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Tirolesa pode fazer Rio perder título de patrimônio, diz ambientalista

Vista do Bondinho no Pão de Açúcar, cartão-postal do Rio de Janeiro - Raphael Nogueira/Unsplash
Vista do Bondinho no Pão de Açúcar, cartão-postal do Rio de Janeiro
Imagem: Raphael Nogueira/Unsplash

Fabiana Batista

Colaboração para o TAB, do Rio

25/05/2023 04h01Atualizada em 25/05/2023 12h26

Num fim de semana de 1974, um grupo de amigos adolescentes saiu de Petrópolis (RJ) para escalar no Rio de Janeiro. André Ilha, 63, era um deles. Aos 13 anos, ele já tinha subido o morro da Urca. Aos 14, aventurou-se no Pão de Açúcar.

As escaladas são consideradas fáceis, mas, na época, "era uma tremenda aventura", lembra André. Desde 1979 guia amador pela Federação de Esportes de Montanha do Rio de Janeiro, ele já rodou o Brasil atrás de morros. Além de subir por caminhos já conhecidos, o montanhista apaixonado é quem mais abriu vias — mais de 910.

Entretanto, é no quintal de casa que mais gosta de escalar: "Não sei quantas vezes já subi o Pão de Açúcar. Ele e a Urca são monumentos especiais para todo montanhista do Rio".

Na adolescência, o montanhista viu os marcos tombados pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Em 1990, ajudou a transformá-los em unidades de conservação. Hoje, diz que está lutando para barrar a obra de uma tirolesa que quer retirar 160 metros cúbicos de rocha do Pão de Açúcar. "A ação contraria uma lei de 1937, que impede que patrimônios tombados sejam mutilados."

Não é a primeira vez que André se mobiliza para defender montanhas. Ao longo de 50 anos, colecionou mosquetões, cordas e causas.

André Ilha, no Rio, em 2022 - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
André Ilha escalando no Rio
Imagem: Arquivo pessoal

Um dos membros fundadores do GAE (Grupo de Ação Ecológica), que reúne montanhistas ambientalistas, e ex-gestor do Inea (Instituto Estadual do Ambiente), ele foi contra a construção de um Parque da Mônica, de bares e anfiteatros na mata do Pão de Açúcar, em 1990. Depois, ajudou a barrar linhas do teleférico para o morro do Leme, em 2013. "Nosso monumento natural ia virar um varal de roupa", ironiza.

Porém, desde a aposentadoria, decidiu atuar nos bastidores, participando de articulações apenas como especialista na área.

Desta vez, André quer impedir a intervenção da tirolesa por onde vão passar cerca de cem pessoas por hora. Associações de moradores, montanhistas, advogados, arquitetos e jornalistas se uniram à mobilização, que formou o Movimento Pão de Açúcar Sem Tirolesa, com mais de 20 mil assinaturas até agora.

André Ilha, no Rio - Fabiana Batista/UOL - Fabiana Batista/UOL
'Ação contraria uma lei de 1937 que impede que patrimônios tombados sejam mutilados', afirma o montanhista
Imagem: Fabiana Batista/UOL

'Hub' entre rochas

Cartão-postal com 396 metros de altura, o primeiro trecho de acesso do Pão de Açúcar é de 1912. O nome remete às formas cônicas que lembram blocos de açúcar levados para a Europa entre 16 e 17. Já a Urca tem 220 metros de altura, e uma das lendas é que o nome rememora embarcações parecidas com a rocha.

Mirante, lojas e demais estruturas encontradas hoje são responsabilidade do Bondinho do Pão de Açúcar (ex-Companhia Caminho Aéreo Pão de Açúcar) desde a obra do primeiro teleférico, entre 1910 e 1912. Além dele, um anfiteatro recebe shows e tem até quem faça tatuagem no cume dentro de um teleférico de 1972.

Em 2012, o Rio recebeu o título de patrimônio mundial "paisagem cultural urbana", concedido pela Unesco. A partir de ações integradas, segundo o Iphan, a cidade passou a preservar pontos como o Pão de Açúcar, o Corcovado e o Arpoador, entre outros.

Em maio de 2022, o Bondinho do Pão de Açúcar propôs ao Conselho Consultivo do Monumento Natural dos Morros o projeto de construção da tirolesa, que prevê quatro linhas, em uma descida de 55 metros em 50 segundos com velocidade máxima de 100 km/h. André e todo o GAE foram os únicos contra. "O grito de quem desce vai reverberar, e os moradores e os animais da região não terão mais sossego."

Além do Iphan, o IRPH (Instituto Rio Patrimônio da Humanidade) e a Prefeitura do Rio de Janeiro aprovaram o projeto. A obra seguiu até janeiro de 2023. A discussão quase caiu no esquecimento até fevereiro, quando vídeos de escoamentos de pó de pedra foram divulgados por montanhistas: os registros mostram o desmonte de rochas com marteletes magmáticos e o projeto aprovado não indicava tais perfurações.

Retirada de pedras para construção de tirolesa no Pão de Açúcar - Divulgação - Divulgação
Retirada de pedras para a construção da tirolesa
Imagem: Divulgação

"O Rio pode perder o título de patrimônio da humanidade", enfatiza André. O Icomos (Conselho Internacional de Monumentos e Sítios), consultor da Unesco, abriu um processo interno para incluir o Rio na lista de patrimônio em perigo — esta é a primeira etapa para se retirar um título de patrimônio mundial.

De acordo com o conselho, a perfuração "pode vir a causar o aumento de fissuras e o descolamento de lascas do maciço rochoso, alterando sua forma e comprometendo sua resistência e integridade". A Sociedade Brasileira de Geologia também pediu a revogação do licenciamento das obras.

Em nota, o Iphan diz que considerou a autorização emitida pela Fundação Geo-Rio e orientou a empresa contratada a adotar uma série de soluções para preservar o valor paisagístico do Pão de Açúcar, que fundamenta o tombamento. "Neste caso, as intervenções em rocha, do ponto de vista do tombamento nacional, são admissíveis na escala do bem tombado e devem ser analisadas à luz do uso autorizado."

Para André, a tirolesa é só mais um projeto de expansão da empresa. "Eles querem ali um hub de entretenimento", diz. Ele e outros ambientalistas acreditam que vão conseguir barrar a tirolesa, cuja inauguração está prevista para o segundo semestre deste ano. "O turismo no Pão de Açúcar precisa ser responsável."

Procurado, o Bondinho do Pão de Açúcar não respondeu à reportagem.

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Após a publicação, o Parque Bondinho Pão de Açúcar informou, em nota, que todas as intervenções em rocha que estão sendo feitas já estavam previstas e aprovadas no projeto. A empresa reiterou o compromisso com o meio ambiente e pontuou que "o principal objetivo da tirolesa é gerar felicidade nas pessoas, garantindo mais acessibilidade e continuando a contribuir com o turismo consciente e positivo do Rio de Janeiro".