Primeiro palco de Faustão na Band, teatro Záccaro se deteriora concretado
Há mais de 15 anos fechado, um dos símbolos do boêmio bairro do Bixiga tem até arbustos crescendo enraizados nas rachaduras de sua fachada estilo art déco. O teatro Záccaro foi local de gravação de vários programas televisivos, mas um especialmente marcou sua história e a da TV brasileira: "Perdidos na Noite", atração que projetou Fausto Silva.
Justo quando o apresentador volta à Bandeirantes, após 34 anos, o palco onde surgiu sua fama enfrenta o maior período de abandono. Comprado pela Prevent Senior pouco antes da pandemia, o imóvel ainda não tem destino definido.
A empresa de assistência médica disse em comunicado que "estuda qual a melhor destinação". Pode voltar a ser teatro, pode ter uso médico ou um misto dos dois. Investigada por sua atuação durante a pandemia, a Prevent Senior prefere não esclarecer seus planos à reportagem.
Construído em 1940, o local já foi cinema, teatro, discoteca, concessionária de carros e igreja evangélica. Desde 2002 está tombado pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo).
"Esse teatro foi uma vitória da tradição unida à modernidade, porque tinha o lance de manter a cultura da colônia italiana, mas também era palco do novo, com programas irreverentes como o do Faustão e shows antológicos da Rita Lee", relembra Renato Záccaro, filho do maestro que deu seu sobrenome ao teatro entre 1981 e 1999.
Era um tempo em que as TVs e seus estúdios ficavam no centro da cidade, e o entretenimento circulava por suas calçadas. O Bixiga, com seus teatros, cantinas e bares musicais, concentrava essa vida noturna. Hoje, as portas e as janelas cimentadas do teatro Záccaro, para evitar a entrada de invasores, são uma metáfora do bairro meio calado por tantas crises — a última delas é a atual pandemia.
Cachê a la bolognesa
"Se não tivesse esse jantar aqui, talvez o Faustão não fosse parar na televisão." O chef Bruno Stippe aponta para uma entre as dezenas de fotos de personalidades nas paredes da cantina C...Que Sabe, primeira patrocinadora do apresentador em sua experiência televisiva. O restaurante é vizinho ao teatro em que ele despontou.
A imagem amarelada mostra a irmã de Faustão, Leonor Corrêa, o apresentador Goulart de Andrade e Roberto Stippe, pai de Bruno, primeiro homem a apresentar quadro de culinária na TV brasileira. Entre taças de vinho, eles negociavam detalhes da estreia de Faustão na telinha.
Era 1984, e o então repórter de futebol Fausto Silva substituíra Osmar Santos no comando de "Balancê", programa do meio-dia na rádio Excelsior que misturava esporte, cultura e política no período de abertura da ditadura militar (1964-1985). Roberto era fã do programa e pegava o filho na escola para fazer parte da plateia na transmissão feita na Palhaçaria Pimpão, onde hoje funciona um cassino clandestino na rua Apa, no bairro de Santa Cecília.
Roberto comentou sobre o apresentador com Goulart, colega de canal e frequentador do restaurante. Ele fez uma reportagem com Fausto, impressionou-se e o convidou para ter um quadro dentro do programa noturno dele na TV Gazeta. Foi batizado de "Perdidos na Noite", em referência à tradução brasileira do filme norte-americano "Midnight Cowboy", com Dustin Hoffman e Jon Voight.
"O Goulart cedeu o horário. Meu pai bancava o custo operacional e o 'cachê', que era comer na cantina depois do programa, em troca do merchandising no ar. No início, o [Augustinho] Záccaro nem cobrava pelo teatro e equipamento. O Fausto era tão duro que não tinha carro e usava uma única jaqueta bege encardida", relembra Stippe.
As agruras do humor
Até ir para o Rio e virar atração dominical da TV Globo, Faustão tinha como parceiros de palco a dupla Tatá e Escova, tanto no rádio quanto nos canais de TV. Com o fim do programa caótico que virou "cult" naquela década de 1980, os humoristas acabaram migrando para outra atração do sábado à noite, o "Viva a Noite", liderado por Gugu, no SBT. As participações duraram dois anos, e a dupla se separou.
Além de pontas em humorísticos de TV, Carlos Roberto Escova atuou em rádios gaúchas e paulistas. Morreu em 2015, aos 60 anos, após complicações causadas por diabetes, quando era contratado da Melodia FM de Ourinhos (SP).
Já Nelson "Tatá" Alexandre trabalhou no início do programa "Pânico" na rádio Jovem Pan, mas em 1997 interrompeu a carreira após o rompimento de um aneurisma cerebral que prejudicou seu ganha-pão: a fala.
Hoje, acompanhado sempre da esposa, Célia, assiste ao regresso de Faustão à Bandeirantes de sua casa, no bairro do Ipiranga. "A gente sempre vê o começo e o final do programa dele. É que eu gosto do 'Jornal Nacional', e o Tatá é noveleiro, mas os dois odiamos o BBB. Então, trocamos nessa hora para a Band. Estamos torcendo pelo sucesso dele", conta Célia, casada há 42 anos com o humorista.
O agito daqueles anos de sucesso não sai da cabeça dela. "Terminava a gravação, e a gente saía para festejar com os convidados. Lembro bem de uma noite de bebedeira e cantoria com o Jair Rodrigues, ali nos botecos do Bixiga."
Uma esquina alucinante
Quem hoje passa diante daquelas paredes cobertas por grupos de pixo (sinistros, larápios e #arrozfeijãoeganja), grafites e mensagens de ordem contra o governo mal pode imaginar tudo que aquele espaço representou para o bairro e para São Paulo. Antes, a aglomeração era de fãs — agora é de entulho e de pessoas em situação de rua.
Em outubro de 1940 foi inaugurado ali o Cine Rex, com uma arquitetura que resiste até hoje. O cinema funcionou até meados dos anos 1970. Na sequência, tiraram as cadeiras para transformar o lugar em pista de patinação. Depois veio a fase do teatro Aquarius, com montagens de musicais da época, como "Hair" e "Jesus Cristo Superstar". No final dessa década surgiu ali a Discotheque Aquarius, que imitava o estilo da boate nova-iorquina Studio 54 e era considerada a melhor noitada daqueles dancing days.
Em 1981, o local foi rebatizado como teatro Záccaro, após ser alugado pelo maestro que tinha programa de TV em que interpretava músicas italianas. Além do "Perdidos da Noite", lá foram gravados os programas do Chacrinha e do Bolinha. A peça "Trair e Coçar é Só Começar", de Marcos Caruso, começou ali sua trajetória de décadas de sucesso.
Com a saída de Záccaro em 1999 (o maestro morreria em 2003 por problemas renais), o local foi reformado e renomeado como teatro Ópera, voltando ao seu passado de musicais. O prédio serviu ainda a uma igreja evangélica e a uma concessionária de carros, antes de ter sua entrada concretada.
Do sarcasmo ao escapismo
"Faustão na Band" é gravado em um estúdio construído especialmente para o programa na sede do canal, no bairro do Morumbi, zona oeste de São Paulo. O local foi batizado como auditório João Jorge Saad, em homenagem ao fundador do Grupo Bandeirantes de Comunicação, morto em 1999.
Na estreia, o apresentador elogiou "a tecnologia mais moderna do Brasil", para assim poder decalcar o tal padrão Globo de produção. Mas também mostrou a precariedade que era a estética de seu programa anterior na emissora. Aproveitando a presença do sambista Zeca Pagodinho, recuperou imagens de arquivo de quatro décadas atrás no palco do Záccaro.
Apesar das edições do "Perdidos na Noite" estarem preservadas nos arquivos da Band, não haverá nenhum quadro fixo programado com essas imagens, que só serão usadas a pedido de Faustão, se algum convidado atual tiver passado por lá.
Também ficou no passado o tom sarcástico e crítico do programa anterior, quando o Brasil vivia a presidência de José Sarney e ainda não tinha eleito diretamente um presidente. "Faustão na Band" prefere investir em um clima escapista de "a alegria voltou", no meio de uma pandemia e uma crise econômica.
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