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Crianças de Foz do Iguaçu (PR) têm aula embaixo de arquibancada há 20 anos

Sem drible para o ruído: salas na Escola Municipal Professora Lúcia Marlene Pena Nieradka ficam a poucos metros da rua onde passam motos e carros - Denise Paro/UOL
Sem drible para o ruído: salas na Escola Municipal Professora Lúcia Marlene Pena Nieradka ficam a poucos metros da rua onde passam motos e carros Imagem: Denise Paro/UOL

Denise Paro

Colaboração para o TAB, de Foz do Iguaçu (PR)

15/06/2023 04h01

A professora Jussara de Paula, 47, interrompe a aula. O barulho é atordoante para ela, que leciona na Escola Municipal Professora Lúcia Marlene Pena Nieradka, em Foz do Iguaçu, no Paraná. A bronca, porém, não é com o comportamento dos alunos, atentos na medida do possível ao conteúdo das aulas — mas com o ruído de motos e carros passando na rua a menos de 8 metros de distância da lousa.

Instalada há 21 anos debaixo das arquibancadas de um estádio de futebol, a localização da escola proporciona um desgaste a mais aos professores que já encaram o desafio de trabalhar na rede pública. "A maior parte das reclamações dos pais dos alunos é que a professora grita demais", diz Jussara, inconformada.

A menos de 1 quilômetro dali, no bairro de Vila Yolanda, o silêncio impera na Praça nas Aroeiras. É lá, numa área de 4.698 metros quadrados com 114 árvores, pássaros e sol batendo nos dias de inverno, que a prefeitura pretende construir a nova sede da escola.

No entanto, moradores se opõem à decisão do município de levantar tijolos numa das poucas áreas verdes e tranquilas da cidade. Uma escola ou uma praça, eis a questão que divide a vizinhança de Vila Yolanda.

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'Pais dos alunos reclamam que a professora grita demais', diz a docente Jussara de Paula
Imagem: Denise Paro/UOL

Na torcida

A escola Professora Lúcia Marlene atende hoje a 212 alunos, do 1º ao 5º anos do Ensino Fundamental, em cinco salas de aulas, todas embaixo da arquibancada do Estádio Pedro Basso, conhecido por Flamenguinho.

Lá, o improviso dita o ritmo de jogo. O recreio é dividido em três horários porque os alunos juntos não cabem no refeitório miúdo onde as crianças comem a merenda, de cara com dois botijões de gás. A sala de reforço fica junto ao espaço apertado que restou para ser chamado de biblioteca. Não há Sala dos Professores, que ficam amontoados junto à secretaria. A direção ocupa uma sala de 6 metros quadrados onde mal cabem duas pessoas sentadas.

Aulas de educação física acontecem em um pequeno espaço aberto, sem cobertura, à luz do sol. Quando chove, resta fazer joguinhos dentro da sala de aula.

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Crianças comem merenda apertadas e em frente a dois botijões de gás
Imagem: Denise Paro/UOL
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A diretora Daiane em sua sala de 6m²: 'O barulho´é nosso maior problema e não dá para improvisar'
Imagem: Denise Paro/UOL

Os professores bem que tentam contornar a situação no Flamenguinho, mas não há como driblar o barulho que vem de fora da arquibancada, do corte frequente da grama no campo e da pista de kart do complexo esportivo onde fica o estádio. "Hoje, esse é o nosso maior problema e não há o que fazer para improvisar", lamenta a diretora Daiane Marilene Palma.

Mãe de uma aluna da escola, Angela Maria Berlanda, 50, tinha esperanças de que a filha chegasse a estudar na escola nova. Mas, com o atraso da obra, a menina termina o ciclo já no final do ano. "Eu tenho gratidão pelos esforços das professoras", diz Angela, que pretende continuar lutando pela construção.

Com todos os percalços e dificuldades, a escola está entre as 10 melhores da cidade no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), com a nota 7,1. Fundada em 1998 a partir da extensão de outra escola municipal de Foz do Iguaçu, a Jardim Naipi, ela primeiro se instalou nas salas da catequese da Igreja Perpétuo Socorro, no bairro. Mas o número de alunos foi crescendo e surgiu a necessidade de um espaço maior.

Foi quando os diretores do Estádio do Flamenguinho, situado próximo à igreja, cederam duas salas de alojamento de atletas para serem usadas temporariamente. O que era improvisado foi se tornando permanente, no ritmo típico do poder público.

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Espaço e ar puro: moradores do entorno da praça querem que prefeitura defina outro terreno para a escola
Imagem: Denise Paro/UOL

Jogando contra

Na Praça das Aroeiras, araucárias, ipês, pau-brasil, goiabeira, chorão e araucárias, é claro, são cuidadas pelos moradores dos arredores, que custeiam a manutenção e a limpeza, e recentemente tiveram o cuidado de identificar as árvores com plaquinhas.
Dentista aposentada, Mariana Pozzobom Kussakawa, 78, mora ali em frente. A casa dela fica próxima a uma das maiores árvores do lugar, um flamboyant plantado há mais de 40 anos pelo marido, já falecido. "Aqui são pessoas boas, unidas. Todos somos amigos", diz. Sua vizinha, Márcia Zilio, 59, costuma passear com o cachorro e tomar chimarrão na praça. "A cidade já está concretada demais", critica.

O Jardim Social, bairro onde fica a praça, é um loteamento fundado em 1974 por uma pioneira da cidade, Irena Kozievitch. Na matrícula original do terreno Irena deixou registrada a destinação do local. "Está escrito, doado para praça", exibe a professora universitária e também moradora Alessandra Hoffmann.

Embora os vizinhos façam questão de enfatizar que não são contra a construção da escola, lamentam que o local escolhido pela prefeitura seja ali. E dizem haver no bairro outros terrenos que poderiam comportar melhor a instituição. Assim que souberam da decisão da prefeitura, ingressaram com ação na justiça que está em trâmite. "É um crime o que pretendem fazer aqui", revolta-se o engenheiro e morador Pedro Luiz Trevisan.

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Márcia Zilio costuma passear com o cachorro e tomar chimarrão na praça: 'Cidade já está concretada demais'
Imagem: Denise Paro/UOL

Educação ou meio ambiente?

Engenheiro e secretário de planejamento do município, Andrey Bachixta diz que a prefeitura começou fazer estudos e pesquisas para a construção da escola em 2019, na primeira edição do orçamento participativo.

Teriam sido avaliados 11 terrenos, entre públicos e privados, que no entanto não eram adequados ou por ficarem perto de outras escolas ou pelo fato de serem pequenos, com menos de 3 mil metros quadros, insuficiente para comportar o projeto. Por isso, a área da praça, que é reserva técnica da prefeitura e não é considerada oficialmente como praça pelo município, foi escolhida.

O secretário sustenta que o projeto da escola vai aliar educação e meio ambiente. Ele diz que, das 114 árvores catalogadas na praça, 82 ficarão intactas e outras 32 serão suprimidas, porém haverá contrapartida com plantios em áreas próximas. "É muito nítido o interesse privado tentando sobressair", afirma Bachixta. Ele afirma, ainda, que pela legislação o proprietário de um loteamento não poder determinar o que será feito de uma reserva técnica.

A obra, que já está com projeto pronto e licitada, só não começou em fevereiro porque um coletivo de ambientalistas da cidade abraçou a causa dos moradores da praça levando o Centro de Direitos Humanos e Memória Popular de Foz do Iguaçu (CDHMP) a protocolar um pedido de tombamento, em análise no Conselho Municipal de Patrimônio Histórico e Cultural. Com este pedido, o Instituto Água e Terra (IAT) órgão ambiental, não pode emitir a licença.

Abaixo-assinados à favor e contra a instalação da escola foram reunidos pela comunidade escolar e por moradores do entorno da praça. O assunto foi tema de uma audiência pública realizada em abril deste ano na Câmara de Vereadores.

Por enquanto, não há consenso. Andréia Moassab, professora da UNILA (Universidade Federal da Integração Latino-Americana) e diretora do Sindicato de Arquitetos e Urbanistas do Paraná, sustenta que o terreno não se enquadra em critério para tombamento e que é possível construir a escola mantendo a praça.

Já a professora Juliana Ramme, também da Unila, expressou outra opinião durante a audiência. Ela considera as praças como um dos espaços públicos mais importantes da história das cidades por serem locais de lazer, recreação e desenvolvimento da cidadania. Por isso, pensa que a comunidade deveria ter direito à praça e à escola e que a prefeitura não deveria estimular essa disputa.