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Sob Derrite, Rota volta a registrar mortes de PMs em serviço após 23 anos

Dois policiais militares da Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) foram assassinados em serviço no estado de São Paulo entre 2023 e 2024. Havia 23 anos que integrantes do batalhão não morriam durante o trabalho.

Os crimes ocorreram na Baixada Santista em operações ostensivas contra o crime organizado, sob gestão do secretário estadual da Segurança Pública Guilherme Derrite (PL).

A SSP afirmou em nota enviada ao UOL lamentar os homicídios, mas frisou que as ações de segurança pública, endurecidas pela gestão, não podem parar.

"Para garantir a segurança dos policiais, a SSP investe em treinamentos constantes para que as técnicas de abordagem sejam aperfeiçoadas e o risco para o policial, diminuído. Ainda assim, infelizmente, existe o risco durante qualquer ação policial."

Ex-oficial da Rota, Derrite vinha atuando com carta-branca do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

O secretário foi exonerado temporariamente da pasta na última terça (12), a pedido, para voltar a Brasília como deputado federal e relatar um projeto de lei que pretende acabar com a saída temporária de presos no país.

Quem comanda a Segurança Pública de São Paulo interinamente é o delegado Osvaldo Nico Gonçalves, ex-secretário-executivo da pasta.

No total, 23 policiais militares da Rota foram mortos violentamente em São Paulo desde 1999 — 19 (83%) durante folgas.

Apenas quatro estavam em serviço: um em novembro de 1999, outro em maio de 2000, o terceiro em julho de 2023 e o último em fevereiro de 2024.

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Os dados foram obtidos com exclusividade pelo UOL via LAI (Lei de Acesso à Informação).

O coronel reformado Marcelo Vieira Salles atribui as mortes de policiais da Rota em serviço à alta na criminalidade. O ex-comandante da PM entre 2018 e 2020 diz que a organização apenas cumpre a política de enfrentamento ao crime organizado eleita em 2020.

Tarcísio tem uma procuração assinada por milhões de brasileiros de São Paulo que o elegeram governador.
Marcelo Vieira Salles

Oficiais e praças da corporação ouvidos pela reportagem, no entanto, afirmam que a gestão tenta enfrentar o PCC (Primeiro Comando da Capital) com trabalho ostensivo se sobrepondo ao investigativo.

PMs da ponta da linha se dizem mais expostos a tiroteios e à morte.

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"A facção está muito maior. Enfrentá-la hoje como em 2000 não terá sucesso. Quando se enfrenta o crime organizado com força, quem sai perdendo é o Estado. Quem morre é o representante do Estado", diz a desembargadora Ivana David, da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo.

Primeira morte em serviço após 23 anos

O soldado da Rota Patrick Bastos Reis, 30, foi assassinado com um tiro que atravessou seu ombro direito quando fazia um patrulhamento no morro da Vila Júlia, no Guarujá, litoral paulista, na noite de 27 de julho de 2023.

Soldado Patrick Bastos Reis
Soldado Patrick Bastos Reis Imagem: Reprodução/Redes sociais

O caso impulsionou a Operação Escudo, que terminou com três suspeitos do homicídio detidos e 28 pessoas mortas pela polícia em 40 dias.

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Reis foi atingido por um único disparo, feito a uma distância de cem metros, apontou investigação do Ministério Público de Santos. O projétil teria atravessado a janela da viatura aberta antes de atingir o ombro do policial.

A principal suspeita da Promotoria é que os PMs desconheciam o local e foram pegos de surpresa. PMs da Rota costumam realizar ações em grupo quando saem da capital, o que não teria ocorrido.

Uma pistola calibre 9 milímetros, que teria sido encontrada próxima do local, foi apresentada pela PM dias depois do homicídio. Mas o IC (Instituto de Criminalística) descartou o uso dela no assassinato.

Três suspeitos foram detidos três dias após o crime. A cúpula da segurança pública paulista arrastou a Operação Escudo por mais de um mês, mesmo com as detenções.

Testemunhas, familiares e vizinhos das pessoas mortas pelos policiais disseram ao UOL durante a operação que PMs executaram, torturaram e alteraram cenas de crime. A corporação nega.

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Segundo assassinato

O soldado da Rota Samuel Wesley Cosmo, 35, morreu com um tiro no olho enquanto patrulhava uma viela do bairro Rádio Clube, em Santos, no fim da tarde de 2 de fevereiro de 2024.

Soldado da Rota Samuel Wesley Cosmo
Soldado da Rota Samuel Wesley Cosmo Imagem: Reprodução

A morte impulsionou a ida da cúpula da PM a Santos e a Operação Verão, que continua em andamento e contabiliza 47 mortos por PMs em pouco mais de um mês.

A câmera corporal de Cosmo flagrou o momento em que foi atingido por um disparo feito por um homem que apareceu na porta de um barraco.

O principal suspeito foi preso pela PM de Minas Gerais em 14 de fevereiro, em Uberlândia. Ele foi transferido para São Paulo, onde continua preso.

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O soldado Cosmo havia participado da morte de Jefferson Junio Ramos Diogo, 34, atingido por quatro tiros na Operação Escudo. O corpo do rapaz foi localizado na comunidade da Prainha, no Guarujá, em 29 de julho de 2023.

Ele era dependente químico, vivia nas ruas da capital e não tinha relação com a Baixada Santista, relatam familiares. Há registro de que passou por atendimento social na cidade de São Paulo dez dias antes de ser morto.

Parentes de mortos pela polícia na Baixada Santista durante a Operação Verão refutam a versão policial de que houve confrontos e citam postura de extermínio por parte dos policiais. A PM nega.

Rota como bandeira política

O último policial militar da Rota assassinado em serviço antes do governo Tarcísio de Freitas havia sido atacado em maio de 2000. O secretário da Segurança Pública era Marco Vinicio Petrelluzzi na época.

Ele frisa a importância de toda polícia ter uma unidade como a Rota. Mas diz que a força deve ser usada pontualmente.

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"No momento que você põe a Rota para atuar no dia a dia, a violência vai aumentar. E a culpa não é dos policiais. É de quem colocou esses policiais. Em São Paulo, a Rota é uma marca política: 'Rota na Rua', que é para atirar em bandido", afirma Petrelluzzi ao UOL.

É uma política equivocada que aumentará a violência. Com mais bandido morto, bandidos matarão mais policiais.
Marco Vinicio Petrelluzzi, ex-secretário da SSP

A Rota tem sido utilizada como principal bandeira do secretário da segurança e do governador, jogando o batalhão em missões sem que seja feito um planejamento adequado e lidando com um ambiente extremamente hostil.
Rafael Alcadipani, professor de gestão pública na FGV

Alcadipani diz que, atualmente, a valorização do policial por parte do governo implica risco de confronto e risco legal.

Exemplo disso seriam os dois PMs da Rota que se tornaram réus pela morte de Rogério Andrade de Jesus, em 30 de julho, no morro do Macaco Molhado, no Guarujá, durante a Operação Escudo.

Crime organizado só se enfrenta com inteligência, eliminando a estrutura orgânica. O Estado age depois disso, pontualmente, para desidratá-lo. Hoje, mata-se cinco criminosos e já há outros cinco no lugar. É enxugar gelo.
Ivana David, desembargadora

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PMs costumam ser alvos de tiros

O coronel da reserva Mário Alves da Silva Filho, comandante da Rota entre maio de 2019 e maio de 2020, afirma que as mortes dos PMs do batalhão em serviço têm ligação com criminosos que "se tornaram mais ousados".

"Batalhões da Baixada Santista são constantemente alvos de tiros vindos de favelas", diz ele.

"O porto de Santos, a questão da moradia, o difícil acesso às favelas. Tudo isso colabora para que o Estado não seja presente e o crime domine. A Polícia Civil prendeu recentemente um traficante e a população ficou contra a polícia. A população é cooptada pelo tráfico para ser contra a polícia."

Marcelino Fernandes, também coronel da reserva, foi o criador do departamento "PM Vítima", cujo intuito era colaborar com investigações de crimes cometidos contra policiais militares.

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Ele lista quatro fatores para justificar o aumento da criminalidade em São Paulo e a exposição de PMs:

  1. As fronteiras brasileiras são menos policiadas hoje do que em 2000, com intenso tráfico de armas;
  2. Organizações criminosas têm setores de inteligência e investigação;
  3. Instituições policiais são menos respeitadas pela sociedade;
  4. Mesmo com protocolos de segurança, ocorrências possuem imprevisibilidades, com risco de mortes de policiais.

"O policial sempre é um alvo. Ele podia estar na marginal e um carro emparelhar com ele e ele ser executado", opina o ex-corregedor da corporação.

O UOL pediu entrevistas com Guilherme Derrite e com o comandante-geral da PM, o coronel Cássio Araújo de Freitas. Os pedidos não foram atendidos pela assessoria de imprensa da SSP (Secretaria da Segurança Pública).

Segundo a secretaria, o resultado da efetividade das ações policiais causou prejuízo de R$ 1,4 bilhão ao crime organizado, levando em consideração a quantidade de cocaína apreendida.

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