já dei palestra em três universidades, incluindo a USP", orgulha-se.

Depois de um casamento em que teve três filhos, Roque namorou uma chacrete. Do relacionamento, nasceram duas crianças. Pouco tempo depois ela os deixou, quando os filhos tinham um e dois anos de idade.

Era o início da década de 80, e Silvio chamou Roque para comandar os auditórios da concessão de TV que acabava de receber do presidente militar João Figueiredo. "Sou o primeiro funcionário do SBT. Silvio me chamou e pediu: 'cuida com muito carinho do meu público'. É o que eu tenho feito até agora."

Sem ter com quem deixar os filhos, ele os levava para o trabalho. Duas assistentes dele olhavam as crianças, que ficavam em um canto do auditório da Vila Guilherme, primeira sede do canal.

Ninguém aguentou tanto improviso, e Roque perguntou para um amigo se conhecia uma babá. Ele chamou uma parente de 19 anos do interior de Minas. Janilda Nogueira era noiva, e seu futuro marido, também mineiro, vinha para São Paulo e a visitava às escondidas.

Quando contou que iria casar, Roque até comprou um vestido de noiva para ela. Mas a morte da mãe deu uma reviravolta nessa história. "Era o sonho dela me ver casada, mas não o meu. Não gostava dele."

Ela começou a sair para festas nas folgas, e Roque se mostrava contrariado. "Achei que era uma preocupação de pai, mas logo ficou claro que era ciúmes", conta Janilda. Pouco depois assumiram a relação, apesar da diferença de 27 anos. Tiveram três filhos. Janilda começou cuidando das crianças. Hoje ela cuida de Roque. "Não estaria vivo se não fosse ela", diz o mais conhecido animador de auditório do Brasil. E tal vestido de noiva não foi usado porque eles nunca formalizaram a união.

O povo das caravanas

"Quando chovia não vinha ninguém. E, no começo, quem não levava marmita, passava fome. Hoje tem transporte gratuito, lanche, café, refrigerante, tudo", Roque lembra como surgiu a ideia de montar caravanas para lotar os primeiros estúdios do SBT na Vila Guilherme, bairro da zona norte paulistana. Antes os programas de TV eram gravados em teatros no centro, e era mais fácil transformar os pedestres em audiência.

"Peguei um megafone e uma kombi e fui pelos bairros próximos anunciando que domingo ia passar ônibus para levar o pessoal." Logo surgiram as caravanistas, senhoras que arregimentaram vizinhas.

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Pôster no seu escritório no SBT mostra interação de Silvio e Roque no programa 'Topa Tudo por Dinheiro'
Imagem: Keiny Andrade/UOL

Roque explica por que a plateia é quase toda feminina. "Mulher é mais animada. Homem não aplaude, não agita." Ele lembra do caso de um homem que se fantasiou de mulher para entrar em uma caravana para conhecer Silvio Santos, que era seu sonho. "O segurança descobriu e botou para fora. A regra era só mulher."

Além de puxar aplausos para calouros, vaias para jurados e risos nas claques, Roque aos poucos começou a aparecer diante das câmeras. Uma participação fixa era entregar o buquê de flores para os casais formados na atração "Em Nome do Amor", terceiro programa de namoro do canal.

Mas a projeção veio com as fantasias e as atuações no "Topa Tudo por Dinheiro", lembrado até hoje pelas imagens de Silvio Santos jogando aviõezinhos de cédulas para a plateia se acotovelar. Roque se vestiu de baiana, de Rambo e até de smoking, quando fingiu que queria ser o garçom do Palácio do Planalto caso seu chefe virasse presidente — ele se candidatou em 1989.

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Foto mostra Roque no papel do boxeador Rock no quadro de humor do programa 'The Noite'
Imagem: Keiny Andrade/UOL

Hoje, suas brincadeiras estão nas redes sociais Instagram e TikTok, com dancinha à beira da piscina de sua casa e vídeos engraçados com ele e a mulher vestindo roupão atoalhado com logo do SBT. "Só agora o Silvio me liberou para fazer merchandising. Vendo até colchão." Ele contratou uma especialista em marketing digital para turbinar seus canais.

Roque criou um ritual de rezar no início e no final de seu expediente no SBT. Devoto de Nossa Senhora Aparecida, ele atribui à santa sua cura da hidrocefalia em 2017. "Uma noite no hospital, uma senhora morena toda coberta de branco sentou no meu leito, perguntou se eu estava bem e disse que tudo iria se resolver. Foi uma aparição. No dia seguinte eu estava bem e curado." Roque diz que vai trabalhar "até quando Nossa Senhora deixar".