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Um DJ na estrada: Patife, rei do drum'n'bass, vira caminhoneiro em Portugal

Na cabine - não de DJ -, Patife transforma-se no caminhoneiro Wagner Ribeiro de Souza rodando a Europa - Natália Eiras/UOL
Na cabine - não de DJ -, Patife transforma-se no caminhoneiro Wagner Ribeiro de Souza rodando a Europa
Imagem: Natália Eiras/UOL

Natália Eiras

Colaboração ao TAB, de Albufeira (Portugal)

07/06/2023 04h01

"Seu DJ está de volta na estrada. Literalmente, na estrada", diz DJ Patife, em um vídeo publicado no YouTube em janeiro de 2023. O paulistano Wagner Ribeiro de Souza, 46, sorri enquanto a câmera abre o ângulo e ele aparece de braços abertos, na frente de um Volvo de 460 cavalos. "A cabine está um pouquinho diferente da que você está acostumado a ver, mas a alegria e a realização desse sonho, você não tem ideia."

Seis meses depois da postagem, Patife esfrega os olhos diante da reportagem. Ele está acordado desde as 3h30, trabalhando. "Fui levar um casal até o aeroporto de Faro", conta ele, que havia deixado o caminhão um pouco de lado para ajudar um amigo em uma empresa de transfer particular.

O artista da zona sul de São Paulo que ficou conhecido no mundo todo como um principais representantes do drum'n'bass, gênero de música eletrônica que revelou o também brasileiro Marky, é, em mais de um sentido, um veterano das estradas.

Vida e cabine dupla

Como DJ, Patife visitou mais de 105 países tocando em eventos e festivais. "Só de passaporte eu tenho oito, cheios de carimbos", revela ele, que tem levado uma vida dupla em Portugal, onde vive desde 2018. Patife continua sendo um nome famoso na cena eletrônica internacional, principalmente no verão, quando há festas por todo canto no Hemisfério Norte. No outono e no inverno europeus, porém, ele mixa a carreira com a de caminhoneiro e motorista.

DJ Patife caminhoneiro - Levi Bianco/Brazil Photo/PressFolhapress - Levi Bianco/Brazil Photo/PressFolhapress
Nas carrapetas, ao lado do comparsa Marky, no festival Sonar, no Anhembi, 2012
Imagem: Levi Bianco/Brazil Photo/PressFolhapress

Patife conta que sempre foi fã de veículos pesados. Quando criança, vivia viajando com a avó. Só a Aparecida, no interior de São Paulo (SP), ele foi 18 vezes. Não se importava com o destino, mas com o ônibus que o levaria até lá. "Ficava ansioso para saber em qual modelo a gente iria", diverte-se.

Por muitos anos, aliás, o DJ achou que levaria a vida sobre quatro rodas. "Coloquei na cabeça que ia ser motorista de ônibus de viagem. Eu ia trabalhar na Viação Itapemirim, casar com 23 anos, ter dois filhos e conduzir na rota Rio-São Paulo. Era o meu plano de vida." Virar músico é que foi, de fato, um desvio de rota.

Com 18 anos, tirou a carta de direção e, perto dos 21, ia se habilitar para conduzir veículos pesados. Mas foi nessa época que ele mudou de trilha: apaixonou-se pelo drum'n'bass. Começou a viajar para festivais, a criar seus próprios mixes e, em vez de agarrar o volante de um busão, passou a girar as picapes de DJ.

DJ Patife caminhoneiro - Natália Eiras/UOL - Natália Eiras/UOL
Metade por gosto, metade por necessidade, o músico realizou seu sonho de infância
Imagem: Natália Eiras/UOL

Outras trilhas

Depois de morar em Londres por 17 anos, Patife se mudou para Portugal em janeiro de 2018 porque a mulher e os filhos, um de 6 e outro de 11 anos, não se adaptaram bem à capital inglesa. Hoje, a família vive em uma área rural perto da cidade de Albufeira, no Algarve, ao sul do país. Ali, encontraram uma boa alternativa ao país natal, com clima mais quente e idioma semelhante, sem deixar o Velho Continente.

Em janeiro de 2020, Patife estava na Austrália e vislumbrava um verão impressionante: já tinha marcado 29 "gigs" para os meses quentes da Europa. Mas veio a pandemia e, sem fazer nada durante o confinamento, passava o tempo todo assistindo a vídeos de youtubers busólogos. Um dia, comentou com o filho: "Era para o seu pai ser motorista". O menino deu a ideia: "Você ainda pode ser". Foi o gatilho que o levou a resgatar o sonho antigo e unir o útil ao agradável.

DJ Patife caminhoneiro - Natália Eiras/UOL - Natália Eiras/UOL
No verão, Patife viaja a Europa tocando em festivais; no inverno, roda o Velho Mundo entregando alimentos
Imagem: Natália Eiras/UOL

Descobriu que o mercado português pagava bem a motoristas de veículos pesados, além de dar oportunidades a brasileiros. Mas, como durante a pandemia os ônibus de viagem, sua paixão, não estavam rodando, a saída foi virar motorista de caminhão. "Tinha dois filhos em casa e eu precisava fazer alguma coisa. Ainda bem que era algo de que eu já gostava", comemora Patife. "Aquele menino de 6, 7 anos, estava de volta em mim."

Terminou o curso para o certificado de aptidão de motorista em junho de 2022. Poucos meses depois, já rodava numa cabine dupla.

Foi no curso que ele conheceu George José Nascimento dos Santos, 37, que mora em Lagoa, próximo a Albufeira. Foram colegas na mesma empresa por três meses. Quando o conheceu, mal sabia que o caminhoneiro Wagner era um DJ famoso. "Só fui ouvir drum'n'bass depois que conheci ele. Fiquei impressionado, porque nunca imaginei que teria alguém assim próximo de mim", diz George.

José Dinis, que faz a gestão dos shows do DJ na Europa e conheceu Patife há duas décadas, em festas de música eletrônica, não ficou impressionado quando soube que o artista seguiria o duplo caminho. "Sempre soube da paixão dele pela estrada. Ele sempre acumulou a expectativa de dirigir um ônibus ou um caminhão. E, como está vivendo cá em Portugal, pude acompanhar o processo, desde quando ele foi tirar a carta até agora."

Levando entretenimento - e comida

Em geral, o caminhoneiro Wagner viaja em dupla com outro motorista. Cada carreta fica na estrada 21 horas por dia, sendo que, desse tempo, 18 horas são rodando, em turnos intercalados de 4h30. Eles cumprem temporadas de 21 a 25 dias fora de casa, viajando.

Patife contabiliza que já rodou 44.131 quilômetros no Velho Mundo. Tudo é registrado pelo tacógrafo, um cartão com seu nome que mostra quantas horas ele conduziu, em que velocidade e outros detalhes. É "o cagueta", brinca Patife. "Estou marcando porque, quando chegar a 1 milhão de quilômetros, vou dar uma festa."

O artista já se apresentou como caminhoneiro em oito países: Espanha, França, Alemanha, Holanda, Bélgica, Suécia, Dinamarca e Inglaterra. Normalmente, transporta frutas, como o morango da Espanha exportado para outros países da Europa, e também mirtilo, framboesa e alguns legumes.

Por mais que tenha passado boa parte da vida varando a madrugada em festas, Patife diz que o seu maior desafio como motorista é dirigir à noite — quando a energia já não está tão alta e ele precisa estar sempre atento ao caminho. Além disso, sente falta do contato com as pessoas.

É claro que, em boa parte das longas jornadas, Patife ouve música dentro da cabine e a playlist é eclética: tem drum'n'bass, mas também Marisa Monte, Iron Maiden, Tim Maia, Luiz Gonzaga, Bob Marley e Alicia Keys.

DJ Patife caminhoneiro - Natália Eiras/UOL - Natália Eiras/UOL
No retrovisor: 'O motorista está me fazendo me tornar um DJ melhor', diz Patife
Imagem: Natália Eiras/UOL

Em maio, com a chegada da primavera europeia, ele entregou o caminhão para, nos próximos meses, engatar apresentações pela Europa e América Latina. Prevê voltar à boleia em outubro, quando as temperaturas começarem a cair por lá.

Por mais diferentes que sejam os dois trabalhos, ele sente que a paixão por eles vem do mesmo lugar. "Preciso estar em movimento. Não sou um cara do escritório nem do estúdio", resume. Quando está na cabine de DJ, confessa sentir falta da estrada. "Quando estou tocando, aquela energia supre muito das minhas necessidades, carências. Mas o motorista está me fazendo me tornar um DJ melhor. Tenho tido mais tempo para ouvir músicas, revisitar algumas coisas."

Além disso, o Wagner caminhoneiro nunca deixa 100% de lado o trabalho de DJ: nas paradas, Patife faz algumas mixagens para ir ouvindo e também prepara o programa mensal que tem na rádio inglesa Kool FM.

Embora o artista não dê bola, há quem se incomode com o fato de ele estar atuando como caminhoneiro. "Falam que a cabine de caminhão não é o meu lugar, que estou dando um passo para trás. Nada a ver. Você se sente vivo. A sensação é de que estou prestando para alguma coisa. Não estou levando apenas alegria e entretenimento, mas também alimento para as pessoas."

Mas, será que um dia vai dar para mixar totalmente a vida de DJ com a de motorista? Patife tem planos de criar uma espécie de caravana, com ele ao volante, levando médicos e terapeutas de diversas especialidades, além de música, para as cidades do Brasil. "É uma caravana da saúde, da mente, do espírito, do amor."

Seria esse o destino final do menino que sonhava em trabalhar na Itapemirim? "Enquanto eu não parar um ônibus double-decker em uma plataforma da rodoviária Tietê, não morro feliz."