'2013 virou fantasma no imaginário da esquerda', afirma Sabrina Fernandes
A socióloga Sabrina Fernandes, 34, estudava na Universidade Carleton, no Canadá, quando eclodiram as manifestações de junho de 2013 no Brasil. De lá, monitorou as manifestações para seu doutorado. "Tivemos vários junhos de 2013", sustenta ela, na série de entrevistas sobre os dez anos do movimento feitas pelo TAB. "A gente nem arrancou a casquinha do que está por trás [dos protestos], porque existe um junho de 2013 invisível, dos municípios mais afastados dos centros urbanos."
Fernandes faz referência ao filósofo italiano Antonio Gramsci para explicar a situação: "O velho está morrendo e o novo não pode nascer; neste interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece". Na visão dela, entre junho de 2013 e as eleições de outubro de 2018, que consagraram Jair Bolsonaro (PL), declarou-se o fim da "velha política" — mas uma nova de fato não nasceu.
A consequência disso foi um paradoxo: apesar do grande engajamento nos protestos, houve de fato despolitização da sociedade. Como se tudo o que está errado fosse provocado pela política e pelos políticos — o que se refletiu, por exemplo, no discurso "sem ideologia" e "sem partido", que se transmutou no movimento Escola Sem Partido e no lema "meu partido é meu país".
Que ovo e qual serpente?
"Junho de 2013 teve muitas vozes, muitas visões diferentes ao mesmo tempo", resume a socióloga, para quem os protestos ainda hoje operam como "um fantasma no imaginário da esquerda brasileira". Embora admita que a direita teve a habilidade de capturar e esvaziar a pauta das ruas, Fernandes discorda da ideia de um "ovo da serpente" chocado pelas manifestações.
"Detesto essa metáfora. Quem botou o ovo? Essa é uma pergunta essencial para a discussão. O que veio antes?", questiona, citando a presença do conservadorismo instalado no centro do poder antes mesmo dos protestos — em figuras como Michel Temer e Eduardo Cunha. Para ela, as manifestações também levantaram questões importantes, como o direito à cidade.
"Eu não acreditava que [2013] era um momento revolucionário, mas um momento que iria impactar a esquerda brasileira profundamente." Fernandes considera que esse impacto virou trauma após o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.
"O golpe gerou uma certa fratura na psique da esquerda: você sofre e isso te faz olhar o passado e dizer 'foi aquilo' ou 'não foi aquilo', tenta buscar uma explicação para algo tão traumático. Para a gente processar esses traumas, a gente precisa falar deles. E é lógico que agora, dez anos depois, há uma necessidade, por causa do calendário", diz.
Para ela, o Brasil mudou "muito e pouco" nesta última década. Antagonismos políticos se multiplicaram, como na acirrada discussão sobre "ideologia de gênero", por exemplo, mas muito pouca mobilização aconteceu na direção de mudanças estruturais.
A solução é superar o trauma e repolitizar a sociedade. "É preciso botar o bloco na rua, sim, pois não existe democracia sem organização popular, e organização popular não se faz dentro de uma caixinha", acredita.
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