Festa dos casos de febre maculosa é disputada e custa R$ 750: 'Vou voltar'

"Vou nas próximas feijoadas com certeza. Para mim, é uma das melhores festas da região, se não for a melhor", cravou Lucas Augusto, 32, uma das 3,5 mil pessoas que estiveram na Feijoada do Rosa em 27 de maio, em Campinas (SP). O evento é o provável foco de um surto de febre maculosa que já matou quatro pessoas — outras sete estão com suspeita. Todas elas estavam na festa.
Apesar do nome, a Feijoada do Rosa não é apenas um evento para comer feijão preto com paio, costela e linguiça. Sim, o prato típico brasileiro é servido na festa. Mas a festa é um acontecimento social tradicional da região, regado a, além da comida abundante, drinques elaborados, pista de dança com DJs conhecidos, alguma pegação e um festival de ambientes altamente instagramáveis, repletos de luzes e luxo. É um evento para ver e ser visto.
Não à toa, as principais influenciadoras digitais da cidade são convidadas, e os salões de beleza, os cabeleireiros, os stylists e até mesmo as costureiras não encontram horário nas agendas para atender tantas pessoas querendo caprichar no look.
O ingresso não é barato. Em 2023, a entrada mais em conta, na pré-venda, custou R$ 750 — por isso, a Feijoada do Rosa é considerada um evento de caráter exclusivo. Embora seja open bar e open food, não é para todo mundo.
"No dia do evento, o ingresso chegou a custar mais de R$ 1.000. Quem se dispõe a pagar esse dinheiro não está pensando no orçamento. Só quer mesmo é curtir uma boa festa", afirmou Augusto, que saiu de Americana (SP), com um grupo de amigos, para participar da feijoada.
Por tudo isso, foi com certo espanto que os moradores de Campinas receberam a notícia dos casos suspeitos de febre maculosa. "A gente fica muito triste em saber de tudo isso, mas, para mim, parece mais um acidente, uma fatalidade. A festa é estruturada, organizada. Infelizmente, essas pessoas foram picadas pelo carrapato de maneira acidental", opinou Augusto para, logo em seguida, aliviado, dizer que ele e os amigos não sentiram qualquer sintoma da doença até agora.
Como foi a festa
O evento, que está na 22ª edição, é organizado pelo Seo Rosa, um tradicional restaurante de Campinas com unidades em dois bairros nobres da cidade: Cambuí e Gramado.
A festa começou às 15h, com previsão para acabar às 2h do dia seguinte. A Fazenda Santa Margarida, local do evento, fica próxima do rio Atibaia e é conhecida pelos eventos de "sunset", ou seja, realizados no fim da tarde, no pôr do sol. A paisagem do distrito de Joaquim Egídio, em Campinas, ajuda a deixar qualquer show mais bonito.
Lá dentro, a Feijoada tinha três grandes ambientes. O primeiro era a entrada, repleta de jardins e luminosos com o nome da festa e propaganda de bebidas, como Johnny Walker, Tanqueray ou Cîroc, todas da Diageo, uma das patrocinadoras do evento com a Ambev.
Em seguida, vinha o ambiente da feijoada, com mesas e um grande buffet de comida. Mais acima ficava a pista de dança, onde DJs se revezavam para agitar o local, com suas pick-ups instaladas diante de anúncios enormes de bebidas.
Apesar de ser uma fazenda, em nenhum ambiente havia grama ou terra. Tudo era pavimentado. Um caminho com paralelepípedos conectava os diferentes ambientes. A "natureza" do local se resume aos jardins e às imensas palmeiras que circundam toda a festa. O contato com a grama se dava antes do começo da festa.
"Onde o público teve mais contato com grama foi na entrada, no estacionamento. O estacionamento custava em torno de R$ 80, mas era péssimo, com grama alta, mal cuidada. E você tinha de andar um bom percurso de grama até a fazenda", contou Ana Luísa Murback, que também participou da Feijoada.
O estacionamento é o local mais provável da contaminação por febre maculosa, segundo o Departamento de Vigilância em Saúde de Campinas.
Como é o bairro
Quem chega em um dia de semana nem percebe que a Fazenda Santa Margarida é um local de eventos como grandes festas e shows. A fazenda fica em um bairro bem pacato conhecido como Condomínio Riqueza, no distrito de Joaquim Egídio. Apesar do nome e de uma portaria que está sempre aberta, o bairro se resume, na verdade, a uma rua sem saída, a Rubens Gomes Balsas, também conhecida como Estrada da Riqueza, que abriga cerca de 30 chácaras.
Essa estrada, que é pavimentada, margeia o rio Atibaia e a rodovia Dom Pedro 1º. Para chegar ao local, é possível vir do centro do distrito de Joaquim Egídio ou pegar uma estradinha de terra que sai da rodovia. Esse acesso esteve interditado por dois anos e só foi liberado em outubro de 2021, justamente após uma reforma na ponte que passa sobre o Atibaia.
Pela proximidade com o rio, o local abriga capivaras e é um conhecido ponto crítico de carrapatos e de febre maculosa. Segundo Christina Pelizaro, 59, que vive na Estrada da Riqueza há 30 anos e preside a associação de moradores local, pelo menos duas pessoas morreram da doença por ali na última década.
"Há uns cinco anos morreu uma adolescente de 13 anos por febre maculosa. E, no ano passado, meu vizinho pegou a doença, ficou bem doente, mas sobreviveu", contou. A reportagem chegou a pesquisar sobre a morte da jovem, mas não conseguiu confirmar a informação. Já o vizinho, conhecido como Chico, confirmou que contraiu febre maculosa, mas não quis entrar em detalhes.
A reportagem também encontrou uma única placa, em toda a extensão da estrada, avisando sobre o risco de febre maculosa. O alerta, no entanto, estava jogado no chão, numa das margens da estrada. Segundo Pelizaro, foi sua associação que instalou a placa.
"A placa estava no alto, mas um caminhão bateu nela e a derrubou. Já estive em contato com o subprefeito de Joaquim Egídio e ele me assegurou que irá mandar instalar avisos."
Nos dois terrenos utilizados pela Fazenda Santa Margarida como estacionamento, não havia nenhum aviso sobre os riscos da doença. Pelizaro contou que funcionários costumam carpir os terrenos e deixar a grama bem baixinha, mas que, em grandes eventos, os frequentadores param os carros em chácaras e em outros lugares, inclusive na estrada, bem perto do rio.
"Para parar o carro dentro da fazenda tem que chegar cedo. Depois, eles estacionam em qualquer lugar. Tem evento aqui que já deu 10 mil pessoas", contou.
Apesar de sempre ter convivido com a febre maculosa tão perto de casa, Pelizaro está assustada. "A gente sempre conviveu com esse negócio da febre maculosa, sempre teve medo e sempre se cuidou. Mas nunca vimos nada igual agora, como tanta morte. Isso nos assusta. Vamos ter que tomar mais cuidado e evitar ficar no meio do mato. Mas é difícil", lamentou.
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